“Nós temos um mercado monopolista controlado por uma empresa privada. Isso é muito sério”, aponta o engenheiro e ex-funcionário da Eletronorte
O engenheiro Ikaro Chaves, ex-funcionário da Eletronorte, afirmou nesta sexta-feira (3) ao jornalista Cláudio Porto, no programa “Prática Política”, que a privatização da Eletrobrás, além da piora da qualidade dos serviços, acarretou uma elevação brutal das tarifas pagas pelo consumidor.
“A Eletrobrás tem um poder sobre o mercado de energia elétrica muito grande. Ela tem o poder de determinar o preço da energia no Brasil”, disse o especialista. “Quando da privatização houve o fenômeno da descotização”, destacando que isso já repercutiu nas tarifas.
MONOPÓLIO PRIVADO DEFINE PREÇOS
“Nós temos um mercado monopolista controlado por uma empresa privada. Isso é muito sério, porque diferente da distribuição onde o preço da energia ainda é regulado, no caso da geração de energia, não. O preço não é regulado. Então, você vai pagar o preço do mercado. Esse é o atual modelo. A privatização da Eletrobrás vai trazer problemas estruturantes para o país como um todo, aliás, já está trazendo”, denunciou.
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“Não foi só privatizar. Eles privatizaram a empresa e permitiram que usinas antigas, amortizadas, ou seja, pagas pelo consumidor ao longo de décadas, fossem tidas como usinas novas. As usinas que já estavam amortizadas e que vendiam uma energia barata, cujos preços eram menores do que R$ 100 o MW/h, passaram a vender no mercado livre como se fosse energia nova”, denunciou Ikaro.
CONSUMIDORES DESPROTEGIDOS
“Essa energia, que era a mais barata que havia no portfólio do mercado cativo – porque você compra energia de muitas fontes – e a mais barata era da Eletrobras. Agora essa energia ficou mais cara. Ela sai do portfólio da distribuidora e vai para o mercado livre. Resultado, a distribuidora está tendo que comprar a preço mais caro”, acrescentou o engenheiro, lembrando que isso acabou afetando os consumidores.
“Por exemplo, tivemos no fim do ano passado um leilão de energia e as concessionárias tiveram que comprar energia cara para substituir a energia barata que a Eletrobrás tirou delas por causa da privatização. Então, isso já começa a impactar na conta de luz. E mais, quando temos situações de escassez energética, como nós vimos no ano passado, aí, uma empresa como a Eletrobrás tem o poder enorme de ditar o preço. Colocar o preço que ela quiser”, apontou Ikaro.
Sobre as causas dos apagões frequentes em São Paulo, ele disse que “o que existe é uma deterioração da rede”. “O sistema elétrico funciona em rede. Você tem milhares de consumidores conectados num sistema e esse sistema precisa de manutenção. A área de concessão da Enel, que é a região metropolitana de São Paulo, é maior que a maioria dos estados brasileiros. É bem maior do que goiás e Mato Grosso, por exemplo. O sistema fica cada vez mais vulnerável. Ele diminui sua resiliência às falhas”, observou.
AGÊNCIAS NÃO FUNCIONAM
O engenheiro salientou que “o modelo das agências reguladoras nunca funcionou” e disse que o modelo foi trazido dos EUA. “O Brasil tirou essa ideia dos EUA. A primeira agência reguladora foi a dos EUA. Nos anos 20 era uma indústria, era o sistema elétrico privado. Eles vendiam energia e viraram grandes trustes. E determinavam os preços. A energia elétrica, que no começo era um luxo, virou uma necessidade”.
“O governo Roosevelt, nos anos 30, naquela confusão toda, a crise de 29, resolveu botar ordem na casa. Foi aí que ele começou a regular alguns setores. E o setor elétrico foi um deles. Ele não tinha como estatizar o sistema nos EUA. Então, ele criou a regulação. Nos EUA, a regulação representou mais Estado. No Brasil, a agência reguladora significou menos Estado”, denunciou. “As empresas dos EUA faziam o que queriam, cobravam o preço que queriam. Com a regulação dos anos 30 o Estado passou a controlar de certa forma as empresas privadas”, prosseguiu o especialista.
“Nós precisamos rever o modelo atual do Brasil. Temos um monopólio natural e o interesse da concessionária é diferente do consumidor, do interesse público. Quando você tem um mercado competitivo, isso não tem problema. Se o fornecedor vende um produto ruim ou um produto caro, você vai para outro. Você tem concorrência. Agora, quando você está falando de monopólio natural não tem concorrência, então, você vai ter que ficar. Não há solução”, apontou.
CICLO NEOLIBERAL
O engenheiro lembrou que essa deterioração toda não aconteceu por acaso. “Isso é um projeto. Isso não foi sempre assim. Isso teve uma data de início e que culminou com a privatização da Eletrobrás”. “A privatização da Eletrobrás fecha um ciclo. Que é o ciclo do neoliberalismo no Brasil. Esse ciclo se manifesta em várias áreas, na educação, no mercado de trabalho, na saúde, com todo o processo de desmonte do SUS. A privatização do setor elétrico faz parte dessa lógica”, denunciou.
“Quando foi privatizada a Eletrobrás, no governo Bolsonaro, ele disse que, a partir de agora, a participação do Estado é na regulação. Esta privatização faz parte daquele projeto do FHC que foi cumprido e que não está sendo discutido. Eu costumo dizer que a única política de Estado que existe no Brasil é o neoliberalismo. É uma política de Estado. Não importa o governo. A privatização da Eletrobrás faz parte disso e vai trazer consequências”, afirmou Ikaro chaves.
MUDANÇA CLIMÁTICA VIROU MULETA
Nós, na verdade, não estamos discutindo a raiz do problema e muito menos a solução. Tudo o que está sendo discutido ou são paliativos ou são soluções que a gente chama de cortina de fumaça. Culpar a mudança climática virou muleta para tudo. Se o preço da comida sobre é a mudança climática, se o dólar sobe é mudança climática, se falta luz na sua casa é mudança climática, observou.
“Outros países convivem com tufões, com neve. Imagina distribuir energia na Rússia, com neve em grande parte de seu território. Mudança climática é desculpa de gente, ou mau-caráter, que quer continuar ganhando dinheiro, ou muito desinformada”, acrescentou.
“A solução que os neoliberais encontraram para justificar a privatização foi a ideia da regulação. Que a regulação resolve. Não resolve nada”, apontou. “Você vê, por exemplo, o governo, no desespero, jogando a culpa na Aneel, que é um órgão federal, mas que tem uma autonomia. E o problema também não é da Aneel. O problema é o modelo neoliberal e mercantilista que foi implantado no país”, denunciou o especialista em energia.
Comentários: Tânia MOTA, na fala do Ikaro tenho a contribuir no sentidos de que precisamos avaliar ainda que é um Monopólio, onde o governo é Majoritário e não tem poder de decisão sobre os rumos que o mercado está impondo para a população, o que prejudica o país como um todo, falta de manutenção dos sistemas, precarização de mão de obra e serviços. Artigo 20 da Constituição Federal (§ 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 102, de 2019) (Produção de efeito), O Brasil perde com essa concessão incontitucional muito mais que o controle de energia perde tamém o controle dos recursos hidricos, Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998), a energia é um bem essencial e qualquer coisa que venha a acontecer o governo será responsabilizado. Esperamos que a sociedade civil organizada tome consciência de que o Brasil precisa de ter controle sobre os bens essenciais para que o pais possa se desenvolver com justiça social.