“Mais de 50 mil manifestantes indígenas, camponeses, estudantes, trabalhadores do campo e da cidade, decidimos: fora com as políticas econômicas de morte e miséria geradas pelo FMI, assim como com as políticas extrativistas que afetam os nossos territórios” afirma a declaração da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie).
A declaração que a Conaie chamou de ‘Boletim a nossas bases e ao povo equatoriano’ foi divulgada após a jornada de manifestações e de greve geral nacional do dia 9.
Nela a organização dos indígenas do Equador acrescenta: “Temos vivido dias de muita agitação, temos nos surpreendido com a nossa própria capacidade de luta e resistência. Nossa palavra está colocada: isto não vai parar até que o FMI saia do Equador”.
Com a greve e manifestações convocada pela Conaie e apoiada pelos mais diversos setores da sociedade equatoriana, relacionados no seu “Boletim”, o presidente Moreno, que já havia decretado o “estado de exceção”, suspendendo liberdades de reunião e de expressão, assim como a inviolabilidade de residência e de correspondência, sem conseguir deter a insurreição popular que subleva o país sem interrupção, desde o dia 2 de outubro, quando foi baixado o “pacotaço”, com medidas impostas pelo FMI, incluindo o estopim para o levante, o corte dos subsídios aos combustíveis que barateia o produto essencial a 45 anos, o governo baixou, no dia 8, um decreto determinando o toque de recolher das 20:00 do dia 8 às 9:00 da manhã do dia 9 nas vias e praças centrais da capital Quito, em especial nas cercanias do Palácio do Governo (Carondelet) e do parlamento (Asamblea Nacional), na tentativa de deter de qualquer jeito a demonstração de força popular.
CONCENTRAÇÃO
A medida não teve o resultado pretendido por Moreno. Uma parte dos indígenas já estavam, aos milhares, acampados em uma praça no centro histórico de Quito, denominada de El Arbolito.
Desde os primeiros momentos do alvorecer foram chegando ao acampamento milhares de indígenas que vieram em caravana partindo de onde ficam suas moradias espalhadas pelo país (estamos falando de um recenseamento que localiza 14 nacionalidades vivendo em 15 mil povoados onde predominam índios, mas com forte presença de mestiços). Ao final do dia foram avaliados em 20 mil manifestantes dessas comunidades, que se juntavam às dezenas de milhares de equatorianos que participaram do movimento grevista na quarta-feira.
À sua chegada, os integrantes das caravanas indígenas enfrentaram a região central já encoberta pela fumaça de gás lacrimogêneo, com as vias que a ela conduziam lotadas de policiais e soldados.
MORTOS, FERIDOS E DETIDOS
A repressão, que já usava da violência desde o início dos protestos, recrudesceu. Relatos de jornalistas presentes, em especial da rede Telesur, denunciam que manifestantes foram alcançados pelos policiais, trazidos para fora das concentrações e feridos a golpes de cassetetes. “Não discriminaram entre homens, mulheres, idosos, jovens adolescentes e crianças”, informa a jornalista Estefania Bravo.
Os acampamentos de indígenas foram atacados.
Diante da desenfreada agressão policial, os estudantes e professores abriram as portas das universidades vizinhas ao centro histórico para receber manifestantes e os atenderem com alimentos e água.
Relatos de jornalistas locais, dão conta de que até a metade do dia já havia mais de cem feridos espalhados pelos postos de saúde de Quito (as direções destes centros, alegam o estado de exceção para negarem-se a fornecer o número de pessoas atendidas a gravidade dos ferimentos).
Enquanto o governo reportou um número oficial de 714 presos, organizações de direitos humanos denunciam que só na primeira metade do dia 9 foram presas 83 pessoas, levadas a um quartel policial, no bairro de Pomasqui, na periferia da capital, e que somente depois do meio dia tiveram acesso a contato com advogados que insistiam em ver os detidos.
LÍDERES RESPONSABILIZAM GOVERNO POR MORTES
O presidente do Movimento Indígena e Camponês Cotopaxi (MICC), Leonidas Iza, responsabiliza o governo do Equador, destacando o próprio presidente Moreno e os ministros do Interior e da Defesa María Paula Romo e Oswaldo Jarrín, respectivamente, por cinco mortes que a rede de TV, Ecuavisa noticia.
De nada adiantou o ensandecido ataque da repressão. Os integrantes do movimento indígena se mantiveram firmes e fizeram com que os chefes do aparato policial ordenassem o recuo da tropa e, no meio da manhã, a multidão dos manifestantes já se espalhava pelas ruas do centro histórico e chegaram à praça Santo Domingo portando cartazes, faixas bandeiras do Equador e bandeiras multicoloridas do movimento indígena.
De lá partiram já com o caixão de um dos indígenas mortos em direção à um pátio denominado Àgora da Casa da Cultura Equatoriana, onde realizaram uma assembleia popular que teve início com um minuto de silêncio pelos manifestantes mortos. Os líderes do movimento que dirigiam a assembleia afirmaram que esperavam pelos corpos dos demais quatro mortos na repressão à manifestação.
A já citada jornalista Estefania Bravo (Telesur, presente à Assembleia Popular) informa que as vítimas que faleceram na quarta-feira foram, um dirigente da Conaie, na província de Cotopaxi, Inocencio Tucumbi e um líder comunitário de Yanahurco, José Rodrigo Chaluisa.
“Temos lágrimas de ira, mas aprendemos com nossas mães e nossos pais que honramos os mortos na luta nos multiplicando… Sua força e sua convicção na luta em defesa dos direitos dos mais empobrecidos sigam iluminando este caminho de insurreição popular ante um governo opressor”, declara a entidade dos indígenas.
Em comunicado expedido desde a Casa da Cultura, a Conaie afirma:
“Temos lágrimas de ira, mas aprendemos com nossas mães e nossos pais que honramos os mortos na luta nos multiplicando… Sua força e sua convicção na luta em defesa dos direitos dos mais empobrecidos sigam iluminando este caminho de insurreição popular ante um governo opressor.
“Por isso, companheiros e companheiras, radicalizemos as ações”.
Os indígenas se mantiveram, nesta quinta-feira, no local da assembleia do dia anterior, de onde informaram que detiveram oito policiais, entre eles uma mulher, e os obrigaram a tirar suas botas, capacetes e coletes a prova de balas, segundo informou a agência de notícias Reuters.
Do local, onde estão concentrados, exigiram que os canais de TV locais, que estavam realizando coberturas, transmitissem ao vivo a concentração em massa. Além disso, afirmaram que iriam garantir os direitos humanos dos policiais.
As lideranças presentes também declararam que pediam aos policiais detidos que se dirigem a seus superiores para que abrissem mão de qualquer outra ação agressiva contra os manifestantes e acampados.
Com a notícia das mortes, a tensão no local se elevou e alguns jornalistas acabaram sendo proibidos de sair enquanto seus veículos seguirem se omitindo em reportar o encontro.
GOVERNO TENTA ESCONDER SUA CULPA
Já o secretário da Presidência, Agusto Briones, exigiu a libertação dos policiais e jornalistas. Numa declaração cínica onde tergiversa a participação governamental na truculência policial desencadeada no dia 9, Briones afirmou que “em nome do governo, exigimos que qualquer processo de diálogo seja feito no âmbito da paz e, para isso, a libertação de policiais e jornalistas é uma condição fundamental”.
O governo, através de Moreno e Briones indicam que apresentarão aos camponeses e indígenas uma pauta de apoio à agricultura, mas que as medidas já tomadas são irreversíveis, em especial o aumento exacerbado dos combustíveis, como que desconhecendo que é pelas vias vicinais aos povoados que trafegam os carros e caminhões com a produção rural e que a elevação dos combustíveis acaba catapultando os preços dos alimentos, tornando seus produtos proibitivos para o consumo popular.
“LUTA SEGUE ATÉ A SAÍDA DO FMI DO EQUADOR”
O presidente da entidade indígena, a Conaie, que dirigiu a Assembleia Popular na Casa da Cultura, destacou: “Que tenham muito claro, que seu presidente, Jaime Vargas, jamais vai se vender, companheiros, frente a este governo assassino e criminoso. A luta continua”.
Jorge Herrera, líder da Conaie, que já ocupou a presidência da entidade declarou: “Estamos em Quito para rechaçar um modelo econômico que contraria as necessidades dos diferentes níveis que compõem esta sociedade. Este protesto não para até que saia o FMI”.
NATHANIEL BRAIA