A jornalista norte-americana Cassandra Fairbanks registrou que a sua visita a Assange “tinha, de fato, se tornado estranhamente semelhante às visitas que fizera a detentos em penitenciárias federais nos EUA”
Apenas algumas semanas após o relato do cineasta e jornalista John Pilger ‘O Homem que Não se Dobra ao Grande Irmão’ – sobre as condições draconianas impostas a Julian Assange dentro da embaixada do Equador em Londres onde supostamente é asilado político – Cassandra Fairbanks, jornalista do site Gateway Pundit, acaba de testemunhar uma altercação entre o atual embaixador, Jaime Alberto Marchán, e Assange, quando este resiste às arbitrariedades.
Com uma visita agendada de uma hora, ela apenas pôde dar um abraço em Assange e trocar algumas palavras, no saguão, por menos de oito minutos.
“Isto é uma prisão? É assim que você trata um prisioneiro, não um refugiado político!”, exaltou-se Assange, ao ser informado de que teria que se submeter a um exame de corpo inteiro com detetor de metal, para poder se reunir com Cassandra.
“DO QUE VOCÊ TEM MEDO?”
“Do que você tem medo em relação a eu me encontrar com um jornalista? Do que a embaixada tem medo?”, questionou Assange, o editor que o governo Trump quer extraditado e julgado por ‘espionagem’ por fundar o WikiLeaks, que vazou centenas de milhares de arquivos sobre os crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, inclusive o massacre de 16 civis desarmados por um helicóptero dos EUA em Bagdá (vídeo ‘Assassinato Colateral’).
Como já vazou, Trump está acelerando o processo secreto de extradição contra Assange, iniciado no governo Obama, em busca de exibi-lo como troféu antes da eleição de 2020.
Cassandra, que já visitou três vezes Assange desde o ano passado, pôde registrar essa situação, por ter sido trancada à chave dentro de uma sala próxima, enquanto aguardava uma definição sobre a visita, marcada para iniciar às 16h e se encerrar impreterivelmente às 17 h. Como todos os visitantes, foi submetida a revista e para evitar as regras de vigilância obsessivas em vigor, optou por sequer levar celular, apenas caneta e caderno.
EMBAIXADOR CARCEREIRO
“Você está agindo como um agente do governo dos Estados Unidos e me impedindo de falar com um jornalista americano sobre essas violações”, exigiu Assange. “Que tipo de estado soberano permite que seus embaixadores sejam interrogados por outra nação? Nenhum Estado que se auto-respeite faz isso!”.
Afirmação que se refere à rastejante permissão dada em janeiro pelo governo Moreno aos EUA para interrogar pessoas com imunidade diplomática.
“Você tem trabalhado com o governo dos EUA contra mim, é vergonhoso! Você é um agente do governo dos EUA e haverá consequências para seus atos ilegais”, continua Assange.
Em algum momento, Marchán se atreve a alegar que a vigilância sobre Assange “é para nossa proteção e para protegê-lo”.
“CALA A BOCA”
“Estou tentando ter uma conversa particular com um jornalista. Eu também sou jornalista – e você está me impedindo de fazer o meu trabalho. Como posso transmitir a esse jornalista com segurança meus maus-tratos e a ilegalidade que está ocorrendo aqui, sob vigilância?”, reiterou a Marchán o fundador do WikiLeaks.
Em certo momento, o embaixador diz a Assange: “eu quero que você cale a boca”.
“Eu sei que você quer que eu cale a boca – o presidente equatoriano já me amordaçou”, retrucou Assange. “Estou proibido de produzir jornalismo.”
INDIGNIDADE
Ao se recusar a ser submetido a varredura de corpo inteiro, Assange denunciou que isso era “indigno e impróprio”. Como Cassandra assinalou, “eles não haviam feito isso com nenhum visitante nos quase sete anos em que Assange vive lá, inclusive nas minhas visitas anteriores”.
A jornalista registrou que a visita a Assange “tinha, de fato, se tornado estranhamente semelhante às visitas que fiz a detentos em penitenciárias federais nos EUA”. “Parecia que o nosso governo estava conseguindo o que queria do Equador, como dissera um ex-funcionário do Departamento de Estado ao Buzzfeed em janeiro: ‘até onde sabemos, ele [Assange] está preso’”.
Assange fez ainda a observação de que o embaixador colocou sua própria privacidade em risco com seus esforços para ajudar a espioná-lo. (Durante anos, havia uma máquina de ruído branco na sala de conferências, para proteger o embaixador e outros funcionários durante conversas confidenciais, agora removida). “O próprio equipamento da embaixada que foi usado para protegê-lo foi removido para ajudá-lo [o governo dos EUA] a espionar-me”, denunciou Assange.
Assim que um agente da embaixada, que entrou na sala em que estava trancada, percebeu que ela estava tomando notas, ele ligou um televisor alto o bastante para não poder se ouvir mais nada. Até mesmo um advogado de Assange foi submetido a inspeção por detetor de metal, relatou Cassandra.
Ela foi informada pelo advogado que as autoridades equatorianas estavam exigindo que Assange fosse revistado. “Concordar com esses termos draconianos estabeleceria um mau precedente – então ele não tinha certeza se a visita iria em frente”.
Quando tentou se atualizar com o pessoal da embaixada, foi que Cassandra percebeu que as duas portas da sala tinham sido trancadas por fora. “Foi quando percebi que as autoridades equatorianas haviam deliberadamente me aprisionada na sala”.
UM ANO DE MORDAÇA
Nesta quinta-feira (28) completa-se um ano de que Assange foi amordaçado pelo atual regime equatoriano e praticamente isolado do mundo. Tratamento que o ex-presidente, Rafael Correa, que teve a corajosa atitude de conceder o asilo, classificou de “tortura”.
Nesta sexta-feira e sábado, estão convocadas vigílias diante da embaixada em Londres.
Em julho do ano passado em entrevista ao El País, o presidente Moreno disse que sua “solução” ideal seria que Assange pudesse “curtir” ser “extraditado”, se o Reino Unido prometer que os EUA não aplicarão pena de morte.
A prisão arbitrária de Chelsea Manning, por se recusar a depor contra Assange perante o júri secreto de Trump, é um indício de que Washington está jogando pela extradição o quanto antes. A própria divulgação da existência do júri secreto, por vazamento dito acidental, pode ser outro. O ex-diretor da CIA e atual Secretário de Estado, Mike Pompeo, já chamou o WikiLeaks de ‘serviço não-estatal hostil de espionagem’.
Segundo fontes do regime Trump, as alegações contra Assange incluem “conspiração”, “espionagem” e “roubo de propriedade governamental”, incluindo o Cablegate, os War Logs (Iraque e Afeganistão) e o CIA Vault 7 – além da ajuda a Snowden a escapar da perseguição de Washington e conseguir asilo.
Entre as entidades que estão denunciando ameaças a Assange e repudiando o júri secreto e a extradição, estão a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Associação Americana para as Liberdades Civis (ACLU).
VOO DE RENDIÇÃO
Ressaltando o perigo que Assange enfrenta, o WikiLeaks denunciou na semana passada que um avião do Departamento de Justiça usado em vôos de rendição – e anteriormente usado para levar aos EUA “o suposto hacker russo Yevgeniy Nikulin” em 2018 – tinha voado para Londres, apenas para retornar no sábado. Em paralelo, verificou-se um aumento inexplicável na presença de policiais à paisana em torno da embaixada equatoriana em Londres.
No início da semana, o WikiLeaks anunciou o início de uma investigação da corrupção envolvendo o presidente Moreno e publicou conteúdos vazados do iPhone do próprio Moreno. São mensagens de WhatsApp, Telegram e GMail que apontam lavagem de dinheiro por intermédio de empresas fantasmas. O mesmo material atesta que Moreno teria tentado “vender” Assange para os EUA em troca de redução na dívida do Equador.
ANTONIO PIMENTA