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Entrevista com o presidente Javier Milei, montada para tentar exonerá-lo de qualquer culpa após o escândalo da criptomoeda $LIBRA que ele inflara através de sua conta pessoal no X, puxando o tapete de milhares de pessoas que perderam milhões de dólares, acabou por expor ainda mais a vigarice do fascista, ao vir a público que esta, além de combinada, fora editada para excluir alerta sobre “consequências judiciais” feito por um assessor, o que acabou inadvertidamente vazando nas redes sociais
A entrevista foi exibida na noite de segunda-feira por um canal, Todo Notícia (TN), ligado ao principal grupo de mídia argentino, o Clarín. Mas uma postagem sem cortes que rapidamente viralizou tornou o remendo pior que o soneto, quando a situação já era bastante ruim, com a oposição clamando por impeachment, 1,6 milhão de menções negativas na internet e advogados dos lesados processando o trambiqueiro-mor.
Na sexta-feira, Milei havia chamado, durante horas, via sua conta pessoal no X, a “investir” em uma pirâmide de criptomoedas, o que fez o preço disparar de poucos centavos para US$ 4.978, envolvendo 4,6 bilhões de dólares, até que os espertalhões que comandavam o show puxaram o tapete – é exatamente como eles chamam tal trapaça, “rug pull”, derrubando de supetão a cotação e raspando o tacho, enquanto dezenas de milhares perdiam suas economias.
O recheio da entrevista era o Milei argumentando que foi tudo normal, que quem entra em cassino sabe que pode ganhar ou perder e que o autonomeado “libertário” estava tão somente preocupado em “ajudar as pequenas e médias empresas argentinas”.
Observe-se que, além da pendência para a escroqueria, na mesma jogada Milei macaqueou seu ídolo Trump, que promovera uma memecoin igualmente fajuta, mas sem dar vexame, pelo menos até aqui.
Segundo o entrevistador, teria sido uma “primeira hora” de “250 perguntas fortes” – como ele se referiu às suas levantadas de bola para Milei chutar.
Milei ficou tão à vontade que, em certo momento, um assessor precisou interromper, alertando para as “consequências judiciais” do que havia sido exposto, censura prontamente aceita pelo jornalista, e o indiscreto fragmento foi cortado do programa exibido.
Ou seja, o entrevistador acobertou Milei. Pego no flagra, agora Jonathan Viale alega que “não reagiu como deveria”, embora insistindo em que “errar é humano” e que jamais aceitou grana para beneficiar um entrevistado. “Acho que eu errei. Foi um grande tapa na cara, como Milei disse ontem”.
No vídeo bruto publicado nas redes do TN, Milei destacou que seria o ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, o responsável pela parte judicial após o escândalo com a criptomoeda $Libra. Foi aí que ocorreu a interrupção e o alerta sobre a possível “confusão jurídica”.
Depois dessa interrupção, Viale se dirigiu a Milei indagando “onde eu continuo?”. “Pergunte-me novamente sobre LIBRA”, respondeu o presidente, de volta ao roteiro prévio.
Antes disso, o clima estava tão descontraído que tanto entrevistado quanto o entrevistador brincavam que as perguntas haviam sido roteirizadas por autoridades do governo.
Como denunciou a ex-presidente Cristina Kirchner, a “isca” foi exatamente Milei. “A partir da sua conta oficial X, você promoveu uma criptomoeda privada, criada por sabe-se lá quem. Você inflou seu valor tirando vantagem de sua posição presidencial. Milhares confiaram em você, compraram preços altos e em questão de horas perderam milhões, enquanto alguns (aposto que eram todos libertários) fizeram fortunas com informações privilegiadas. Milei… VOCÊ MESMO OPEROU COMO ISCA PARA UM GOLPE DIGITAL!”, disse Cristina. “Olha onde você nos trouxe com sua loucura! Vocês transformaram essa que é a sua liberdade de mercado…a do cassino. Sua máscara caiu.”
Segundo a imprensa argentina, o grupo de Milei teria cobrado propina de US$ 5 milhões no “criptogate”, como o caso da pirâmide de criptomoedas inflada desde a Casa Rosada vem sendo chamado. Um levantamento do instituto Synopsis mostra que as menções negativas a Milei nas redes sociais saltaram de 48,8% para 81,1% no domingo, dia em que o escândalo da $Libra se confirmou e virou notícia.
A Casa Rosada não conseguiu esconder as relações de Milei com as arapucas envolvidas no golpe, a KIP Network e a Kelsier Ventures, e nas redes sociais estão as fotos dele com, respectivamente, Julian Peh, e Hayden Mark Davis, em meses recentes.
Um escritório de advocacia argentino se dirigiu ao Departamento de Justiça dos EUA e ao FBI, denunciando o golpe; tanto Davis como Peh são cidadãos estadunidenses.
Em meio à crise, Milei reiterou que irá a Washington na quinta-feira (20), onde deve se encontrar com a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, e também com o primeiro-presidente Elon Musk. Juntando o útil ao agradável, além da prostração diante do FMI, no sábado o trambiqueiro que dá vivas à “libertad, carajo” irá discursar no convescote fascista pomposamente apelidado de Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) – na expectativa de ser notado por Trump.
Veja o vídeo com a entrevista forjada e interrompida pelo assessor de Milei: