“Quem governou o país junto a Moreno quer se aferrar ao poder, por isso tentaram, por vias antidemocráticas, desqualificar nossa candidatura, agora, com mentiras, querem pressionar o sistema judiciário para um novo episódio de perseguição. Toda essa trapaça tem uma só intenção: impedir que quem lidera a preferência eleitoral participe do segundo turno”, denunciou o opositor Andrés Arauz, candidato do partido UNES (União Pela Esperança).
Arauz – que coloca a geração do emprego e o fortalecimento do poder aquisitivo como centrais para a recuperação do mercado interno como fatores centrais para o desenvolvimento, da mesma forma que se compromete em ser um ponto de articulação e mobilização para a defesa da soberania na região – sofreu uma estúpida agressão logo que a contagem de votos o indicou como o mais votado no primeiro turno.
O procurador da Colômbia, Francisco Barbosa, chegou a Quito com uma “informação” fresquinha a pedido da procuradora equatoriana, Diana Salazar: a “revelação” é de um suposto financiamento do Exército de Libertação Nacional (ELN) colombiano à campanha de Andrés Arauz. Nenhuma palavra sobre as mais do que conhecidas relações de Iván Duque e Álvaro Uribe, presidente e ex-presidente do país vizinho, marionetes dos interesses norte-americanos na região e relações escusas, para se dizer o mínimo, com o narcotráfico.
A isso se soma a crise na qual o Conselho Nacional Eleitoral do Equador (CNE) está mergulhado desde a semana passada, quando participou de um esquema espúrio que chamou de “acordo de diálogo”, envolvendo o CNE, o segundo colocado, o banqueiro Guillermo Lasso, o terceiro colocado, o indigenista Yaku Pérez e a OEA.
Pelo acordo, 100% dos votos da maior província, a de Guaias, onde está situada a maior cidade equatoriana, Guayaquil, seriam recontados (exatamente o colégio eleitoral que deu a Andrés Arauz a maior vantagem entre todas as votações no país. Aí Arauz teve mais de 40% dos votos) em outras 16 das 24 províncias seriam recontados 50% dos votos.
Acontece que do estranho entendimento não participou o primeiro colocado, Arauz, nem qualquer um dos demais candidatos, a não ser Pérez e Lasso. Um acerto sem qualquer base legal, com a presença da Organização dos Estados Americanos (OEA), de envolvimento recente na ação golpista na Bolívia. Um acordo que, na prática, joga contra a candidatura de Arauz.
Jovem economista de União pela Esperança (UNES), ministro do ex-presidente Rafael Correa, Arauz obteve 32,7% das preferências das urnas no dia 7 de fevereiro, contra 19,74% do banqueiro Guillermo Lasso e 19,38% do indigenista Yaku Pérez. Por esse resultado deve haver segundo turno entre Arauz e Lasso uma vez que o primeiro não obteve os 40% dos votos – com 10% de diferença – nem fez mais de 50%.
Completamente isolado, rechaçado pelo projeto neoliberal de arrocho, privatização e precarização de direitos, o presidente Moreno – eleito na carona para logo depois trair Rafael Correa e sua “Revolução Cidadã” – sequer conseguiu se apresentar à reeleição. Agora só aguarda a definição do CNE para saber a quem apoiará contra Arauz.
Pelo pacto firmado seriam apuradas 100% das urnas da província de Guayas – que concentra 30% da população, cuja capital é Guayaquil – e 50% de outras 16 das 24 províncias equatorianas. Não foram ditas quais nem o porquê.
MUDANÇA DE POSIÇÃO
Acontece que horas depois do acordo de recontagem Lasso mudou de posição. Diante desse novo posicionamento do banqueiro – que antes dissera apoiar a recontagem “em homenagem ao pedido do candidato indígena” -, Yakú Perez passa a questionar todo o pleito.
Indaga com que autoridade moral Lasso “aspira ser presidente se faz fraude”. “Primeiro diz que abram as urnas porque quem ‘nada deve, nada teme’ e agora que não abram as urnas”, reagiu o indigenista.
Agora o banqueiro Lasso, candidato do movimento Criando Oportunidades (Creo) e do Partido Social Cristão), insiste que a recontagem seria “ineficaz e uma perda de tempo”.
Logo após o “acordo do diálogo” o desacreditado Moreno anunciou que liberaria os recursos para que o CNE fizesse a recontagem. Por outro lado, o conselheiro José Cabrera alertou que representava um desperdício de recursos públicos para uma medida desnecessária. Além disso, esclareceu, o pessoal contratado e os fornecedores não haviam recebido desde dezembro.
O fato é que o artigo 138 do Código da Democracia do Equador estabelece tão somente três causas para uma nova apuração: quando haja inconsistências numéricas; faltem as assinaturas do presidente ou do secretário da Junta Receptora do Voto; e quando haja uma ata de escrutínio que não coincida com a ata computada no sistema de informática. Não foram apontadas quaisquer destas causas.
“ACORDO À MARGEM DA LEI”
Diante desta “falta de decisão” em meio a questões tão cristalinas, o constitucionalista Ismael Quintana culpou o Conselho Eleitoral de provocar uma crise política. “O que está ocorrendo aqui é um acordo à margem da lei. Uma pergunta sem sentido. Um candidato que segundo dados oficiais está em terceiro lugar, que ficou de fora do escrutínio, e que está pedindo a recontagem de votos à margem da lei. Isso parece um chute de um candidato que perdeu e que quer entrar na disputa pela janela, sob chantagem”, condenou.
Isso, alertou o constitucionalista, se deu por falta da liderança de um organismo que lhe caberia posicionar-se firme, tomar decisões e proclamar os resultados, “porque se seguirmos assim não chegaremos nunca ao segundo turno”. “Os votos não se negociam, os votos se recontam quando há causa provada. Essa devia ser a posição de Lasso e da CNE. Essa reunião não deveria ter ocorrido”, sublinhou.
O fato é que o cenário político passou de um pacto contra Andrés Arauz como inclusive haviam selado os dois candidatos, para uma diferença entre eles. Foi o que deliberaram setores da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) ao condenarem explicitamente o “acordo com a direita”, uma vez que “seria ilegítimo e sem consulta às bases”.
Conforme denunciou um dos integrantes do Conselho Nacional Eleitoral, José Cabrera, que votou contra a recontagem há uma inversão que provoca uma grave crise política. “Faltam 0,7% dos votos a serem apurados. A suspensão da contagem gera um impasse que impede que o CNE declare o resultado final e se abra o processo de campanha eleitoral para o segundo turno. Era isso que deveria estar acontecendo, a recontagem deveria ser solicitada por qualquer das partes que se sinta prejudicada e examinada depois do anúncio oficial do resultado”, contesta Cabrera.
A não aprovação do relatório que recomendava a recontagem evidenciou, portanto, as divergências entre os membros do CNE. Diana Atamaint, presidente do órgão, ligada ao partido de Pérez, e a conselheira Esthela Acero votaram a favor da aprovação do documento; o relator, José Cabrera, foi contra; o vice-presidente, Enrique Pita, se absteve; e o quarto conselheiro, Luis Verdesoto, deixou a reunião sem se pronunciar. Atamaint acabou declarando que não houve quórum que respaldasse a proposta de recontagem e o impasse prossegue.