“O Brasil é tão abençoado que por vezes nem precisa desenvolver ou criar uma nova política, com risco de falhar, basta copiar as que já dão certo no exterior”
Em viagem ao Chile, no último fim de semana, Eduardo Bolsonaro fez elogios rasgados a Augusto Pinochet. Encontrou-se com José Antonio Kast, discípulo do ditador, e enalteceu os integrantes da Escola de Chicago que quebraram a economia e a Previdência Social chilena. Hoje os aposentados chilenos recebem de 40% a 50% do salário mínimo e não conseguem sobreviver. “Chegou a vez de o Brasil ter os seus ‘Chicago boys’ comandando a economia”, disse ele, em seu twitter.
“O Brasil é tão abençoado que por vezes nem precisa desenvolver ou criar uma nova política, com risco de falhar, basta copiar as que já dão certo no exterior”, escreveu no twitter, ao se referir à privatização da previdência chilena. “Pensamos que o Brasil pode ser o próximo Chile, se conseguirmos aprovar a reforma previdenciária. Os detalhes desta reforma serão apresentados provavelmente no começo do ano que vem”, afirmou.
Ele fez elogios às nulidades da escola de Chicago, economistas que eram badalados e muito bem pagos para defender o fim dos controles sobre os monopólios financeiros. A “desregulamentação financeira” advogada por Milton Friedman e os demais “acadêmicos de aluguel”, além de quebrar a Previdência Social e impedir o desenvolvimento autônomo do Chile, acabou provocando no mundo o maior desastre econômico da história, em 2008, abalo só equiparado à depressão mundial de 1929.
Com a política de Pinochet e seus Chicago boys, o Chile foi obrigado a manter-se como um simples exportador de commodities minerais e agrícolas, vivendo aos sabor das variações dos preços internacionais de seus produtos. Além da Previdência e do projeto de industrialização chilena, eles desmantelaram os serviços públicos daquele país.
Isso somente pôde acontecer depois do bombardeio do Palácio do governo, da destruição dos sindicatos, do assassinato de mais de 3 mil chilenos e da prisão e tortura de outros 30 mil oponentes do regime. Tudo isso feito com apoio de Kissinger, da CIA e do Departamento de Estado americano.
Eduardo Bolsonaro minimizou este banho de sangue e ressaltou que os chilenos têm que ver “as coisas boas de Pinochet”. Ele disse que foi ver de perto essas coisas boas, entre elas a privatização da Previdência. “No Chile hoje vocês veem os frutos de sua reforma nas pensões, na economia, que têm muito a ver com as reformas que ele [Pinochet] fez na década de 1980”, afirmou. “Então, o que fez de mau, sejam torturas, mortes, pode-se falar, mas há também muitas coisas boas”, argumentou.
Ao contrário do que diz Bolsonaro, a Previdência Social chilena, depois de privatizada, acabou quebrando. A sociedade chilena está nas ruas protestando e exigindo a revisão do sistema previdenciário de capitalização. O modelo, que ele, seu pai e Paulo Guedes querem imitar no Brasil, é atualmente tido como insustentável até pelo governo de Sebastián Piñera. Segundo dados oficiais, o Chile tem o maior índice de suicídios entre aposentados em toda a América Latina.
Os aposentados chilenos recebem, em média, de 40% a 50% do salário mínimo, de 241 mil pesos chilenos (cerca de R$ 1.365). A situação é considerada tão grave que, mesmo o presidente Piñera está sendo obrigado a enviar uma proposta de “reforma da reforma” ao Congresso, mudando o sistema de contribuições. Ou seja, o tão badalado financiamento individual da Previdência do Chile é insustentável.
De acordo com o Estudo Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida no período. O levantamento aponta que os maiores de 80 anos apresentam as maiores taxas de suicídio – 17,7 por cada 100 mil habitantes – seguido pelos segmentos de 70 a 79 anos, com uma taxa de 15,4, contra uma taxa média nacional de 10,2. Conforme o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento, são índices mórbidos, que crescem ano e ano, e refletem a “mais alta taxa de suicídios da América Latina”.
O sistema de capitalização joga nas costas do trabalhador, individualmente, o financiamento de sua aposentadoria e ainda permite que arapucas financeiras, chamadas AFP (Administradoras de Fundos de Pensão), apliquem os recursos dos trabalhadores na especulação financeira, sem nenhuma garantia oficial.
Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, três são norte-americanas: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA). É uma festa para os especuladores e uma tragédia para os aposentados. Não é à toa que Paulo Guedes, investigado por fraudes em fundos de pensão e, não por acaso, um Chicago boy, defende a implantação deste mesmo sistema no Brasil.
Bolsonaro não quer saber se o modelo já faliu no Chile e que até o governo de direita está tendo que fazer mudanças. Ele insiste que o Brasil tem que copiar o que os Chicago boys de Pinochet fizeram por lá. E o que eles fizeram “de bom”, na opinião de Bolsonaro, foi destruir a Previdência pública.
De acordo com o jornal La Tercera, Eduardo Bolsonaro exaltou o futuro ministro da Fazenda Paulo Guedes, a quem apresentou como “um dos Chicago Boys, que vocês tiveram a sorte de ter nos anos 1980. Por isso o Chile está hoje tão bem financeiramente”.
A política pinochetista, que perdurou de 1973 até 1990, e que Bolsonaro defende para o Brasil, foi desastrosa não só para a Previdência Social, mas para toda a economia do Chile. É só conferir nos dados abaixo.
A taxa de desemprego chilena passou de 4,3% em 1973 para 22% em 1983. Os serviços públicos foram desmantelados. Milhares de servidores públicos foram demitidos. Os salários em termos reais perderam 40% de seu valor no mesmo período. O grande aumento da desigualdade social dos Chicago boys culminou na crise econômica de 1983, a pior desde a década de 1930.
Os dados também desmentem a falácia de que os Chicago boys e Pinochet desenvolveram o Chile. De 1973 a 1990, no governo Pinochet e na economia dos Chicago boys, o PIB chileno real per capta cresceu a uma média de 1,6%. Só depois que Pinochet foi afastado, em 1990, houve crescimento. Até 2015 a média do PIB percapita chileno subiu para 4,36%, segundo mostra Noah Smith, colunista da Bloomberg e professor de finanças da Stony Brook University (gráfico).
Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos
Previdência que Bolsonaro quer adotar deixou 91% com meio salário mínimo no Chile
Paim: “Capitalização da Previdência é igual a que causa suicídios de idosos no Chile”