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Em pleito que virou plebiscito sobre o governo do desastroso Scholz, que saiu derrotado, venceu o banqueiro Merz, encabeçando a União da Democracia Cristã, mesmo após se afirmar disposto a mandar foguetes alemães de longo alcance a Kiev. Já os nazistas sob a sigla AfD, obtiveram a segunda posição, depois de multidões terem tomado as ruas da Alemanha contra o ascenso do fascismo
Com a Alemanha, a locomotiva da Europa, enfrentando a maior crise em décadas e desindustrialização, na eleição antecipada de domingo (23) a direita tradicional, a União da Democracia Cristã, sob a batuta do banqueiro e ex-CEO da BlackRock (o maior fundo especulativo norte-americano), Friedrich Merz, venceu com 28,6%, enquanto o pleito se tornou um plebiscito contra o premiê Olaf Scholz e seu desastre.
A questão chegou ao ponto do resultado da Social-Democracia ser o pior do partido em um século, 16,4%. A extrema-direita da Alternativa para a Alemanha (AdF), paparicada por ‘Heil Siegl’ Musk, dobrou sua votação, ficando em segundo com 20,8%. Mas depois das enormes manifestações antifascistas, a quebra do firewall democrático, ensaiada por Merz, está afastada por agora.
Em sua campanha, Merz pediu a continuação da guerra da Otan na Ucrânia, o rearmamento alemão e o envio de mísseis Taurus, capazes de atingir Moscou, ao regime de Kiev, o que Scholz se negara, por temer o repuxo.
Autor do livro de 2008 “Ouse Mais Capitalismo”, o visionário banqueiro é conhecido por sua predileção pela privatização, inclusive da previdência, e pela desregulamentação. Além de não ser fã do salário mínimo.
COALIZÃO
Sem ter obtido maioria, a democracia-cristã terá que apelar para um governo de coalizão pelo menos com a Social Democracia de Scholz. Para formar um governo, é necessária uma maioria de 316 assentos dos 630 assentos no Bundestag.
Há 80 anos os dois partidos se alternam no poder, mas em 2013-2021 governaram juntos sob a Grande Coalizão, encabeçada por Angela Merkel, que essencialmente cumpriu o papel de entupir os bancos de dinheiro público, achacar a Europa – a Grécia em especial -, e aplicar um austericídio.
Já os Verdes, que de um partido pacifista nos anos 80 se tornou pró-americano e pró-Otan, obtiveram 11,6%. O partido A Esquerda surpreendeu com 8,8%, capitalizando a denúncia da ameaça do nazismo. Com 4,3%, os Liberal-Democratas do FDP não atingiram o patamar mínimo de 5%.
Único partido que fez campanha aberta contra a guerra e a instalação de mísseis norte-americanos na Alemanha, a Aliança Sahra Wagenknecht ficou com 4,97%, quando seria necessário atingir 5% para ter representação parlamentar. O partido entrou com uma denúncia de manipulação contra a agremiação, via pesquisa 48 horas antes do pleito que lhe dava 3%.
ALEMANHA EM DESENCANTO
Apesar de certa mídia só ver questões como a imigração como determinantes para o resultado, para tirar conclusões sólidas sobre a cena política alemã que emerge da eleição, é indispensável discutir a fundo a crise alemã. Em que a questão decisiva para a derrapada da Alemanha foi, exatamente, a submissão de Berlim à guerra de Biden/Otan por procuração contra a Rússia na Ucrânia e suas consequências sobre a grande maioria da população alemã.
Sob a crise energética de 2022 (a autoexclusão do gás russo para aderir à guerra da Otan), os trabalhadores alemães foram submetidos às “maiores perdas salariais reais da história alemã do pós-guerra”, muito piores do que no crash de 2008 e no lockdown da pandemia, segundo estudo de dois respeitados economistas alemães, Tom Krebs e Isabelle Weber.
No início de 2024, eles explicitaram, “a produção agregada seguia 7% abaixo e os salários reais 10% abaixo” dos valores de antes da crise. Em relação ao nível pré-crise, a produção da indústria automobilística alemã despencou 20% em 2023, e depois foram anunciadas demissões em massa, corte de salários e fechamento de fábricas.
Assim, nada de tão diferente do que afetou, no outro lado do Atlântico, o voto de trabalhadores atingidos pela desindustrialização dos EUA, encorpando Trump. O que ajuda a explicar a votação da AfD nos Estados que eram a ex-Alemanha Oriental, que foram os mais atingidos pela desindustrialização e são simpáticos aos russos e contra a guerra na Ucrânia.
VASSALAGEM
Quanto às pretensas credenciais democráticas e morais do governo Scholz, este, além de bancar e armar o regime neonazi de Kiev, também fez questão de ser avalista assumido do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, que chama de “direito de defesa”. Ao ponto de proibir uma conferência da Relatora da ONU Francesca Albanese em solo alemão.
Ainda, Scholz caninamente anunciou em julho passado ter sido informado por Washington de que irá reinstalar na Alemanha os mísseis de alcance intermediário – eliminados no final da década de 1980 pelo Tratado INF, assinado por Reagan e Gorbachev, anulado por Trump em 2019. Pintando sobre a Alemanha um alvo da guerra nuclear.
Sem o gás russo barato e com a alta do preço da energia, a indústria alemã engasgou e a desindustrialização se tornou uma ameaça premente. A ponto de o carro-chefe da máquina exportadora alemã, o setor automobilístico, anunciar, como fez a Volkswagen, fechamento de fábricas, demissões em massa e corte de salários de 20%. BMW e Porsche sofreram quedas drásticas nos lucros, respectivamente 83% e 26%. A produção alemã de veículos despencou 20% em relação ao nível pré-crise.
Além disso, Scholz também lançou uma guerra tarifária contra a China nos automóveis elétricos.
FRENESI PRÓ-KIEV
Há um frenesi nas altas rodas em Berlim sobre a possibilidade do fim da guerra na Ucrânia, desde o telefonema Trump-Putin.
De um fundo de 100 bilhões de euros para rearmamento e guerra, já se fala em “700 bilhões”, chantageando a população sob a suposta “ameaça de Putin” – enquanto não param de cutucar a Rússia – como quando cederam tanques para a provocação fracassada em Kursk.
Na recentemente realizada Conferência de Segurança de Munique, a ainda ministra das Relações Exteriores Annalena Baerbock, disse ao Berliner Zeitung que “vamos lançar um grande pacote que nunca foi visto nessa escala antes”. “Semelhante à crise do euro ou do [Coronavírus], agora existe um pacote financeiro para a segurança na Europa. Isso virá em um futuro próximo.”
Os Verdes estão propondo aumentar o orçamento militar para 3,5% do PIB, e tem gente querendo mais, 5%. Merz, logo após a confirmação da vitória da Democracia-Cristã, deitou falação sobre a “europa autossuficiente” em relação aos EUA, como se o país não estivesse sob ocupação de dezenas de milhares de soldados norte-americanos e dezenas de bases militares desde a Segunda Guerra.
“Nunca pensei que teria que dizer algo assim em um programa de televisão. Mas depois das declarações de Donald Trump na semana passada, o mais tardar, está claro que os americanos, pelo menos esta parte dos americanos, este governo, são amplamente indiferentes ao destino da Europa”, acrescentou Merz, de acordo com o portal Politico.
Enquanto o banqueiro faz tal declarações, emissários europeus tentam apaziguar Trump, buscando adiar o tarifaço ameaçado, quando já é periclitante a situação da indústria automobilística europeia.
CORTAR FUNDO
Para tornar isso realidade, só cortando fundo na carne dos trabalhadores e aposentados. Aliás, o governo SDP-Verdes-FDP caiu por divergências em até onde era possível enfiar a faca, antes de uma revolta explodir. Seus parceiros da FDP pretendiam manter o fluxo de dinheiro para Kiev “através de cortes nas aposentadorias, através de corte do repasse para os municípios e corte do dinheiro que falta para a modernização do país”.
Um estudo divulgado pela Bloomberg concluiu que, se esse aumento de 700 bilhões de gastos militares fossem financiados com aumentos de impostos ou cortes em outras áreas, uma saída da crise via keynesianismo militar não se sustentaria.
“Um fator que limita o estímulo do rearmamento é que a Europa compra grande parte de seu equipamento militar de fornecedores americanos. O relatório de competitividade do ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, estimou que 78% das compras vêm da produção fora da UE – e 63% apenas dos EUA. Isso significa que qualquer efeito “multiplicador” do aumento dos gastos para com o crescimento seria baixo. Ao todo, a produção econômica da UE poderia ser maior em cerca de 0,6% em 2028, “o que implica um modesto aumento no crescimento do PIB nos próximos anos”.