Depois do governo praticamente extinguir o COAF, intervir na Receita Federal e demitir Valeixo da PF, a dupla agora quer por um fim no que Aras chama de “lavajatismo”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) deu sequência ao plano de Augusto Aras e Jair Bolsonaro de desmontar as estruturas de combate à corrupção no país e anunciou, nesta quarta-feira (9), a decisão de prorrogar somente até janeiro de 2021 os trabalhos da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba, no Paraná.
O despacho é assinado pelo subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros.
DESMONTE DO COAF
Desde o primeiro dia de governo, Jair Bolsonaro mirou todas as suas baterias nos órgãos de combate à corrupção. Perseguiu o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) até praticamente extingui-lo, ao colocá-lo no terceiro escalão do Banco Central.
O órgão tinha descoberto as movimentações financeiras criminosas de Fabrício Queiroz e de seu filho, Flávio Bolsonaro. Entre 2014 e 2017, Queiroz movimentou R$ 7 milhões desviados da Assembleia Legislativa do Rio e lavados em parte pela loja de chocolate de Flávio e em parte pela venda compra subfaturada de imóveis com pagamentos por fora.
INTERVENÇÃO NA RECEITA FEDERAL
Depois o Planalto demitiu a direção da Receita Federal por ela não concordar com sua indicação para o cargo de diretor do Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro.
A indicação de Bolsonaro, rejeitada pela Receita, de um nome sem nenhuma experiência em portos, beneficiaria a milícia, que usa intensamente o porto de Itaguaí para o tráfico de armas.
Em abril de 2019, Jair Bolsonaro fez ameaças públicas de exonerar o superintendente da Receita Federal no estado, Mário Dehon, o delegado da alfândega do porto de Itaguaí, José Alex de Oliveira, e a chefe do Centro de Atendimento ao Contribuinte (CAC) da Barra da Tijuca,Adriana Trilles.
Na época, ele só não fez o que queria em Itaguaí porque os diretores ameaçaram com uma demissão coletiva.
O presidente do sindicato dos auditores fiscais (Sindifisco), Kleber Cabral, disse na ocasião que, “se Dehon for afastado, o governo terá como resposta uma renúncia coletiva de chefes em todos os níveis da hierarquia da Receita”.
“Se houver uma intervenção externa na Receita, teremos renúncia em massa. Pelo menos 200 chefes no país inteiro vão entregar os cargos. Claro que sempre tem um ou outro que prefere ficar. Mas a maior parte vai sair”, disse Cabral.
APARELHAMENTO DA POLÍCIA FEDERAL
Mas, a pressão maior foi sobre o então ministro Sérgio Moro, para assumir o controle da Policia Federal. Todo o Brasil acompanhou a reunião ministerial onde Bolsonaro pressiona diretamente Moro a demitir o diretor-geral do PF, Maurício Valeixo.
Nos dias seguintes à reunião, Moro se afasta denunciando os planos de Bolsonaro de aparelhar a PF. Valeixo é demitido e o presidente tenta emplacar seu ex-segurança de campanha no cargo. É barrado pelo Supremo, mas consegue seu tento maior que era substituir o superintendente do órgão no Rio. “Afinal não posso deixar minha família se fuder”, disse ele.
INDICAÇÃO DE AUGUSTO ARAS
Seu passo mais decisivo para o desmonte da estrutura de combate à corrupção foi a indicação de Augusto Aras para o cargo de Procurador Geral da República (PGR).
Para isso, Bolsonaro atropelou alista tríplice de indicações dos promotores, método tradicional de escolha do PGR. Aras não estava na lista mas foi escolhido por Bolsonaro para por um freio no combate à corrupção. Desde então, Aras vem atacando a Lava Jato e, agora, decidiu acabar com a força-tarefa em janeiro de 2021.
Antes disso, Aras exigiu que as forças-tarefas enviassem a ele todos os dados de investigação levadas à cabo nos últimos anos, inclusive as sigilosas. O ministro Dias Toffoli, então de plantão no STF, obrigou os procuradores a entregaram os dados a Aras.
Assim que acabou o recesso, Edison Fachin atendeu ao recurso dos procuradores e derrubou a decisão de Toffoli. As informações sigilosas nas mãos de Aras era o mesmo que nas mãos de Bolsonaro.
PRETEXTO: TETO DE GASTOS
O pretexto apresentado por Aras para o desmonte do que ele chama de “lavajatismo” é puro cinismo.Disse que é por causa do teto de gastos aprovado pelo Congresso Nacional. A regra entrou em vigor em 2017 e proíbe que a maior parte dos gastos públicos cresça acima da inflação.
“A prorrogação de uma força-tarefa de grande porte que aspira ao crescimento quando não há mais concursos de servidores e de Procuradores para atender às necessidades da Instituição, em várias outras Unidades, não é uma questão de boa vontade, apenas. Como bem demonstram os Procuradores Chefes aqui ouvidos, trata-se de um ‘sacrifício’ de toda a Instituição”, diz o porta-voz do PGR no despacho.
A estrutura da força-tarefa da Lava Jato no Paraná foi criada em abril de 2014, um mês após a primeira operação ter sido deflagrada. Desde então, os trabalhos conseguiram recuperar grandes quantias roubadas da Petrobrás.
Há algumas semanas, todos os procuradores da força-tarefa de São Paulo se demitiram em protesto contra a intervenção de Aras no órgão. O responsável da Lava Jato em Brasília comunicou afastamento por estar sozinho, sem nenhum apoio. E o chefe da Lava Jato em Curitiba saiu e está respondendo à acusações por parte de pessoas atingidas por suas ações.