
“A década de 1960 foi um período de aguda luta política, luta de classe, luta racial nos EUA”, afirmou o ex-deputado
Na manhã de sábado (26), a União Municipal de Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP) promoveu um debate com o dirigente sindical e ex-deputado estadual do PCdoB-SP, Nivaldo Santana, sobre o racismo nos EUA.
Os presentes ao auditório do Cine Teatro Denoy de Oliveira, assistiram ao filme “Mississipi Em Chamas”, do inglês Alan Parker, dentro do Projeto “Cinema com Partido – Mostra Democrática”, e tiveram a oportunidade de debater o filme com o experiente dirigente político do PCdoB.
Nivaldo Santana fez uma radiografia minuciosa das raízes do racismo norte-americano, analisou as origens nos grupos de extrema direita e falou sobre as diversas formas de luta que o povo americano usou para enfrentá-los.
“Conhecemos bem o processo de colonização e escravidão no Brasil, mas alguns estudiosos dizem que a escravidão nos EUA, se é que é possível quantificar o grau de perversidade da escravidão, foi muito mais dura nos EUA do que no Brasil”, disse Nivaldo.

“Mesmo que tenhamos conhecimento de toda a violência e assassinatos que aconteceram por aqui, o fato é que estudiosos afirmam que, pelas características dos americanos, lá a situação foi muito mais dura”, acrescentou.
Nivaldo lembrou que a região do Mississipi, onde se desenrolam os fatos verídicos que foram abordados pelo filme de Parker, “é um dos estados mais conservadores dos EUA. É ultra religioso e intensamente racista”.
“Só para se ter uma ideia, o presidente dos confederados, grupo de estados do Sul escravista, como Alabama, Flórida, Carolina do Sul, Mississipi e outros, era Jefferson Finis Davis, representante do estado do Mississipi”.
“Então, o líder dos sulistas na Guerra de Secessão era exatamente do estado onde se passa o filme”, observou Nivaldo. “Isso mostra a importância estratégica desse estado como o núcleo mais conservador do país”, destacou.
ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
“Cada país tem sua trajetória, mas o processo de abolição da escravatura nos EUA foi um processo muito violento e traumático, que se deu após a Guerra de Secessão do Norte industrializado contra o Sul atrasado”.
“Mais por razões econômicas do que humanitárias, o norte optou pelo trabalho assalariado, livre, que era mais funcional para essa lógica que se instalou naquela parte dos EUA”.
“No Sul”, explicou Nivaldo, “havia uma economia parecida com a nossa. Que eles chamam de plantation, com monopólio da terra, monocultura e trabalho escravo. Lá era principalmente a produção de algodão”.
“Havia o latifúndio, o trabalho escravo e a monocultura. Essa era a característica da região sul dos EUA. O trabalho escravo era um pilar estruturante de sua economia”, apontou.

O ex-deputado lembrou que a Guerra de Secessão terminou em 1865 com a vitória do Norte, mas o Sul escravista não engoliu. “O Abraham Lincoln era o presidente dos EUA. Ele conseguiu ganhar a guerra, manter a integridade do território dos EUA e também abolir a escravidão. Culminou o processo de abolição da escravatura naquele país”, prosseguiu o palestrante.
NÃO HOUVE INTEGRAÇÃO
“Mas”, lembrou ele, “da mesma maneira que aconteceu em outros países, cada um com suas particularidades, não houve uma integração e uma inserção socioeconômica do negro na sociedade. Houve até algumas medidas paliativas nesse sentido nos EUA, mas não houve a integração”.
“E mais”, destacou Nivaldo, “como dissemos, os sulistas foram derrotados, mas não engoliram a derrota. Então a segregação racial, a discriminação continuou sendo uma marca importante nesta região. A escravidão acabou em 1865 e, um ou dois anos depois, houve o processo de organização de grupos extremistas, racistas, de extrema direita, como a Klu Klux Klan”.
“Eles surgiram logo depois e tinham como características de ação os linchamentos, os assassinatos, as depredações, a destruição de propriedades”, denunciou.
“O filme se passa no início da década de 1960. Vocês vejam, a abolição da escravatura se deu em 1865 e só um século depois, em 1964, um estudante negro teve acesso à escola. Demorou um século para que isso ocorresse”, denunciou Nivaldo.
Ele chamou a atenção para o grau de violência que foi a guerra de sessão dos EUA. “O número de mortos, dizem que chegou a 600 mil. Tem gente que fala em um milhão de mortos. Foi a maior quantidade de americanos mortos num mesmo episódio da história dos EUA”.
“As pesquisas dizem que morreram 600 mil americanos na II Guerra e em torno de 50 mil no Vietnam. Só para se ter uma ideia da tragédia que foi a Guerra de Secessão . O Sul foi arrasado economicamente. E, durante todo esse período, a segregação continuava”, prosseguiu o debatedor.
Ele lembra que o próprio filme começa mostrando um bebedouro para negros e outro para brancos. “Havia uma segregação assemelhada com o Apartheid da África do Sul”, observou.
RADICALIZAÇÃO NA DÉCADA DE 1960
“Nesse período, no início dos anos sessenta, observa Nivaldo, “houve uma radicalização, do extremismo racista de um lado, e, de outro, também houve a emergência de um amplo movimento pelos direitos civis”.

Era o movimento pacifista de diretos civis, que havia conquistado corações e mentes. Nivaldo destacou que esse movimento foi liderado por Martin Luther king, “que acabou sendo assassinado”. Mas, segundo ele, “também houve movimentos de resistência mais radicalizados, como o movimento Black Power”.
“É também desse período o surgimento de uma organização política, o Partido dos Panteras Negras, que defendia a resistência armada contra o racismo. Então, foi um período de aguda luta política, luta de classe, luta racial nos EUA”, prosseguiu Nivaldo.

Para o ex-deputado, “é dessa época também o surgimento de algumas bandeiras que até hoje, sem entrar no mérito delas, estão aí, como as chamadas ações afirmativas, políticas para facilitar a inserção dos negros na educação, política de cotas, ter os seus espaços, etc”.
FILME É UMA DENÚNCIA CONTUNDENTE
Sobre o filme ainda, ele destacou o aspecto altamente positivo da denúncia que é feita pelo seu diretor. “O filme trata de um período específico onde é mostrada com cores bastante fortes, dramáticas e vivas essa política segregacionista, racista, vinculada à uma região onde a religião justificava tudo através da bíblia”, destaca.
“A palavra de Deus, na Bíblia”, observa Nivaldo, “era o que legitimava e justificava o racismo”. Ele fez questão de frisar que “até hoje nos EUA isso é muito forte”.
Santana observou que há críticas ao filme nos aspectos em que “os americanos”, segundo ele, “procuram de certa forma glamourizar o papel do FBI”.
“Os mocinhos da história são os agentes do FBI”, criticou. “Eles procuram passar que os EUA têm os homens brancos maus, racistas, que ficam principalmente no Sul, e os homens brancos, principalmente do norte, mais progressistas”.
“Então, existe uma crítica que se faz ao filme no sentido da glamourização do papel do FBI na história dos EUA”, enfatiza. Ele lembrou a figura de John Edgar Hoover, que foi diretor do órgão por mais de 40 anos, e que era um reacionário, um racista e anti-comunista.
“É uma característica dos EUA, de algumas vezes denunciar certas mazelas sociais, denunciar problemas, mas, ao mesmo tempo mostrar que, pela lei, pela Justiça, se resolve”, disse o palestrante. Ele observou que “mostram bandidos presos”. “Esse aqui foi condenado, esse outro também, um pegou dez anos o outro sete, etc”.
“Tudo para mostrar que tem problema na sociedade, tem conflitos, mas as instituições americanas, o judiciário, a polícia, o parlamento acabam resolvendo”, apontou Nivaldo. “Isso induz você achar possível reverter esse quadro sem nenhum tipo de ruptura. Usando apenas as instituições presentes”, acrescentou.
PAPEL DOS NEGROS
Um outro aspecto levantado pelo debatedor foi que “os negros são colocados numa posição bastante passiva no filme”. “Os brancos, que eram os agentes do FBI, aparecem procurando de qualquer forma descobrir quem assassinou os três rapazes ativistas dos direitos civis, e a população negra é mostrada amedrontada, intimidada pela violência, pelos assassinatos, pela virulência com que eles eram tratados”, destaca Nivaldo.
“Eles pareciam que eram agentes passivos. Eles não eram protagonistas da luta de resistência, salvo um ou outro momento de tentativa de reação. Mas eles ficavam numa postura de fuga e de silêncio. Quem cumpriu esse papel de resistência mais ativa foram exatamente os dois agentes do FBI”, afirmou.

Nivaldo argumentou, no entanto, que “de forma mais abrangente, o aspecto principal que deve ser valorizado no filme é a denúncia do racismo, a denúncia do conservadorismo, a denúncia de um estado emblemático que é o Mississipi, que gerou o presidente dos confederados, que lutou contra o fim da escravidão”.
“Acho que essa denúncia é importante”, enfatizou. “As críticas devem ser considerados como reflexão, mas não anulam os aspectos importantes do filme”, finalizou o sindicalista. Após a sua explanação, houve um intenso e frutífero debate sobre o tema com a plateia.
Nivaldo encerrou os debates afirmando ter sido a “primeira vez na vida” que ele faz “uma análise pública de um filme”. “Eu não sou crítico. Quando muito eu assisto um filme e fico discutindo num boteco”, brincou.
“Por isso, disse ele, “quero agradecer a todos, em especial ao Lucas Chen, presidente da UMES-SP, pelo convite e pela oportunidade de participar desse debate com vocês”.
SÉRGIO CRUZ