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Moradores do Jardim Helena e Jardim Pantanal, no extremo da Zona Leste de São Paulo, foram alvo de bombas de efeito moral e balas de borracha na quarta-feira (5), enquanto se cadastravam para receber benefícios destinados a mitigar os efeitos causados pelos alagamentos na região. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram pelo menos um dos momentos em que agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) lançam explosivos contra a população, do lado de fora de uma escola municipal.
Para piorar, após horas na fila, alguns moradores foram informados de que não seriam mais atendidos e protestaram, momento em que guardas municipais lançam os explosivos. Alguns ficaram feridos.
No sétimo dia de alagamento na região, a população cobra da gestão Ricardo Nunes (MDB) uma solução para o caos provocado pelas enchentes. As pessoas têm improvisado barcos para se locomover de um bairro a outro. O abandono imposto aos moradores ilhados, tanto por parte da Prefeitura como do Governo do Estado, tem provocado revolta e xingamentos contra as autoridades.
O subprefeito de São Miguel Paulista, Divaldo Rosa, acusado por uma moradora de ter sido o responsável pela ação da GCM durante o cadastramento, foi chamado de “safado”, “mentiroso” e “pilantra”. “Foi ele que causou a ‘guerra’ na comunidade”, denuncia Lucilene dos Santos, em um vídeo protagonizado por ela e publicado nas redes sociais. “Agora ele não está com GCM para bater na gente. Está andando aqui como se nada tivesse acontecido”, diz. Rosa administra a região na qual o Jardim Pantanal, ocupado há mais de 40 anos na várzea do rio Tietê, está situado administrativamente.
Ao portal Metrópoles, Lucilene disse que se descontrolou, “mas com razão”. A promotora de vendas mora no bairro desde que nasceu e nos últimos dias tem organizado e distribuído doações da própria comunidade, como roupas, água e comida. “Nós temos que nos levantar”, defende. “Prefeitura, governo não deram uma água aqui”, desabafa. “Mandaram no primeiro dia 150 marmitas estragadas”, denunciou. “É só a população mesmo, um ajudando o outro”, concluiu.
No início da semana, o vice-prefeito Mello Araújo (PL), foi xingado pelos moradores durante uma visita ao distrito inundado. Escoltado pela GCM, ele teve que se refugiar em uma escola pública.
Apesar do impressionante orçamento de R$ 119 bilhões que o prefeito Nunes tem à sua disposição neste ano, e dos R$ 372 bilhões arrecadados pelo governador Tarcísio de Freitas em 2024, ambos pouco têm feito assistir à população da região. Obras de drenagem e contenção da água de extravasada do rio Tietê foram, inicialmente, descartadas por Nunes, pois ficaria “muito caro”, alegou. Até o momento, nada foi objetivamente definido.
Um dique, cuja construção é estimada em R$ 1 bilhão, segundo o próprio prefeito, também foi desconsiderado. ”Eu estou fazendo um pôlder lá. Tem uma obra que a gente estava orçando, para a gente fazer um dique, mas fica mais de R$ 1 bilhão”, disse o prefeito.
O pôlder (áreas protegidas por um sistema interligado de drenagem) prometido para o Jardim Pantanal deveria ter sido concluído em menos de dois meses, mas até hoje não foi entregue. A construção teve início em 2023. Segundo o prefeito, novos estudos devem começar a ser feitos após o período de chuvas, a partir de abril. Nesse momento, o foco tem sido a ação emergencial.
Enquanto os moradores clamam por medidas urgentes para enfrentar a crítica realidade, Tarcísio sinaliza que não tem pressa. Após a prefeitura citar possíveis ações para a questão, o governador diz que planeja estudar a situação e suas possíveis medidas com mais profundidade.
“Se a gente adotar, na pressão, uma solução que seja simplista, provavelmente a gente vai dar uma resposta errada”, afirma. “E se a gente der a resposta errada, nós vamos gastar dinheiro e não resolver a vida de ninguém”, continua. “Então, a gente tem que ter cautela”, defende.
O governo paulista já deu uma demonstração de que não está muito empenhado em socorrer os atingidos do extremo-leste paulistano. Foi cogitado o uso das bombas de drenagem da Sabesp nas áreas submersas do Jardim Helena. Isso, porém, foi descartado de imediato por Tarcísio. Segundo ele, privatizada, cabe à Sabesp decidir sobre o assunto. Já a companhia alegou que é atribuição do Estado prover as medidas para enfrentar o problema, acrescentando que não recebeu nenhuma solicitação nesse sentido.
A tubulação da Sabesp, com capacidade de drenar mil litros por segundo, foi emprestada a Porto Alegre e utilizada durante as chuvas do ano passado. Segundo a empresa, o equipamento já foi devolvida e está em São Paulo. “O SP1 mostrou que as bombas da Sabesp, […] não foram enviadas ao Jardim Pantanal porque, segundo a empresa, o problema é do estado, não dela”, destacou Alan Severiano. “Já o governo diz que, agora que privatizou, não tem mais controle sobre a Sabesp. E, como sempre, quem paga o preço é a população!”, criticou o apresentador.
Enquanto Prefeitura e Estado não encontram – ou não priorizam – iniciativas concretas para enfrentar os efeitos das chuvas sobre áreas que historicamente sofrem com as inundações, propostas mirabolantes vão surgindo. Uma delas, a retirada dos moradores do Jardim Pantanal. A remoção custaria perto de R$ 2 bilhões – o dobro do que seria investido para construir o dique que Nunes diz não haver viabilidade econômica.
A situação demonstra que, independentemente do volume de dinheiro disponível, a verdadeira eficácia da gestão pública se mede pela capacidade de atender às demandas e proteger os cidadãos em momentos de crise. A população do Jardim Pantanal clama por soluções e assistência, mas parece que, em meio à lógica neoliberal, suas vozes também estão submersas e não ecoam.
JOSI SOUSA