Órgão controlado por Guedes aprovou a desnacionalização de uma das empresas mais modernas, lucrativas e avançadas do país
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou na segunda-feira (27) a compra de parte da Embraer pela norte-americana Boeing. A Boeing, empresa desmoralizada internacionalmente depois das sucessivas quedas de seus 737 MAX, vai comprar 80% do capital da Embraer.
A fatia da Embraer que será adquirida pela empresa americana é o da aviação comercial, setor altamente lucrativo da empresa brasileira que produz aeronaves regionais e comerciais de grande porte.
A desnacionalização da empresa de aviação brasileira foi considerada pelos conselheiros do Cade uma operação “benéfica” para o país, para a concorrência e para a Embraer.
EMBRAER CONCORRE COM BOEING
No entendimento dos conselheiros, as duas empresas não concorrem nos mesmos mercados e, por isso, a transação não representa riscos à concorrência sadia.
Esta afirmação não corresponde à realidade porque a tendência da aviação é para o crescimento do mercado para aeronaves com até 150 lugares e é nesta faixa que a Embraer é líder de vendas. A Boeing não consegue se criar neste segmento porque existe a Embraer.
Não há nenhum argumento do órgão que sustente a narrativa de que será bom para a empresa deixar de produzir aeronaves de grande porte que vinham conquistando o mercado mundial e deixando para trás as grandes concorrentes como a Airbus e a própria Boeing. A Embraer é a campeã mundial de vendas de aeronaves com até 150 lugares.
EMPRESA BRASILEIRA SERÁ INVIABILIZADA
Especialistas alertam para o fato de que a Embraer será inviabilizada com a perda da fabricação de aeronaves comerciais porque este é setor lucrativo da empresa. As áreas de jatos executivos e de defesa da empresa não sobrevivem sem os recursos obtidos pela comercialização das aeronaves comerciais.
E, mais do que isso, como a área comercial que será entregue à Boeing é a mesma onde funcionam o setor de engenharia e de projetos da empresa, o que restar da Embraer não conseguirá projetar e nem construir aeronaves.
Várias entidade e partidos políticos entraram com ações para impedir a venda da Embraer. Uma das ações é do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Através de seu vice-presidente nacional, o ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, o partido entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental com pedido de Medida Liminar de Urgência contra a decisão do Poder Executivo de não utilizar o poder de veto da “golden share” na Assembleia Geral Extraordinária de acionistas da Embraer S/A.
“O segmento comercial representa a viga mestra da Embraer. Vendê-lo significa inviabilizar a existência do que restar da Companhia”, argumenta o ex-governador.
UNIDADES NOBRES PASSARÃO A PERTENCER À BOEING
As unidades que passarão a pertencer à Boeing são a Embraer Faria Lima – Unidade situada próxima ao aeroporto de São José dos Campos. Nesta unidade está presente a maior parte da Engenharia de Projeto e Produção Aeronáutica da Embraer; a Embraer EDE – Unidade onde são projetados e produzidos trens de pouso e componentes, incluindo aqueles aplicáveis à Embraer Defesa e para a aviação executiva e a Fábrica de Évora (Portugal) – Unidade especializada em materiais compostos de alto desempenho. O setor de engenharia é o mesmo para as diversas áreas da empresa. Sua passagem para o controle da Boeing vai inviabilizar a produção de aviões no Brasil.
Não há a menor sustentação para a afirmação de que esta operação de fatiamento da Embraer e da venda do setor lucrativo da empresa para uma empresa estrangeira – inclusive com péssima fama no mercado internacional – possa ser benéfica para a empresa de aviação brasileira. Só interesses escusos podem estar por trás desse tipo de argumentação para a venda da Embraer.
Aliás foi isso o que disse o presidente da Abradim – Associação Brasileira de Investimentos – Aurélio Valporto, que denunciou que “a venda da Embraer atende a interesses inconfessáveis”.
TECNOLOGIA DA EMBRAER É ÚNICA NO MUNDO
“A expertise construída pela Embraer em projetos, planejamento e desenvolvimento de aeronaves é única no mundo”, explicou. “Não é todo mundo que consegue reunir por tantos anos uma equipe tão capaz e habilitada para fazer o que a Embraer fez”.
“São muitos anos de experiência”, prosseguiu o dirigente da Abradin. Ele explicou que no setor de aviação são pouquíssimas as equipes no mundo que se capacitam, com o saber e a vivência necessárias, para construir aeronaves, como a Embraer conseguiu.
“O setor de construção de trens de pouso, por exemplo, desenvolvido pela Embraer, é um dos mais avançados internacionalmente. Ele é o resultado de muito investimento, de muita capacitação e criatividade. Este setor construído pela empresa brasileira é quase único no mundo”, prosseguiu Valporto. “A empresa aeronáutica brasileira vinha conquistando o mercado mundial num ritmo muito forte.
“A Boeing está vivendo uma crise exatamente nesse setor de engenharia. Não é à toa que estamos assistindo essas quedas frequentes de aeronaves da empresa”, observou. “A Boeing é uma empresa sabidamente em dificuldades, enquanto a brasileira Embraer, em seus cinquenta anos de existência, tornou-se uma das maiores e mais bem sucedidas empresas do mundo”, destacou o presidente da Abradin.
A Boeing passou a ter um grande interesse em tirar a Embraer de seu caminho. “O governo norte-americano não tinha interesse em ter uma empresa com a capacidade tecnológica da Embraer num país como o Brasil a concorrer com a Boeing”, avaliou Aurélio.
VALOR PAGO NA TRANSAÇÃO É FALSO
A afirmação do Cade, na nota divulgada para a imprensa, de que a operação trará benefícios à Embraer, “que passará a ser um parceiro estratégico da Boeing”, é uma das maiores falácias que se pode afirmar. O valor anunciado, de US$ 4,2 bilhões, que a Boeing injetaria na nova empresa não é verdadeiro”. “Também é uma fraude.
Há cláusulas que exigem que a nova empresa, controlada pela Boeing, tenha que receber a empresa com US$ 1,5 bilhão em caixa. Já há uma redução; do total ainda será descontado cerca de US$ 1 bilhão de impostos. Cerca de US$ 1,6 bilhão será dividido entre os acionistas, e o que sobrar vai compor um caixa que ficará na Embraer. Cerca de US$ 100 milhões. A Embraer S.A. que vai permanecer depois da venda não vai conseguir se manter.
Já a segunda parte da operação, a criação de uma joint venture entre a Boeing e a Embraer, para a produção do cargueiro KC390 onde a empresa brasileira terá 51% e a Boeing 49%, também trará grandes prejuízos ao país. O principal motivo pe que a linha de montagem do cargueiro militar KC-390, o principal projeto de Defesa da Embraer, será transferida para os Estados Unidos.
A transferência da linha de montagem do KC-390 para os EUA é dada sob a miragem de que “com essa americanização do produto, abrem-se dois novos mercados para o produto da Embraer: 1) o próprio mercado americano, que inclui a força aérea e também outras instâncias como a guarda nacional; 2) nações aliadas dos EUA dentro do programa “Foreign Military Sales” (FMS), que contaria com a estrutura diplomática e de financiamento do país para comercialização de produtos americanos”. Ou seja, tirando toda a conversa, o resultado concreto é que o Brasil deixará de produzir o seu principal avião militar.