Empresa brasileira vence entreguismo oficial e segue na vanguarda da aviação. Já tem 600 pedidos de seus eVTOLs (carros voadores), só perdendo para a britânica Vertical Aerospace em encomendas. Parceria com a Weg, também brasileira, fornecedora dos motores, mostra a força da engenharia nacional
Há algum tempo o engenheiro do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), Wagner Farias da Rocha, um gigante na resistência à criminosa tentativa de venda da Embraer para a americana Boeing, afirmou, em entrevista ao HP, que a empresa brasileira certamente superaria a sabotagem governamental e seguiria na vanguarda tecnológica da aviação mundial. A Embraer, herdeira de Santos Dumont, havia desenvolvido várias aeronaves que inovaram as concepções da aviação moderna e conquistaram grandes espaços no mercado mundial. Seria um crime sem precedentes a sua incorporação à decadente Boeing, dizia Wagner Farias.
ENGENHEIRO DO ITA PREVIU NOVOS PROJETOS
Na ocasião, ele apontava a propulsão elétrica na aviação comercial como uma das fronteiras por onde a empresa seguiria se desenvolvendo. Confirmando a previsão do engenheiro, estamos hoje, não só falando, nesta reportagem, do anúncio feito pela Embraer, no dia 21 de agosto deste ano, do seu primeiro voo de uma aeronave totalmente elétrica, uma iniciativa pioneira, em parceria com outra empresa brasileira, a Weg, de Santa Catarina, que forneceu o motor, mas também apresentando o revolucionário projeto eVTOL (sigla em inglês de Veículo Elétrico com Decolagem Vertical), ou também conhecido como o “carro voador” da Embraer.
A grata e bem vinda “teimosia” da Embraer em se manter na vanguarda tecnológica e seguir destronando concorrentes mundo afora, mesmo sob governos sabotadores, como foram os de Temer e Bolsonaro, que pretendiam doá-la para a Boeing, é uma prova da tenacidade, do patriotismo e da competência dos engenheiros e técnicos brasileiros.
A associação exitosa com outra empresa de ponta, como a Weg, fornecedora do motor, confirma o pensamento revolucionário do filósofo nacionalista Álvaro Vieira Pinto. Autor da obra “O Conceito de Tecnologia”, Vieira dizia que “o crescimento industrial próprio de um país representa um grande avanço, enquanto a simples presença de indústrias estrangeiras em solo nacional, representa apenas um avanço delas sobre a nação”. É o que nós confirmamos agora com o sucesso da união da Embraer com a Weg.
Atualmente, conta-se nos dedos de uma das mãos o número de países que estão na corrida tecnológica do chamado “carro voador”, e a Embraer é uma delas. Não só isso. A empresa brasileira já é a segunda no ranking de encomendas feitas das novas aeronaves elétricas de decolagem vertical em todo o mundo. Já foram feitos 635 pedidos do eVTOL desenvolvidos pela empresa de São José dos Campos. O Brasil fica atrás apenas da britânica Vertical Aerospace, que conta com 1.350 unidades encomendadas.
PRIMEIRO VOO DO eVTOL DA EMBRAER FOI EM MARÇO DE 2021
Um protótipo desse veículo foi apresentado ao mundo pela Embraer em março de 2021. O primeiro voo foi numa das sedes da companhia em Gavião Peixoto (SP). O design do eVTOL brasileiro é refinado e preparado para acomodar até quatro passageiros. André Stein, executivo da Eve, a subsidiária da Embraer responsável pelo projeto, afirma que o protótipo da empresa tem estrutura diferente, com 10 motores elétricos a hélice, com oito deles permitindo a sustentação vertical e outros dois para o impulso horizontal. A aparência se assemelha a um drone gigante.
“Uns chamam de carro voador, mas não é um carro. É uma aeronave. O eVTOL é algo que mais se aproxima de um avião comercial. Outro termo que surgiu recentemente, e particularmente achei mais fácil de pronunciar em português, foi EVA, de Eletric Vertical Aircraft”, disse André Stein.
INÍCIO DAS OPERAÇÕES EM 2026
“Quando falamos em desenvolver a Mobilidade Aérea Urbana, não estamos falando apenas em projetar um veículo, mas todo um ecossistema. Tem muito mais a ser feito, e todas essas frentes devem avançar juntas, como indústria”, acrescentou Stein. Em anúncios recentes sobre parcerias com operadores e pedidos de eVTOLs, a Eve aposta que a entrada em serviço desses veículos deve começar em 2026. “Entregar um projeto de avião no prazo ou dentro do orçamento é algo raro da aviação, mesmo na indústria tradicional. A Embraer, porém, tem conseguido atingir esses marcos. Estamos confiantes com esse prazo”, ressaltou em julho o diretor da empresa.
A Embraer pretende fabricar o eVTOL por meio da Eve, uma subsidiária que permaneceu incubada durante quatro anos. A Eve atua numa área focada em mobilidade urbana. Ela trabalha para povoar os céus de grandes cidades com os veículos elétricos de pouso e decolagem verticais. A subsidiária é o empreendimento mais recente da Embraer. Ela foi lançada em outubro de 2020 pela Embraer X, divisão da fabricante brasileira focada em projetos de “inovação disruptiva”, como ela mesma se define. O objetivo da nova empresa é acelerar a criação de soluções para tornar o mercado de Mobilidade Aérea Urbana (UAM) uma realidade.
MOBILIDADE AÉREA URBANA ÁGIL, CONFORTÁVEL E SILENCIOSA
A subsidiária da Embraer anunciou recentemente que, além das encomendas de aeronaves, há também acordos por horas de voo. A Ascent, de Singapura, pagará por até 100 mil horas. A Blade, dos EUA, terá direito a até 60 mil horas, enquanto a francesa Helipass e a brasileira Flapper terão 50 mil horas e 25 mil horas, respectivamente. Segundo a direção da Eve, os eVTOLs começarão a ser entregues em 2026.
As aeronaves terão autonomia de voo de cerca de 100 quilômetros e, futuramente, o projeto prevê o transporte de 5 passageiros com comando remoto da aeronave.
Devem receber as aeronaves da Embraer a partir de 2026, além da americana Bristow Group, a também americana Blade, a britânica Halo, a francesa Helipass e as brasileiras Helisul e Flapper. Além da britânica Vertical, as outras concorrentes da Embraer são a americana Archer, com 200 unidades encomendadas pela United Airlines; a alemã Volocopter e a também alemã Lilium, que está em processo de fabricação de 220 aeronaves.
ENGENHARIA AEROESPACIAL DA EMBRAER
Para Luis Carlos Munhoz da Rocha, diretor comercial da empresa de táxi aéreo Helisul, que tem um acordo para obter 50 eVTOLs da Embraer em 2026, uma vantagem dessas aeronaves em relação aos helicópteros é o fato de não emitirem sons e nem gases poluentes. O executivo afirmou ainda que, por não contar com um rotor de cauda, a hélice que fica na parte traseira do helicóptero tradicional, o eVTOL terá um impacto menor ao passar por áreas urbanas. “O rotor de cauda é um gerador de ruído potencial”, disse. “Ele não vai existir [no eVTOL] e, consequentemente, o ruído que ele vai gerar é muito menor”.
TESTES DE INFRAESTRUTURA JÁ EM OUTUBRO
A Helisul e a Embraer pretendem realizar em outubro testes para avaliar rotas, tempo e preço de um futuro serviço de eVTOLs. A ideia é entender qual seria a aceitação dos “carros voadores” no mercado brasileiro. A Eve vai participar do desenvolvimento de todas as etapas necessárias para habilitar o mercado da Mobilidade Aérea Urbana. É uma atuação que compreende criação de bases de serviços e redes de suporte, pontos de embarque e desembarque de passageiros em centros urbanos, adaptações nos regulamentos de tráfego aéreo e, claro, a produção dos eVTOLs”.
Os especialistas envolvidos no projeto avaliam que o ecossistema dos eVTOLs terá complexidade semelhante a da aviação comercial. Uma das questões é sobre como será realizada a recarga das aeronaves elétricas. Para avançar nessa frente, a Eve firmou uma parceria com a portuguesa EDP Brasil, empresa tradicional do setor de energia. As soluções a serem desenvolvidas incluem tecnologia e equipamentos para carregamento das aeronaves, baterias elétricas mais eficientes, formatos de negócios, gestão e fornecimento de energia, logística de operação e integração com o sistema de gerenciamento e controle de voo.
À medida que os projetos de eVTOLs avançam em testes de voo, também estão em andamento projetos sobre os “vertiportos”, espécie de aeroporto urbano onde os veículos de pouso e decolagem farão os embarques e desembarques de passageiros. No caso da Eve, ela está trabalhando para implementação das soluções de Mobilidade Aérea Urbana em mercados na Ásia e nas Américas.
POTENCIAL É DE 50 MIL VEÍCULOS ELÉTRICOS COM DECOLAGEM VERTICAL EM 15 ANOS
Para isso tudo virar realidade, a Eve e seus parceiros precisam falar com as autoridades. A subsidiária da Embraer, por exemplo, tem estudos de viabilidade dos eVTOLs com agências reguladoras de aviação civil, como a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) no Brasil e a Civil Aviation Authority no Reino Unido.
Um estudo recente feito pela Eve em colaboração com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), calculou que um voo de eVTOL terá um custo muito menor do que a aviação tradicional, inclusive de helicópteros.
Além disso, uma pesquisa realizada pela Eve mostrou que 89% dos consumidores usariam um veículo de mobilidade aérea se pudessem, 48% fariam isso todos os meses, 28% disseram que fariam pelo menos uma vez por semana e 13% responderam que voariam quase todos os dias. O CEO da Eve prevê que o mercado global de mobilidade aérea urbana deve absorver em torno de 50 mil eVTOLs em 15 anos. “Isso significa que teremos um volume de entregas nunca visto antes na aviação. Há um potencial para venda de algumas unidades de milhar por ano. Só em São Paulo serão necessários pelo menos 400 eVTOLs.
HISTÓRICO DE SUCESSO DA EMBRAER
Quarta maior fabricante de aviões do mundo, a Embraer detém 45% do mercado global de jatos regionais. A criação da companhia em 1969 e o seu atual sucesso comercial – já foram entregues 5.500 aeronaves – foram garantidos pela competência e capacidade da engenharia e da mão-de-obra nacionais, formadas em boa parte por engenheiros graduados no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).
O ERJ 145 foi desenvolvido quando a empresa ainda era estatal e foi lançado em 1995, após a sua privatização. É um dos mais avançados jatos de transporte dessa categoria e o carro-chefe da companhia. Desde o seu lançamento, já foram entregues 502 aviões para clientes em todo mundo. Dois outros aviões, o ERJ 135, para 37 passageiros, e o ERJ 140, para 44, completam a família de jatos regionais da Embraer em operação.
Agora, tivemos o voo-teste do EMB-203 Ipanema, ocorrido também na unidade em Gavião Peixoto, interior de São Paulo, com propulsão totalmente elétrica. De acordo com a Embraer, o projeto é resultado da cooperação tecnológica com a também brasileira WEG.
Atualmente, a empresa, que é fornecedora para a Força Aérea Brasileira (FAB), como é o caso do cargueiro KC-390, é controlada por um consórcio formado pela Companhia Bozano e os fundos de pensão Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e Sistel, dos funcionários das companhias telefônicas, que detêm 60% das ações com direito a voto. Os 40% restantes estão nas mãos de um grupo europeu formado pelas empresas Dassault Aviation, Thales, EADS e Sneca, com 20%, o governo brasileiro com 0,8% e investidores individuais, têm 19,2%. O governo tem ainda direito ao uso de golden share, uma ação especial que impede decisões na empresa que ponham em risco os interesses nacionais.
SÉRGIO CRUZ