Em seu programa na TV Grabois, o Meia Noite em Pequim, o economista e professor Elias Jabbour examina a crise da Evergrande, a segunda maior empresa imobiliária chinesa, que é privada, e está ameaçada de quebradeira, o que traz de volta aquelas previsões pessimistas de economistas liberais – que existem desde que ele começou a estudar a China em 95, 96 do século passado – e a tese recorrente da ‘insustentabilidade do modelo chinês’.
Antes de responder se “vai quebrar ou não”, disse Jabbour, “vou dar o contexto histórico”. A Evergrande anunciou às autoridades financeiras chinesas que talvez não consiga cumprir com suas obrigações com os credores, um passivo de US$ 300 bilhões. O que levou a uma queda absurda do valor de suas ações na Bolsa de Hong Kong. A Evergrande emprega de forma direta 200 mil pessoas e, indiretamente, 3,6 milhões.
Jabbour destaca que desde os anos 90, a China – um país com 1,4 bilhão de habitantes – tem sua economia puxada “pelo investimento e pelo processo de urbanização”, estando crescendo aceleradamente, a 9% ao ano, desde a década de 70.
Entre 1995 e 2020 a China “mais que duplicou sua população urbana”, para 60%, revela Jabbour, o que exige construção de casas, investimento em saneamento básico, saúde e educação. Em paralelo, só nos últimos dez anos foram gerados “130 milhões de empregos urbanos na China”.
Como ressalta Jabbour, a diferença com relação à urbanização de outros países, em geral ultradolora, a China conseguiu que esse processo fosse planificado a ponto de “não existir favelas na China”.
“Um país que cresce nessa velocidade, que tem um processo de urbanização nessa velocidade, naturalmente tem um setor imobiliário muito forte. E na China, o setor imobiliário é privado, não é um setor público. Basicamente é monopolizado por uma ou duas empresas privadas, uma delas é a Evergrande”, assinalou o economista.
Mas, observa Jabbour, “chegou a conta disso. Caiu a demanda por residências. O governo começa uma onda de regulamentação de setores da economia, inclusive preço de aluguéis, e a Evergrande começou a sentir o baque dessa situação e disse ‘estou quebrando’”.
“Vai quebrar a China por conta disso?”, questiona Jabbour, apontando como intuitivo fazer uma relação da Evergrande com a quebra da Lehman Brothers, que levou toda a economia [dos EUA] junto. “A resposta que eu dou: a China não vai quebrar. Por vários motivos”.
“Primeiro, porque o sistema financeiro chinês é estatal. Nenhum país quebra em moeda que ele próprio emite, e grande parte das operações da Evergrande é em moeda chinesa”. Há investidores estrangeiros na Evergrande e parece que a China “não está muito preocupada”, observa.
“Em segundo, a conta de capitais na China é fechada, então o risco de espraiamento dessa crise para o resto do mundo é muito pequeno”, acrescentou. A moeda chinesa “não é conversível”.
“Até agora, não vi o governo chinês fazer nota para acalmar os mercados”, registrou Jabbour. O que eles fizeram foi injetar um pouco mais de liquidez para “manter o crédito funcionando normalmente” apesar dessa crise.
Para Jabbour, a resposta que o governo chinês vai dar “não é propriamente econômica, e sim, política”. “Porque hoje na China existe um lema chamado ‘prosperidade comum’. Isso significa: chegou o momento de enfrentar o poder da grana, chegou o momento de distribuir a renda de fato na China”.
Xi Jinping – Elias destaca – vem dizendo há um bom tempo que “prédios são feitos ‘para gente morar’, não ‘para especular’”.
“Na minha opinião, vai ser encontrada uma solução e o enquadramento dela a partir da estratégia de prosperidade comum”, assinalou.
O apresentador do Meia Noite em Pequim registra que a “China começou uma onda regulatória na economia no setor de Big Tech, educação, proibindo práticas monopolistas em setores do tamanho de US$ 1,3 trilhão, coisa impensável no Ocidente”. Recentemente, estatizou os dados do país, os algoritmos, eles serão regulados pelo governo chinês de agora em diante.
Pela lógica com que o governo chinês funciona, o que ele está querendo é “ir mesmo para cima do setor imobiliário, porque o aluguel é muito caro na China, o que está deixando descontente muita gente, e o PCCh tem que dar uma resposta a isso”.
“Ou seja, o que causaria uma crise terrível nos Estados Unidos, na China, por ser um país com aquelas características, um Estado socialista, ao invés de o país ir para o buraco por causa de uma dívida de US$ 300 bilhões, o Estado vai transformar essa crise numa grande oportunidade para colocar em prática no setor imobiliário sua estratégia de prosperidade comum, para intervir com força nesse mercado e usar estrategicamente a quebra para os interesses do próprio país e do seu povo”, concluiu Jabbour.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.