Na noite do último domingo (3), o Movimento Engenharia pela Democracia (EngD) realizou o lançamento da organização durante uma live nas redes sociais. O evento contou com grandes personalidades, das áreas acadêmicas e tecnológicas, que prestigiaram e reafirmaram a importância de se defender a ciência, a tecnologia e a democracia nos tempos atuais.
O evento contou com a presença de Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da USP (Poli-USP), pesquisadora em tecnologias da educação do LSI/EPUSP, coordenadora da Feira Brasileira de Ciência e Engenharia-FEBRACE, incentivo à pesquisa do jovem e vice-diretora do IEA/USP; Ricardo Galvão, que foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do CBPF, professor de renome e prêmios internacionais e; Guilherme Estrella, geólogo, foi superintendente do Centro de Pesquisas da Petrobrás, diretor de exploração e produção da Petrobras (Cenpes), entre 2003 à 2012 e é considerado o descobridor do Pré-sal.
O evento foi iniciado com a apresentação de vídeo que mostra a necessidade da organização nos tempos atuais para a defesa do Brasil e da luta por um país mais justo através da engenharia.
Para Roseli Lopes, o momento é fundamental para a criação do movimento. “É de uma grande importância a criação do movimento, tendo em vista os desafios que o Brasil tem, desde os mais complexos, até mesmo os mais simples, como saneamento básico, infraestrutura, habitação, que não só demanda a técnica, mas também as discussões sociais, entender as realidades e trabalhar a engenharia para a mudança do mundo é fundamental”, disse.
A pesquisadora comentou sobre o desmonte da educação e das tecnologias que o país vem tendo nos últimos tempos, onde durante a pandemia agravou ainda mais a situação.
“Com o governo, nós já estávamos vendo o fim de conquistas sociais, de políticas públicas, o fim de vários setores e não obstante, também enfrentávamos um desmonte da engenharia no país, com o desmanche do parque industrial brasileiro, falta de verbas nas universidades e agora na pandemia, ficou mais evidente para todo mundo, que não só na engenharia, acontece o desmonte em nosso país, hoje estamos pagando um preço alto, de excessiva dependência tecnológica, principalmente na saúde, com a falta de fármacos, de insumos, de tecnologia, da qual o governo em seu projeto, desmontou”.
“Precisamos de uma engenharia fortalecida, precisamos lutar pela soberania nacional, contra qualquer dependência tecnológica. Para ter essa engenharia fortalecida, precisamos fortalecer o nosso sistema democrático, nós temos uma Constituição de 1988, muito jovem ainda, mas para fortalecermos a democracia do nosso país, é preciso investir na educação, ter educação de qualidade, que fazem-nos pensar, agir, que fomente a ciência e a tecnologia, para que possamos resolver os problemas. Estamos vendo a redução massiva de recursos da nossa educação, ciência e tecnologia. Existe uma fuga em massa do nosso conhecimento, com os estudantes indo para fora do país, porque há um desmonte da ciência e da tecnologia no país, existe um projeto para acabar com o nosso conhecimento”, continuou.
“É preciso lutarmos, juntar no movimento para garantir as mudanças, juntando os acadêmicos, as empresas, os profissionais da engenharia no geral, é preciso entender e agir para garantir a democracia, o investimento e a soberania nacional”, disse Roseli.
Ricardo Galvão comentou também sobre a importância de criar o movimento Engenharia pela Democracia para lutar por um país com um desenvolvimento socialmente justo, sem qualquer desmonte da ciência e da tecnologia.
“O Brasil tinha o protagonismo e o prestígio da engenharia antigamente, vimos grandes inovações, criação de grandes obras como as hidroelétricas, entre outras coisas. Eu sempre gosto de lembrar a Escola de Engenharia de Itajubá, que foi criada exatamente para promover os avanços hidrelétricos no país. Nós víamos no passado, os pensadores brasileiros sempre enaltecendo a importância da engenharia e a importância da ciência. A tecnologia era muito avançada e se desenvolveu rápido para o avanço do país, como exemplo o Barão de Mauá. Isso infelizmente nós perdemos e precisamos resgatar. É preciso no ano que vem com as eleições, promover o debate e as mudanças, a fim de colocar na agenda pública a retomada da nossa tecnologia e da ciência, de mudar o projeto que estamos vivendo e para que possamos trabalhar no desenvolvimento do país e atingir um desenvolvimento socialmente justo”, disse.
O professor falou também do negacionismo que acontece atualmente no país e da necessidade de comunicar a população sobre a necessidade de zelar pela democracia e a garantia da ciência e tecnologia do nosso país.
“O Brasil vem perdendo a capacidade de produção, de desenvolvimento e tecnologia, que se agravou ainda mais no período em que vivemos, principalmente com o negacionismo que vem acontecendo no país, que nega a ciência, nega os avanços científicos e tecnológicos, que afeta milhares de pessoas. É um projeto de governo, que desmonta o nosso conhecimento através dos ataques, das mentiras e da negação. O movimento EngD é fundamental e essencial neste período, em que é preciso discutir, lutar, entender e lutar para combater esse desmonte no nosso país, de lutar pelo progresso da ciência, lutar pela democracia. O que estamos vendo no país é falta de competência para sanar essas questões, é preciso encontrar soluções para garantir o desenvolvimento pleno da nossa engenharia, da nossa ciência e da nossa tecnologia”, concluiu.
Guilherme Estrella falou sobre a defesa da soberania nacional e a importância da defesa das empresas estatais. O desmonte vem acontecendo há muito tempo com inúmeras privatizações, acabando com o Estado brasileiro e com o desenvolvimento pleno do país.
“Nós estamos enfrentando um momento em que talvez nunca tenhamos enfrentado anteriormente na história do Brasil. Depois da Revolução de 30 com Getúlio Vargas, com o fortalecimento e a profissionalização do Estado, com a criação das indústrias nacionais, leis trabalhistas, desenvolvimento, soberania, entre muitas outras coisas, fortalecido com a constituição de 88, hoje vivemos um momento em que o Estado brasileiro está sendo destruído inteiramente, não está sobrando pedra sobre pedra sob o Estado brasileiro. Isso não vêm de agora, apesar que vivemos hoje essa conclusão do desmonte do Estado com o governo que defende os interesses não brasileiros, vêm desde o governo Collor, onde já no início do governo, foram privatizadas mais de 100 empresas estatais, empresas de cunho estratégico e necessário para o desenvolvimento da ciência brasileira, muitas delas, ligadas às pesquisas das universidades nacionais. Continuou também no governo Itamar, no governo FHC também teve um grande acréscimo de privatizações, também nos governos Lula e Dilma ocorreram concessões nas áreas de energia e hoje estamos vivendo a conclusão desse desmonte, da destruição do Estado, com o Plano Nacional de Privatização, que já está em plena atividade”, disse.
“A dimensão desse desastre, que impacta diretamente a soberania brasileira, é um ataque direto ao povo brasileiro, um freio e um decréscimo do nosso desenvolvimento, promove o fim da ciência, da tecnologia nacional. Essas medidas privatizantes acabam com o nosso país. É preciso lutarmos pela soberania nacional, não desnacionalizando nossas empresas, não desmontando as nossas estatais, nossas universidades, não acabando com as nossas conquistas, não acabando com o que construímos. É necessário nos organizarmos para defender a engenharia, defender a nossa democracia, defender a nossa soberania nacional, sem qualquer desmandos por qualquer governo. É preciso que o povo brasileiro seja o real beneficiário das conquistas nacionais e do nosso Estado”, concluiu Estrella.
O evento na íntegra aqui:
Engenharia para a renovação nacional
Um dos idealizadores do movimento, o Engenheiro Allen Habert, ex-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, membro do Conselho Universitário da Unicamp e coordenador do projeto Brasil 2022 publicou coluna no Jornal Estado de S. Paulo sobre a importância da criação do movimento e de se fomentar a engenharia no país, de forma a utilizá-la para a defesa da democracia. “A renovação é necessária para obtermos um país mais democrático, mais justo e crucial na vida de milhares de pessoas”.
A importância da engenharia para a renovação nacional
O País caminha para uma mudança de pele. As instituições, entidades e movimentos sociais que representam interesses legítimos de setores da sociedade precisam acompanhar, renovar-se e impulsionar as mudanças.
A democracia representativa e participativa que emergiu dos ventos e sonhos do processo democrático e constituinte da década de 80 atravessou aos trancos e barrancos 40 anos de caminhada.
Somos herdeiros do legado do pensamento que construiu esta Nação nos últimos 200 anos de independência inacabada do Brasil. A engenharia é uma parte exponencial e sofisticada do nosso enorme capital cultural. Para construir uma plena democracia descobriu-se tardiamente que é necessário ter muita engenharia engarrafada em seu seio. Ou seja, mais democracia é mais engenharia. Distribuir os benefícios advindos da revolução tecnológica à toda a população em termos de moradia, segurança alimentar, saneamento ambiental, energia, banda larga, transportes e mobilidade dependem de uma democracia poderosa e uma engenharia com um laço social voltada a resolver problemas aparentemente sem soluções de forma criativa. Por onde se passa tem trabalho da engenharia. Do porto ao aeroporto. Do grão ao avião. Em todas as cadeias produtivas. Isto são inteligências coletivas lincadas e articuladas.
A força e o poder dos países medem-se pela capacidade da sua engenharia do projetamento da capacidade de formarem profissionais da área tecnológica, requalificados permanentemente, voltados a fazerem bons diagnósticos, resolverem problemas e planejarem o desenvolvimento sustentável. Sob uma biosfera de uma coordenação ética da sociedade voltada a combater as desigualdades, promover a vida e o bem viver. Esta é a senha para o século 21 ultrapassar o século 20 e salvar a humanidade da sua inviabilidade.
Reinventar o Brasil é um desafio de nossa geração. Construir uma nova civilização sob os trópicos, como vaticinava Darcy Ribeiro, dependerá de atravessar-se este nosso deserto atual. Potencializar o que se faz bem e reconstruir o que foi desmontado é uma receita já testada no pós-guerra em todas as épocas.
O movimento Engenharia pela Democracia criado recentemente propõe-se a constituir estes ventos na caravela da esperança. Unir todas as pontas constitutivas da engenharia, repensar criticamente o passado e reprojetar o futuro. Apostar na ideia de que nos 200 anos da nação brasileira e no centenário da Semana de Arte Moderna os construtores do século 21 entreguem este continente Brasil melhor do que o receberam.