O professor da Unicamp Marcos Barbieri, especialista em indústria aeropespacial, apontou a Embraer como exemplo do potencial da engenharia nacional e da associação do ensino com a pesquisa e o desenvolvimento
O movimento Engenharia pela Democracia realizou na tarde deste domingo (30) um debate com o professor Marcos Barbieri, economista e professor da Unicamp, especialista em indústria aeropespacial. O tema foi a importância da Embraer, da Alta Tecnologia e da Soberania Nacional.
O debate, conduzido pelo engenheiro Allen Habert, ex-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, membro do Conselho Universitário da Unicamp e um dos fundadores do movimento Engenharia pela Democracia, foi muito rico e contou com a participação de engenheiros de todo o Brasil e do exterior.
Em sua palestra, o professor Barbieri apresentou a história do setor aeroespacial brasileiro e da criação da Embraer. Ele falou das iniciativas empresariais anteriores à Embraer, estimuladas pelas mudanças ocorridas no Brasil a partir da década de 1930 e 1940, no governo Getúlio Vargas.
Barbieri avaliou que, com a subida ao poder do governo de Eurico Gaspar Dutra e o fim da guerra, há um desestímulo à continuidade dos projetos aeronáuticos no Brasil.
Primeiro, porque o governo deixou de apoiar essas iniciativas e, segundo, disse Barbieri, porque, com o final da Segunda Guerra Mundial, houve sobra de aviões no mundo e eles foram vendidos a preços muito baixos e, em alguns casos, foram até doados.
Confira aqui o debate na íntegra
Barbieri destacou a importância da genialidade de Alberto Santos Dumont, o “Pai da Aviação”, e o papel do Marechal Casemiro Montenegro, pioneiro do Correio Aéreo Nacional, na criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA), instituições que foram o embrião da Embraer. Ele salientou também a importância da formação de uma inteligência nacional que viabilizou o intenso desenvolvimento tecnológico neste setor.
Na contra-revolução de 1932, Casimiro era o comandante chefe do Destacamento de Aviação de São Paulo e, ao permanecer fiel ao governo federal, foi preso pelas tropas paulistas, ficando detido por 85 dias.
Após a criação do Ministério da Aeronáutica, para o qual migrou, proveniente da Aviação do Exército, o então Tenente-coronel Casimiro realiza visitas ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, nos anos de 1943 e 1944. Destas visitas nasce a intenção de criar uma instituição similar no Brasil, com o objetivo de desenvolver profissionais e tecnologia aeronáutica.
Com a ajuda do professor e chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica do MIT, Richard Harbert Smith, desenvolve as diretrizes da nova instituição. No restante da década de 1940, Casimiro envolve-se, direta e indiretamente, na construção de seu sonho, na cidade de São José dos Campos. No início da década seguinte o CTA/ITA já era uma realidade.
Barbieri conta que o especialista estrangeiro pergunta a Casimiro que tipo de aeronave ele queria desenvolver e o militar brasileiro reponde que não queria nenhuma aeronave em particular. “O que nós queremos é que os engenheiros brasileiros aprendam a desenvolver aeronaves”, disse ele. E foi o que ocorreu com a criação do ITA e do CTA.
Em 1969, foi criada a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) como uma corporação de propriedade do governo vinculada ao Ministério da Aeronáutica.
O professor da Unicamp frisou também que a associação entre o Estado, através da Aeronáutica, e o mercado propiciou que a Embraer se desenvolvesse, conquistasse o mercado mundial e se transformasse na terceira maior fabricante de aviões do planeta.
Ele demonstrou que, mesmo após a tentativa de destruição da empresa por parte do governo, a Embraer ressurge com força, apresentando projetos inovadores e de tecnologias disruptvas, como Turboélice, os aviões com propulsão híbrida (elétrica e combustão), os drones militares e os chamados “carros voadores”.
Um amplo debate se desenvolveu durante o evento promovido pelo movimento Engenharia pela Democracia, ocasião em que o professor Barbieri destacou que a tentativa da venda da Embraer à Boeing foi o momento mais grave vivido pela empresa. Segundo o especialista, muitos militares se opuseram ao negócio, pois a venda da empresa como uma joint venture da companhia americana não passava de uma incorporação pura e simples da Embraer à Boeing.
Ele lembrou que já em 2017 começaram os primeiros “sinais de fumaça” de que haveria um ataque contra a empresa brasileira. Ele associou isso ao fato do ex-presidente do Banco Central e então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defender à época o fim da “golden share”, que é uma ação especial que permitiria ao governo impedir qualquer negociação na Embraer que poderia significar uma afronta aos interesses nacionais. Ele comemorou o fato da venda à Boeing não ter se concretizado.
SÉRGIO CRUZ