Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos e funcionário da Embraer denuncia que valor a ser pago pela empresa equivale a apenas um ano de faturamento, ‘uma mixaria’
Na última quinta-feira (5), a multinacional norte-americana Boeing anunciou um acordo preliminar para a compra da empresa brasileira de aviões Embraer.
A negociata, realizada com a chancela do governo Temer que, implicaria na formação de uma nova empresa, uma joint venture que teria 80% de participação da múlti dos EUA e o restante, da empresa brasileira.
Considerada estratégica pelo seu desempenho na produção de aviões de médio porte e na área de Defesa brasileira, a Embraer está sendo vendida para os norte-americanos por apenas US$ 3,8 bilhões, o que, segundo o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e funcionário da Embraer, Herbert Claros da Silva, “é a receita total que a Embraer teve no ano passado”. Em entrevista a Hora do Povo, ele destaca: “Adquirir a Embraer é adquirir o controle de parte da Defesa brasileira, ou inviabilizá-la”.
Abaixo, publicamos a íntegra da entrevista:
Como os funcionários e o sindicato estão avaliando este acordo?
Na verdade desde o começo, desde dezembro quando as duas empresas anunciaram tratativas, nós tivemos uma posição contrária. O anúncio oficial das empresas deixou mais claro que a venda é prejudicial ao país. Esse valor de 3,8 bilhões que a Boeing está se propondo a pagar pela Embraer é uma mixaria. O que a Boeing está pagando para a Embraer é a receita total que a Embraer teve no ano passado. Então você imagina, a Boeing tá pagando pra gente o que a Embraer gerou de receita em um ano. Não tem sentido, nós construímos essa empresa durante 49 anos. Com dinheiro público inclusive. Em 20 anos o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] deu US$ 20 bilhões de incentivos para venda de aeronaves, dinheiro do povo brasileiro, dinheiro público nosso, US$ 20 bilhões foram para financiar a venda de aviões da Embraer e aí nos vamos vender agora para os Estados Unidos por US$ 3,5 bilhões. Não tem sentido nenhum, nem do ponto de vista comercial, nem do ponto de vista da soberania e nem de manutenção do emprego.
Como vocês enxergam o futuro da empresa com esse acordo?
Na opinião do sindicato o emprego fica ameaçado concretamente com a venda da Embraer para a Boeing. Nós dizemos isso porque não há garantias de que no futuro a Boeing vá fazer investimentos em São José dos Campos ou no Brasil. Nós não temos garantia nenhuma de que daqui a 5 ou 10 anos a Boeing chegue aqui com um novo avião para desenvolver. Isso só existe na indústria automobilística, onde, por exemplo, as multinacionais fazem um novo modelo de carro popular e fabricam no Brasil porque vende, porque tem mercado no Brasil para vender. Agora para os aviões da Embraer não existe mercado no Brasil, não existe mercado na América Latina. Os aviões que a gente faz na Embraer tem mercado na Europa, nos Estados Unidos. Então não tem como acreditar que a Boeing vá desenvolver alguma coisa aqui. E se não tiver um novo projeto, se não tiver um avião novo, não tem produção e se não tiver produção de aeronave, o que vai acontecer com a Embraer é que daqui 5 ou 10 anos nós vamos nos resumir a uma fábrica de peças de aviões. E para fazer peças de aviões são necessários apenas 3 mil funcionários, não 15 mil funcionários, que é o que temos hoje.
Com a criação desta nova empresa para administrar a área comercial, a Embraer “antiga” ficará com a Defesa. Na sua avaliação a Defesa terá condição de se sustentar?
Não tem como. A área de defesa da Embraer hoje só existe graças a área comercial, é só perguntar para qualquer especialista da aviação. Se nos últimos 49 anos não existisse a aviação comercial não existiria Defesa, não existiria Super Tucano, não existiria KC-390. Se não existiria nos últimos anos, como eu posso dizer que vai existir pra frente. Não vai existir. Para nós é obvio que a Defesa vai morrer. E para nós isso faz parte de uma estratégia geopolítica americana, adquirir a Embraer é adquirir o controle de parte da Defesa brasileira, ou inviabilizá-la. A defesa não tem condição de sustentar sem a aviação comercial.
E com a aviação executiva, que dizem que também vai ficar com essa Embraer?
Muito menos com a aviação executiva, a aviação executiva é pior ainda, porque 80% da aviação executiva hoje está nos Estados Unidos, uma coisa que a imprensa brasileira não divulga. A aviação executiva hoje não é feita no Brasil, os aviões executivos da Embraer são todos montado nos Estados Unidos, no estado da Flórida, não são mais aqui. Então a aviação executiva e a Defesa que eles tão dizendo que vai ficar na Embraer, metade disso já está nos Estado Unidos. Então na nossa visão, a Embraer que vai sobrar vai acabar, isso vai ter prazo de validade, não vai se sustentar, porque a receita dela é muito baixa. Se 65% da receita da Embraer vem da aviação comercial e 80% disso vai estar na mão da Boeing, bom, o que vai sobrar não sustenta a empresa.
Tem havido uma onda de demissões na Embraer recentemente, porque o sindicato considera que isto está relacionado com a venda para a Boeing?
Para nós tem a ver com a venda porque não existe nenhum motivo concreto para as demissões, a Embraer não baixou a produção dela, a Embraer não está em crise, até a multa de corrupção quem pagou foi os trabalhadores, com um PDV [Plano de Demissão Voluntária] que teve. Pedimos uma reunião com a direção da Embraer e não fomos recebidos. Então a única coisa que justifica as demissões é esse acordo com a Boeing. Temos escutado pelos corredores da empresa que a Boeing considera que a Embraer está com um excedente de funcionários. A gente presume que essas demissões que estão ocorrendo sejam por conta disso. A declaração do presidente da Embraer é mentirosa, ele está dizendo que a venda para a Boeing é para preservar empregos. Esta é a retórica de sempre, desculpa para inglês ver.