
Negociação para criação de uma nova empresa com 80% do controle da norte-americana foi autorizada pelo governo. Forças Armadas manifestam preocupação
Meses após o início das negociações, o governo Temer deu permissão para a entrega da empresa de aviões Embraer à multinacional norte-americana Boeing. A promessa é de criar uma joint-venture, uma associação entre as empresas, onde o controle será 80% da múlti e 20%, brasileiro.
Na última terça-feira (3), Michel Temer se reuniu com os ministros Raul Jungmann e General Joaquim Silva e Luna, da Segurança Pública e da Defesa, e com o comandante da Aeronáutica, o Tenente-Brigadeiro do Ar Nivaldo Luiz Rossato, onde recebeu um panorama das negociações com a empresa norte-americana.
Segundo as informações a nova empresa ficará com o departamento de aviação comercial de médio porte – o que representa 85% da empresa, segmento no qual a Embraer é líder no mercado mundial, e a Embraer “antiga” ficará com a parte da Defesa.
No fim do ano passado a Boeing fez uma oferta de cerca de US$ 6 bilhões para adquirir a Embraer. Sua principal concorrente, a Airbus, comprou a rival da Embraer, a canadense Bombardier.
O interesse da Boeing é transformar a Embraer em uma subsidiária. Para o vice-presidente da SBDA (Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial), José Monserrat Filho, o país perderá o controle estratégico de segredos tecnológicos, que passarão a atender demandas do governo norte americano. Para ele a Boeing “é uma sucursal do Pentágono, no sentido que ela está permanentemente atendendo às solicitações e necessidades do governo dos Estados Unidos”.
Do ponto de vista financeiro, a proposta também não convence. Para se ter uma ideia, em um único projeto, o do cargueiro KC-390, o governo brasileiro investiu US$ 2 bilhões e além de se comprometer a comprar 28 aeronaves.
A proposta é também um desperdício de esforço do país. Nos últimos anos, a Embraer foi uma das principais beneficiadas pelo governo, com financiamentos, benefícios na área da Defesa, e isenção de impostos. Somente o BNDES, financiou entre 2001 a 2016 mais US$ 14 bilhões em exportações de aviões montados no Brasil. A Embraer também tem preferência nas compras de equipamentos de vigilância de fronteira, na construção de satélites e na fabricação e manutenção dos novos caças que estão sendo produzidos em parceira com a sueca Saab-Gripen, com transferência de tecnologia.
Em seminário no Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Gustavo Machado, do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos, destacou a falta de visão estratégica e de soberania do governo brasileiro. Ele citou o veto do presidente norte-americano, Donald Trump, à venda da empresa Lattice Semiconductor para a China. Na época, Trump argumentou que “a transação representa um risco à segurança nacional dos Estados Unidos”.
Não é à toa que dentro do governo a maior frente de resistência à venda da Embraer são as Forças Armadas. A Força Aérea Brasileira (FAB) expressou, meses atrás, em nota, a preocupação com a exposição e soberania nacional. A venda da Embraer deve deixar no país apenas as divisões de baixa rentabilidade, o que pode inviabilizar a continuidade das operações. Além disso, os militares temem que o governo dos EUA interfira nos programas brasileiros de defesa.
Na quarta-feira (4), o comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Nivaldo Rossato, declarou, na quarta-feira (4) que não há nada de concreto sobre a entrega da Embraer. Ele destaca que as Forças Armadas estão levando em conta “a soberania nacional”, na discussão a cerca da Embraer.
“Tem que analisar essas situações. Não existe nada de concreto. Há estudos sendo feitos, mas estamos considerando muito essa questão de soberania”, disse o comandante da Aeronáutica.
A declaração de Rossato foi feita numa audiência pública na comissão de defesa nacional da Câmara dos Deputados, em Brasília, onde o ministro da Defesa de Temer, Joaquim Silva e Luna, se negou a responder sobre a Embraer.
O diretor do sindicato e funcionário da Embraer, Herbert Claros, afirma que a proximidade do acerto com a Boeing está provocando demissões na fábrica em São José dos Campos, pois a Boeing considera o quadro de trabalhadores inchado e deverá fazer cortes se a compra for concluída. “A Embraer já demitiu mais de 300 trabalhadores, inclusive com doenças ocupacionais. O Sindicato continua insistindo para ter uma reunião com a empresa para discutir essas demissões”, disse Herbert.
Ele lembra que processo de venda da Alitalia, que aconteceu entre 2008 e 2009, foi seguido pela demissão de 10 mil trabalhadores e redução salarial de 13%, em média.