Um escândalo para Primeiro Mundo nenhum botar defeito. Um especulador bilionário de fundos hedge, Jeffrey Epstein, cujo círculo de amizades inclui o presidente Donald Trump, o ex-presidente Bill Clinton, o ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair e o príncipe britânico Andrews, foi preso na semana passada, acusado de abusar sexualmente de dezenas de garotas de 13 a 16 anos, podendo pegar até 45 anos.
O pedófilo escapara, em 2007, devido a um acordo secreto arranjado pelo então principal procurador federal de Miami, o agora secretário do Trabalho de Trump, Alex Acosta.
Por esse acordo, Epstein iria responder apenas por uma acusação de prostituição – e cumpriria uma pena de 13 meses, podendo sair todos os dias pela manhã e voltar à noite para a prisão.
O caso voltou à tona com uma reportagem de Julie Brown, em novembro do ano passado, sob o título “Perversão da Justiça”, no Miami Herald. A jornalista entrevistou as vítimas dos abusos do bilionário em sua mansão em Palm Beach, entre 1999 e 2006. Ocorreram abusos, também, em outra mansão, também dele, em Manhattan, e em uma ilha de sua propriedade, no Caribe.
Uma das vítimas, Courtney Wild, agora com 31 anos, disse que assim que o acordo foi assinado com os procuradores de Miami, “eles silenciaram minha voz e a voz de todas as outras vítimas de Jeffrey Epstein“.
Wild tinha 14 anos quando conheceu Epstein.
A partir da repercussão dessas reportagens, um juiz de Miami, em fevereiro, decidiu que o ‘acordo’ secreto era ilegal, pois violava os direitos das vítimas, inclusive tirava delas o direito de recorrer à Justiça.
Entretanto, essa decisão foi barrada, em julho, pelo Departamento de Justiça dos EUA, que, sob Trump, declarou que o acordo não podia ser rompido.
Promotores de Nova Iorque resolveram, então, investigar os casos de abuso de menores de Epstein na cidade. Na busca efetuada na mansão dele em Manhattan pela polícia, foi encontrado um cofre com centenas de fotos sensuais ou nuas de menores.
Na última segunda-feira (8/07), a Procuradoria Federal em Manhattan declarou que, diante das provas apreendidas, não tinha obrigação de respeitar o acordo de Miami – e denunciou Epstein por forçar dezenas de meninas a praticar atos libidinosos.
Epstein, que foi preso, será levado a uma audiência em um tribunal nova-iorquino no próximo dia 15.
Agora que a intimidade com Epstein se tornou tóxica, figurões começaram a asseverar que jamais tiveram proximidade com ele, mas suas declarações, de antes, desmentem suas declarações de agora.
‘CARA FANTÁSTICO ESSE JEFF’
“Eu conheço Jeff [assim, no diminutivo] há 15 anos. Cara fantástico … um bocado divertido. Diz-se que ele gosta de belas mulheres tanto quanto eu, e muitas delas são do lado mais jovem. Nenhuma dúvida disso – Jeffrey curte sua vida social”, disse Trump a um jornalista da revista New Yorker, em 2002.
Também está difícil, embora tente, Bill Clinton apagar sua exaltação, no mesmo ano, época em que frequentou o jatinho do assediador:
“Jeffrey é tanto um financista altamente bem sucedido e um filantropo comprometido com um senso agudo dos mercados globais e um conhecimento profundo da ciência do século XXI… eu aprecio especialmente seus insights e generosidade durante a recente viagem à África para trabalhar pela democratização, empoderamento dos pobres, serviço dos cidadãos e combate ao HIV/AIDS”, disse Clinton.
A caravana aérea de empoderamento incluía o ator Kevin Spacey e era parte da ascensão da Fundação Clinton às primeiras páginas do noticiário.
OPERAÇÃO ABAFA
O acordo é bem típico da mixórdia em que se tornou o sistema judicial norte-americano. Apesar do FBI ter preparado 53 páginas com crimes sexuais de Epstein, que poderiam tê-lo mandado para a prisão pelo resto da vida, o promotor Acosta bancou um acordo que permitiu que ele cumprisse apenas 13 meses – e saísse da prisão todos os dias, supostamente “para trabalhar”.
Documentos obtidos por uma corte de apelação de Nova Iorque mostraram as combinações do promotor Acosta com promotores estaduais e com os advogados de Epstein para abafar o caso – um deles, o advogado de Trump, Alan Dershowitz (um sionista de ultradireita, denunciado por Norman Finkelstein como um dos principais aproveitadores daquilo que o professor norte-americano chamou de “Indústria do Holocausto”: o enriquecimento com percentuais das reparações aos judeus sobreviventes dos campos de concentração e doações correlatas).
Uma das mais indecentes combinações foi deslocar o caso para a corte de Miami, de modo que as vítimas, que estavam localizadas em Palm Beach, ficassem no escuro – e o acordo, em segredo.
CO-PEDÓFILOS
Possivelmente os detalhes mais importantes do acordo secreto – chamado de “acordo de não-acusação”, que concede imunidade “a quaisquer possíveis co-conspiradores”, aqueles amigos todos que agora garantem que mal o conheciam – são aqueles que impedem as vítimas e o público de acessarem os documentos do caso. Quatro cúmplices não identificados receberam formalmente imunidade.
Não se sabe, até agora, quem são os “possíveis co-conspiradores” – ou co-pedófilos – aos quais foi concedida imunidade sob sigilo.
Além de evitar uma temporada longa no cárcere, e sair durante seis dias na semana, o acordo tinha outras vantagens: ao invés de cumprir a pena em prisões federais ou estaduais, Epstein ficou em uma ala privada de uma cadeia do condado de Palm Beach.
Era um caso único, pois em Miami existe uma proibição, instituída pelo Departamento de Polícia, de qualquer liberação de trabalho para criminosos.
“DISCRIÇÃO DA PROMOTORIA”
Conforme a sentença do juiz Kenneth Marra, os promotores federais, em violação da Lei de Direitos das Vítimas de Crimes, não informaram às mais de 30 acusadoras de Epstein – a maioria, menores na época da ofensa – sobre os termos do acordo.
Segundo o Miami Herald, a promotora federal Marie Villafana afirmou, em documento, que ela e a equipe exerceram sua “discrição da promotoria” ao escolherem não contar às vítimas sobre o acordo e que tentaram “seus melhores esforços” para cumprir a Lei dos Direitos das Vítimas de Crimes.
O agora secretário do Trabalho Acosta, então promotor do caso, havia trabalhado em um escritório de advocacia com um dos advogados de Epstein, o que facilitou as tratativas.
Em junho, o Departamento de Justiça de Trump conseguiu barrar o esforço do juiz para invalidar o acordo espúrio e processar o predador sexual de menores bilionário, sob a alegação de “não haver base legal” para invalidar o acordo de “não-acusação”.
“PRESAS VULNERÁVEIS”
Em junho, decisão de uma corte de apelações de Nova Iorque trouxe à luz dois mil documentos sobre a rede Epstein que estavam acobertados pelo sigilo, jogando mais lenha na fogueira.
De acordo com o procurador de Nova Iorque Geoffrey Berman, Epstein atraiu dezenas de meninas e as coagiu a praticar atos sexuais.
A professora e ativista Hannah Dickinson, em entrevista ao programa Loud and Clear da Radio Sputnik-EUA, revelou que Epstein escolhia como presas “meninas de baixa renda”, incluindo “meninas que estavam desabrigadas, em lares adotivos ou não, que não tinham um sistema de apoio estável de pessoas para vir em seu auxílio”.
Dickinson denunciou que “essas vítimas agora cresceram. Muitas delas são mães, enfermeiras, professoras, mas outras foram encarceradas; uma jovem foi recentemente encontrada morta – com overdose de heroína. Assim, o tipo de trauma da exploração sexual que essas meninas experimentaram e, em seguida, o trauma adicional de todo o erro da justiça tem consequências reais para pessoas reais de que, até agora, Epstein basicamente conseguiu se safar”.
“ALGUMAS DE APENAS 14 ANOS”
Conforme a acusação apresentada pelo promotor Brenan, as meninas menores de idade foram “inicialmente recrutadas para fornecer massagens a Epstein”, que se tornaram “cada vez mais sexuais e normalmente incluíam um ou mais atos sexuais”.
O promotor federal denunciou ainda que às meninas, algumas com apenas 14 anos de idade, que já estavam dentro do círculo sexual de Epstein, era oferecido pagamento para recrutar outras garotas menores de idade para serem abusadas por Epstein e seus associados.
Sistema que, de acordo com o caso aberto, permitiu ao bilionário pedófilo garantir uma “rede cada vez maior de novas vítimas”. Uma “pirâmide sexual”, como apontou.
Outra acusadora, em depoimento em 2015, descreveu ter sido traficada por Epstein “para fins sexuais para muitos outros homens poderosos, incluindo políticos e executivos de negócios poderosos”. “Epstein exigiu que eu descrevesse os eventos sexuais que tive com esses homens, presumivelmente para que ele pudesse chantageá-los”, acrescentou.
ACOSTA ACUADO
No Congresso, parlamentares estão exigindo a imediata renúncia de Acosta do cargo de Secretário do Trabalho. Acosta segue resistindo.
O ex-promotor estadual Bradley Edwards, que representou 13 mulheres que acusaram Epstein de crimes sexuais, revelou que mais vítimas se apresentaram desde segunda-feira e que ele estima que há “bem mais de 50”.
“A conspiração entre o governo e Epstein foi realmente ‘vamos descobrir uma maneira de fazer a coisa toda desaparecer o mais silenciosamente possível'”, denunciou Edwards ao Herald. “Ao nunca consultar as vítimas, e manter isso em segredo, mostrou que alguém com dinheiro pode comprar o seu caminho para fora de qualquer coisa.”
De acordo com o Business Insider, Epstein também esteve envolvido no caso do colapso do Bear Stearn no crash de 2008 e foi considerado testemunha chave no processo criminal contra dois proeminentes executivos que administravam um fundo de hedge de que o bilionário era um dos maiores investidores. Os dois executivos foram depois absolvidos, conforme a ‘jurisprudência Holder’ do governo Obama de “nenhum banqueiro ladrão na cadeia”.
ANTONIO PIMENTA