
Realização da Conferência do Clima vai ser na cidade verde de Sharm El-Sheikh este ano. E marca o 30º aniversário da adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
“A questão climática agora é uma prioridade estratégica do mais alto nível de governo”, afirma a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, na quarta-feira (2), ela adiantou a mudança de rumo na posição brasileira sobre a crise do clima, que passará por negociações diplomáticas nas próximas duas semanas em Sharm el-Sheik, no Egito.
A mudança de ares e de atitudes já estão explicitadas. O presidente eleito, em 30 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já começou a encaminhar a agenda que interessa ao país. Saem as loucuras da chamada “agenda ideológica” e entram na pauta assuntos sérios, palpáveis e de interesse geral, daqui e de fora.
Marina deve participar da COP27, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, assim como o presidente Lula.
“A orientação [do país nas negociações] não pode mais ser do governo que já foi, entre aspas, ‘demitido’ pelo povo brasileiro”, frisou Marina, que defende a presença de Lula no segmento de alto nível da COP, reservado a ministros e chefes de Estado, na condição de futuro presidente eleito, ainda que informalmente.
A 27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 27) vai ser realizada no Egito, entre o próximo domingo (6) e dia 18.
‘NOVO PRECEDENTE’
“O Al Gore, que foi vice-presidente dos Estados Unidos, tem participado, então poderíamos criar um novo precedente”, argumenta Marina.
“O Brasil vai deixar de ir para a COP para fazer chantagem”, garantiu a deputada eleita pela Rede Sustentabilidade por São Paulo – em referência ao comportamento do país durante a gestão do ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP), deputado federal eleito —, que fazia ameaças para que os países remunerassem o Brasil como condição para a conservação.
“O Brasil vai para a COP para fazer história” com Lula, disse Marina.
TEMA RELEVANTE E PROTAGONISMO
Marina lembra, por exemplo, que o presidente dos EUA, Joe Biden, foi eleito colocando o meio ambiente no centro da campanha dele. Para ela, o fato de Lula também ter alçado o tema a lugar de destaque no debate mostra não só atualização do discurso do petista, mas aponta para a possibilidade do país assumir protagonismo no cenário mundial.
Marina não se manifesta sobre possível nomeação para voltar ao comando da pasta no governo Lula. Ela enfatiza que as contribuições oferecidas são programáticas e não estão condicionadas à obtenção de cargos.
A ex-ministra apresenta série de estratégias que o novo governo pode adotar na COP27 — evento ao qual ela iria de todo modo, destaca, porque está credenciada de antemão como representante da sociedade civil.
DANOS CAUSADOS PELO CLIMA
Entre as propostas de Marina, está o resgate da atuação do Brasil como mediador das negociações em temas desafiadores, como perdas e danos causados pelo clima.
A ex-ministra defende o conceito de “vetor ativo” como critério para definir por quais danos climáticos os países que mais emitem gases-estufa podem ser responsabilizados. “Por exemplo, Bangladesh, que não contribuiu para as emissões, mas é vítima das emissões. O vetor dessas perdas é ativo, é a mudança climática, então deve ser recompensado”, cita a deputada.
Ela também sugere participação mais ativa no financiamento climático por parte do Brasil, “um país de renda média alta que se dispôs em 2014 a contribuir financeiramente”. “Eu acho que isso vai voltar”, sinaliza quanto ao tema, que deve ter repercussão entre as economias emergentes na COP.
NOME PARA O MEIO AMBIENTE
Por mais que tente se esquivar dessa pauta, até por razões éticas, Marina Silva é um dos principais nomes cotados para assumir o MMA (Ministério do Meio Ambiente), segundo interlocutores ligados ao presidente eleito.
Entre as vantagens de Marina, segundo os defensores do nome dela para o MMA, está a experiência no cargo e o reconhecimento internacional da gestão que ele esteve à frente, cuja estratégia promoveu redução histórica de 83% do desmatamento da Amazônia.
Por outro lado, pessoas ligadas à campanha de Lula acreditam que o crédito internacional cacifa o nome de Marina para secretaria de emergências climáticas.
A criação do órgão é demanda do setor para o novo governo, que funcionaria subordinado à Presidência da República, fazendo a representação do país nessa área — a exemplo de potências como EUA e Alemanha, que contam com figuras de renome como enviados especiais do clima.
“Eu não propus essa ideia de uma secretaria, de ser porta-voz para fora”, disse Marina quando foi questionada se aceitaria o possível posto.
AUTORIDADE NACIONAL DE SEGURANÇA CLIMÁTICA
Ela cita a proposta, entregue a Lula, de criar Autoridade Nacional de Segurança Climática. Essa, por sua vez, funcionaria como autarquia ligada ao MMA — o que é interpretado por interlocutores como preferência de Marina de voltar ao antigo posto.
O foco da Autoridade Nacional seria a implementação das metas climáticas país adentro, em articulação com governos e setores econômicos, enquanto a Secretaria também teria papel diplomático.
Proposta pela Rede “Uma Concertação pela Amazônia” e endossada pela ex-ministra do MMA, Izabella Teixeira, ligada ao programa de governo de Lula na área ambiental, a nova função ainda precisaria passar por definição de poderes e orçamento.
O risco, na avaliação de pessoas ligadas à Rede Sustentabilidade, seria ter um órgão de divulgação sem poderes efetivos.
RANDOLFE RODRIGUES
Outra possibilidade para o MMA é o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele é visto pelos petistas como nome mais próximo de Lula e com capacidade de articulação com setores atuantes na Amazônia.
No início do ano, Randolfe desistiu de concorrer ao governo do Amapá para integrar a campanha de Lula. Marina, por outro lado, aderiu ao projeto de Lula somente em setembro, após reunião na qual ele adotou as propostas dela para a área ambiental.
“Do ponto de vista pessoal, nunca rompemos esse laço. O afastamento era político e esse laço programático e político foi restabelecido”, afirmou Marina.
A ida de Randolfe à COP27 ainda não está confirmada, segundo a equipe, que avalia a possibilidade do senador faltar ao evento e evitar assim conflito de interlocução, já que os dois nomes são do mesmo partido.
M. V