Após a morte de cerca de 40 manifestantes em protestos contra ataque aos direitos previdenciários, o jornal mexicano La Jornada publicou editorial, com análise da situação conflituosa que incorreções do governo de Daniel Ortega gerou com medidas atendendo a orientações do FMI. O sangue derramado fez com que o presidente da Nicarágua recuasse na sua decisão inicial de arrochar os valores das aposentadorias e aumentar as contribuições pagas por empregados e patrões ao Instituto Nicaraguense do Seguro Social (INSS).
A seguir reproduzimos o editorial que traz detalhes importantes do processo vivido pelos nicaraguenses nos dias de hoje:
No sábado (20 de abril), quando já se contabilizava uma dezena de mortes, Ortega Saavedra desqualificou os manifestantes, comparando-os com os “maras” – bandos que atuam em algumas nações vizinhas -, e se declarou disposto a dialogar unicamente com os empresários, os quais, pouco depois, declinaram do convite a não ser que o governo contivesse a repressão. Já em plena escalada de insensatez, Ortega ordenou censurar a televisão independente que cobria os protestos e o deslocamento do Exército nas localidades mais sacudidas pelo descontentamento e com isso recrudesceu a violência. Na localidade de Bluefields, na costa atlântica, o jornalista Miguel Ángel Gahona, foi abatido por um tiro quando transmitia ao vivo um confronto entre manifestantes e a polícia.
No domingo (21), o presidente nicaraguense se viu obrigado a dar marcha à ré no decreto de reforma do INSS, reconheceu que não era viável e que tinha gerado uma situação dramática, e reiterou seu chamado ao diálogo aos empresários. Não obstante, em seguida, organizações estudantis e de aposentados manifestaram disposição de continuar a luta até conseguir a saída de Ortega e sua esposa, Rosário Murillo, que ostenta o cargo de vice-presidente e de primeira ministra.
Em suma, a intenção de Ortega de obter uns 250 milhões de dólares com a redução dos valores pagos aos aposentados e aumentar as contribuições ao seguro social, parece ter catalisado inconformidades e crescente exasperações diante da progressiva degradação do exercício do poder público na Nicarágua. Ortega, que foi comandante da guerrilha que em 1979 derrotou a ditadura dinástica dos Somoza, e que na década seguinte encabeçou um governo comprometido com as transformações sociais, hoje governa com um exagerado patrimonialismo e uma visão oligárquica, com formas autoritárias e até autocráticas e uma insensibilidade social da que deu exemplo nesta atual crise. O presidente nicaraguense não avaliou o descontentamento que geraria a reforma da previdência e, durante cinco dias, pensou que era possível reprimir o descontentamento popular que não se circunscreve somente à redução da aposentaria e aumento das contribuições.
Afastados já há muitos anos de seus antigos companheiros da luta sandinista, Ortega formou alianças com empresários e com os setores conservadores da igreja católica. Agora, conseguiu debilitar essas alianças de forma severa e precária, apoiado no aparato político e administrativo do sandinismo desnaturalizado. E, o mais grave, dezenas de vidas perdidas a troco de nada.