“Ortega, no lugar de renunciar e buscar uma saída para a situação, começou a matar gente”, denuncia o ex-vice-presidente da Nicarágua e escritor Sergio Ramirez, que passou a opositor do governo de seu país.
Em entrevista ao portal G1, publicada no dia 27, Ramirez, ganhador de diversos prêmios entre eles o Cervantes, concedido há pouco pela Espanha e o Casa das Américas, prêmio cubano, no ano 2000, acrescenta: “Temos uma situação em que há fraude eleitoral, corrupção, autoritarismo, falta de equilíbrio entre os poderes. Panorama frente ao qual a população está inconformada”.
Em maio, durante a cerimônia na Espanha, ele dedicou “à memória dos estudantes assassinados” a conquista do prêmio literário Cervantes.
Sergio Ramirez integrou o Grupo dos Doze, de intelectuais que apoiaram a luta encimada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional que venceu a sanguinária de Anastácio Somoza, que subordinava a Nicarágua aos Estados Unidos. Com a Revolução Sandinista vitoriosa, em 1979, ele integrou a Junta Revolucionária de Reconstrução Nacional e, em 1984 chegou à vice-presidência como companheiro de chapa de Daniel Ortega.
Para o escritor e ex-vice-presidente, a Nicarágua vive administrando o medo. Ele repercute os números do massacre sobre os manifestantes contrários ao regime e civis em geral, como foi o repudiado e recente assassinato da brasileira, estudante de medicina, Raynéia Lima, atingida a tiros por paramilitares.
Um morticínio que já tirou a vida de mais de 440 nicaraguenses, com mais de 1000 entre desaparecidos e feridos. “Esses números são assombrosos para um país com [cerca de] 6 milhões de habitantes. Eu não poderia medir que Ortega se tornaria o que se tornou agora”, afirma Ramirez, na entrevista.
O escritor acrescenta que, a partir da aliança de Ortega com o somozista acusado de corrupção, Alemán, o governo nicaraguense passou a ser regido por uma absoluta falta de princípios e de equilíbrio entre os poderes. “Havia um equilíbrio, e esse equilíbrio não permitia que alguém se autoproclamasse ‘chefe-supremo’”, disse Ramírez.
“Ortega voltou ao poder decidido a nunca sair, qualquer que fosse o preço social a se pagar”, contou o ex-vice-presidente.
O presidente conseguiu ampliar o silêncio, afirmou Ramírez, ao facilitar que seus filhos comprassem canais de televisão aberta da Nicarágua. Além disso, outros setores da economia estão nas mãos de familiares e aliados de Ortega.
Por isso, o escritor nicaraguense acredita que os protestos contra a reforma previdenciária foram apenas o estopim para a crise eclodir. “O grito ecoou por todo o país. ”
Segundo o entrevistado, a reforma da previdência logo foi deixada de lado da pauta dos manifestantes ante à violenta repressão. Tanto que Ortega recuou da medida logo depois dos protestos, mas a exigência, com multidões nas ruas e sublevações como a da terra do escritor, Masaya, pelo fim do governo Ortega, prosseguem.
Ramirez esclarece que a matança ocorre porque o presidente não pode contar nem com a polícia — ao menos não explicitamente, pelo prestígio que tem no país — nem com o exército. As Forças Armadas da Nicarágua decidiram não se envolver na questão.
Então, Ortega depende de grupos paramilitares para reprimir os opositores. “Desde que começaram as barricadas e os protestos nas ruas, o presidente não podia chamar a polícia. Então, criou um grupo paramilitar, que tem armas de guerra”, narrou Ramírez.
Por causa da tensão que vive a Nicarágua, Ramírez está decidido a trocar a ficção pela crônica realista. Antes escritor de romance, ele prepara, agora, um livro para contar as histórias da violenta crise pela qual passa seu país. “Minha profissão de escritor de ficção está suspensa. É muito difícil separar nestes momentos minhas preocupações, minhas surpresas diárias com as notícias cada vez mais brutais. ”
A ideia de Ramírez é contar a história das vítimas da repressão vivida na Nicarágua. Não se sabe quando a próxima obra do ganhador do Prêmio Cervantes vai ficar pronta. “Quero contar sobre vidas humanas. Entre as 400 pessoas assassinadas, há muitíssimas histórias. Há meninos assassinados de 14, 15 anos que tinham uma vida inteira pela frente. Mortos com fuzis lutando por um país livre. ”