Em coletiva à imprensa, o ministro Mauro Vieira reforçou a posição brasileira em defesa de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia, colocando o governo brasileiro à disposição, com “grupo de países amigos”, para mediar um acordo
Em périplo pela América Latina, que começou pelo Brasil, o chanceler russo, Sergey Lavrov, encontrou-se com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, que defendeu que o país se posiciona a favor “do cessar fogo imediato, do direito humanitário e da paz duradoura” na guerra entre Rússia e Ucrânia.
A declaração do chanceler brasileiro ocorreu, nesta segunda-feira (17), após a reunião com o ministro de Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov. Trata-se de a primeira visita do ministro ao Brasil desde 2019.
O périplo envolve ainda passagem pela Venezuela, Nicarágua e Cuba. Importante destacar que a vinda de Lavrov ao Brasil se dá em momento em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em tentar dar início a diálogo de paz entre Ucrânia e Rússia.
Em viagem à China, na semana passada, Lula deu declarações em tom crítico aos EUA e aos países europeus que fomentam guerras em escala global.
POSIÇÃO BRASILEIRA SOBRE CONFLITO RÚSSIA-UCRÂNIA
Após o encontro, em entrevista coletiva à imprensa, o ministro Mauro Vieira reforçou a posição brasileira em defesa de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia.
Para isto, ele colocou o governo brasileiro à disposição, com “grupo de países amigos”, a fim de mediar qualquer acordo. O tema foi sugerido pelo presidente Lula a vários líderes estrangeiros, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e, durante viagem a Pequim na semana passada, Xi Jinping.
Além disso, Lula enviou o assessor especial dele, Celso Amorim, para discutir as perspectivas de paz com o presidente russo, Vladimir Putin, em viagem discreta a Moscou no final de março.
IDENTIDADES ENTRE BRASIL E RÚSSIA E DEFESA DA MULTIPOLARIDADE
Em coletiva à imprensa, Lavrov falou das “visões únicas” entre Rússia e Brasil, em relação ao que acontece no Leste Europeu. Ele se referiu, em particular, ao conflito que envolve os dois países eslavos — Rússia e Ucrânia, em guerra desde 23 de fevereiro de 2022.
“As visões de Brasil e Rússia são únicas em relação aos acontecimentos na Rússia. Também estamos atingindo uma ordem mundial mais justa, mais correta e baseada no direito. Nisso, nós temos uma visão de mundo multipolar, onde estamos levando em consideração vários países, não só poucos”, disse Lavrov.
Em seguida, o ministro russo agradeceu o que definiu como “contribuição” do Brasil na busca por solução no conflito desencadeado pela guerra. Segundo Lavrov, Moscou está considerando posições levantadas pelo governo brasileiro.
COMÉRCIO EXTERIOR
As relações comerciais entre o país eslavo e o Brasil são relevantes. A Rússia é o sexto país do qual o Brasil mais compra produtos: foram US$ 5,7 bilhões em importações em 2021, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Na outra ponta, foram só US$ 1,6 bilhão exportados pelo Brasil para os russos, sobretudo em produtos agropecuários, liderados por soja e carnes.
Ainda no último período de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), analistas do setor agro falavam em cautela sobre os impactos que a guerra entre Rússia e Ucrânia poderiam gerar por aqui.
O principal ponto de atenção estava, na ocasião, no grupo de adubos e fertilizantes químicos, que responde por mais de 60% de tudo o que o Brasil importa da Rússia. O país europeu é o principal fornecedor destes insumos a todo o planeta.
MULTILATERALISMO BRASILEIRO
Por tradição diplomática e pragmatismo, o Brasil é um país que defende e atua de forma multilateral. A viagem de Lula à China é a expressão dessa posição estratégica brasileira.
A propostas, por exemplo, de criação de moeda específica para transações comerciais entre os países, em substituição ao dólar, foi alvo de críticas do ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, apontando que a ideia poderia desagradar ao governo estadunidense.
“Não acredito e não há nenhuma razão para isso. Quando eu vou conversar com os Estados Unidos, não fico preocupado com o que a China vai pensar. Estou conversando sobre os interesses soberanos do meu País”, expressou o presidente Lula, em inequívoca política multilateral.
“Quando venho conversar com a China, também não fico preocupado com o que os Estados Unidos estão pensando. É assim que fazem os Estados Unidos, a China e todos os países”, ainda quando estava na China.
BRICS
Brasil e Rússia são dois relevantes países que compõem o Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — grupo de Estados nacionais do Sul Global, composto por países emergentes que têm como objetivo a cooperação econômica e o desenvolvimento em conjunto.
O resultado dos avanços desses países no campo econômico é o fato de o Brics ser responsável, atualmente, por quase 65% do crescimento do PIB mundial nos últimos anos, o que lhes proporciona valor geopolítico cada vez mais avançado no cenário internacional.
A atual presidente do banco do Brics — o NBD (Novo Banco de Desenvolvimento) ou Banco do Brics — é a ex-presidente Dilma Roussef, eleita em 24 de março. O banco surgiu para disponibilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Por isso, a ideia é focar nos países membros do Brics e em outras economias de mercado emergentes, além de países em desenvolvimento.
Lula defendeu na China, o uso de moeda alternativa ao dólar no comércio internacional entre os países do Brics. “Por que um banco como o Brics não pode ter uma moeda capaz de financiar a relação comercial entre Brasil e China, entre Brasil e outros países do Brics?”, ponderou