Trump apelou para seus dotes de apresentador de reality-show. Ameaçou “destruir a Coreia” e rasgar Acordo com o Irã. Até o chefe de gabinete foi visto encobrindo o rosto com a mão durante o discurso
Com a popularidade em pandarecos e sob cerco da mídia e do establishment, um procurador especial que não sai da sua cola, ameaça de impeachment, sua equipe de governo derretendo, desarranjo no Congresso e a turba derrubando estátuas confederadas, o presidente Donald Trump resolveu apelar para seus dotes de apresentador de reality-show na estreia na ONU, ameaçando demitir o mundo inteiro se não for obedecido e, em especial, prometendo “destruir a Coreia”, rasgar o acordo com o Irã e dar um golpe em Caracas.
A atuação performática de Trump foi recebida com estranhamento – e silêncio – pela plateia de chefes de estado e chanceleres, pois não é todo dia que o presidente dos EUA, nas palavras do jurista internacional Christopher, comete uma “autoacusação” de premeditação de genocídio sob os termos de Nuremberg.
A chanceler sueca Margot Wallstrom – país que nas últimas décadas é conhecido pela sabujice a Washington – traduziu a perplexidade provocada: “o discurso errado, na hora errada e para a plateia errada”.
A escolha de palavras de Trump, segundo a ministra das Relações Exteriores da União Europeia, Federica Mogherini, complicou a relação entre aliados: “nunca falamos sobre destruir países”. Já a primeira ministra alemã Angela Merkel, em entrevista à Deutsche Welle, se disse “contra ameaças desse tipo” e que qualquer tipo de solução militar [na Coreia] “absolutamente inapropriada”. “Estamos claramente em desacordo com o presidente norte-americano”.
NETANYAHU
O único presente a se mostrar enlevado foi o chefe do regime de apartheid israelense, Benjamin Netanyahu. Talvez prevendo a ópera bufa, o presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping preferiram não ir à Assembleia Geral, assim como Merkel.
Embora nunca se deva subestimar a capacidade do império em cometer o mal, o discurso de Trump esteve mais para a encenação do que para outra coisa, conforme dá a entender o New York Times: “a reação precoce da China foi relativamente suave, talvez um reflexo do chamado do Sr. Trump para o presidente Xi Jinping na noite anterior”. A realidade é que a Rússia e China já advertiram Washington que não admitirão uma nova guerra às suas portas – e menos ainda o uso de armas nucleares nas suas fronteiras.
Se a intenção era atemorizar alguém, não pareceu funcionar. O chanceler iraniano, Mohamad Javad Zarif, classificou a peroração de “discurso de ódio ignorante que pertence à época medieval e não à ONU do século 21”. O embaixador da Coreia Popular nas Nações Unidas, Ri Yong Ho, comparou o discurso de Trump ao “barulho de um ladrão de cachorro”. Até o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, observou que o sujeito “não consegue governar o próprio país e quer governar o mundo inteiro”.
Mesmo no governo Trump parece que a performance do chefe não chegou propriamente a entusiasmar. Agências de notícias registraram como seu chefe de gabinete, general John Kelly, foi visto cobrindo o rosto com mão ou se mexendo desconfortavelmente em seu assento, sem conseguir disfarçar o embaraço durante o discurso.
MACRON
Outro sintoma do isolamento de Trump foi o discurso do presidente francês Emmanuel Macron – que no 14 de Julho fez o bilionário de seu convidado especial -, em que chamou o acordo com o Irã de “sólido, robusto e verificável”, acrescentando que renunciar a ele seria “um grave erro” e que, quanto à crise na península coreana, ressaltou que a França “rejeita a escalada e não fechará nenhuma porta ao diálogo”.
Houve quem se impressionasse com o “está demitido” de Trump para o mundo. O jornal inglês Independent chamou o discurso de “delirante”. Um site progressista norte-americano o chamou de “Mein Kampf de Trump” – o que deu margem à reprodução, nas redes sociais, de uma capa de agosto da revista alemã Stern, que mostra Trump fazendo anauê, com a bandeira ianque.
Mas o mais fora da casinha no discurso de Trump foi sua definição para “soberania”: é fazer soberanamente tudo o que os monopólios ianques, o Pentágono e a CIA querem. Wall Street über alles. Já um colunista do Guardian conseguiu chegar a uma ponderada definição sobre o Trump way of life: “seus tweets diários equivalem a pouco mais que ‘meu adjetivo é maior que o seu’”.
ANTONIO PIMENTA