
De acordo com pesquisa da Ação Cidadania, 32% dos trabalhadores sofrem de insegurança alimentar
Fome, jornadas exaustivas, acidentes constantes, precariedade: essa é a realidade de milhares de entregadores por aplicativos no país, revelada pela pesquisa da ONG Ação da Cidadania, que entrevistou 1,7 mil trabalhadores do Rio de Janeiro e de São Paulo.
A coleta de dados para a pesquisa “Entregas da Fome: Insegurança Alimentar Domiciliar em trabalhadores de aplicativos de entrega de comida nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro” foi conduzida pelo Instituto Vox Populi. O estudo é uma iniciativa da Ação da Cidadania em parceria com o Djanira Instituto de Ensino e Pesquisa e o Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ.
RENDA E FOME
De acordo com a pesquisa, considerando a renda mensal per capita como entregador, 69,3% recebem até um salário mínimo (sendo 27,9% abaixo de meio salário e 41,4% entre meio e um salário mínimo); 21,2% recebem entre um e dois salários, e 9,5% acima de dois salários mínimos.
O levantamento apontou ainda que 32% desses trabalhadores vivem algum grau de insegurança alimentar: 18,5% das famílias dos trabalhadores sofriam de insegurança alimentar leve; outros 5,5% eram casos de insegurança moderada, e em 8% casos graves de acesso à alimentação.
Conforme o estudo, a condição desses trabalhadores é pior do que a média nacional entre a população ocupada. Quando se considera apenas os casos moderados e graves – em que há efetiva restrição alimentar –, a situação é ainda mais crítica, mostra o estudo.
“Isso significa que essas pessoas já vivem com restrição alimentar efetiva. Ou seja, ou não comem uma refeição completa, ou não têm acesso a proteína, ou precisam pular refeições para garantir que os filhos se alimentem. São dados alarmantes e acima da média nacional para trabalhadores em qualquer setor”, explica Rodrigo Afonso, diretor executivo da Ação da Cidadania.
JORNADA E ACIDENTES
Os dados expõem ainda que 60% dos entregadores entrevistados trabalham todos os dias da semana, por cerca de dez horas por dia, sem qualquer tipo de vínculo empregatício ou proteção social; que 41% já sofreram algum tipo de acidente durante as entregas e que 16% precisaram se afastar em consequência do acidente.
A pesquisa revela ainda que 90% dos entregadores não têm plano de saúde ou seguro de vida, cerca de 70% não possuem seguro para seus veículos e que 72% sequer contribuem para a Previdência.
GREVE
A divulgação da pesquisa se deu no momento em que a categoria realizou, na semana passada, uma greve nacional de dois dias por aumento na taxa mínima de entrega para R$ 10; aumento do valor pago por quilômetro rodado de R$ 1,50 para R$ 2,50; limitação das rotas de bicicleta, e pagamento integral por entrega, sem cortes quando há múltiplos pedidos no mesmo trajeto.
“Eu acho que a pesquisa traz uma vontade de desmistificar e mostrar para a sociedade a real condição a qual esses trabalhadores estão sujeitos, o que isso dá de consequência na vida dessas pessoas e pautar também esse debate baseado em dados, para que a gente possa pensar numa regulação que realmente beneficie esses trabalhadores”, disse Rodrigo Afonso.
Para Afonso, “o trabalhador aceita essas condições pelo retorno financeiro imediato e por acreditar que pode controlar sua jornada. Mas, na realidade, ele paga pelo próprio trabalho e, muitas vezes, nem consegue se alimentar direito. É uma falsa sensação de liberdade que mantém essas pessoas presas a um ciclo de pobreza”, diz.
“A grande maioria trabalha muito e acaba virando, realmente, um trabalho que é o único dele, que toma a semana inteira e que também tira a possibilidade de futuro desse trabalhador. No fim do dia, esse trabalhador não paga imposto, então ele não tem previdência, não tem aposentadoria garantida para o futuro, não tem plano de saúde. E o que acontece com isso? O Estado acaba arcando com esses gastos por esse trabalhador, enquanto a empresa está lucrando milhões de reais nesse modelo”, disse o diretor da ONG.
Segundo a pesquisa, os entregadores que trabalham por aplicativo são, em sua maioria, jovens, pertencentes a camadas sociais mais vulneráveis, “e veem nessa atividade uma alternativa para obtenção de renda diante das dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho”.
“O que falta não é dinheiro para essas empresas, é prioridade. Elas lucram cada vez mais e seguem sem nenhuma obrigação de garantir condições dignas para os trabalhadores. Enquanto isso, o Estado, que deveria estar regulando, acaba financiando indiretamente o lucro dessas plataformas ao assumir os custos sociais dessa precarização”, alerta Afonso.
O estudo será encaminhado a setores do Governo Federal, à Câmara dos Deputados e ao Senado. “A gente não está aqui criminalizando o setor privado. O que queremos é um modelo mais justo, que garanta direitos mínimos para quem faz esse trabalho essencial. O Brasil precisa enxergar que esse tipo de trabalho sem nenhuma segurança não é sustentável a longo prazo”, conclui Afonso.