“É muito difícil justificar que Bolsonaro não tenha participado dessa organização criminosa, que é um crime gravíssimo”, acrescentou
“Era uma ‘[orcrim] organização criminosa’, liderada sem dúvida alguma pelo presidente. Ele é o chefe das Forças Armadas e dos militares, com os quais se reunia para fazer esse ataque à democracia, que ficou por um triz”, explicou o jurista Miguel Reale Jr. em entrevista ao UOL News, nesta sexta-feira (22).
“Por isso, não são apenas atos preparatórios, mas de execução de um projeto que encontrou resistência”, prosseguiu.
“Acho muito difícil [Bolsonaro se livrar das acusações]. Está caracterizado, de forma absolutamente clara, o crime de organização criminosa. Mostra-se também que ele é o homem por trás do 8/1. Era o grupo de infantaria que daria apoio ao golpe. É muito difícil justificar que Bolsonaro não tenha participado dessa organização criminosa, que é um crime gravíssimo”.
MEDIDAS CAUTELARES CONTRA BOLSONARO
A adoção de novas medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como prisão domiciliar e uso de tornozeleira eletrônica, é cabível durante as investigações do envolvimento do ex-chefe do Executivo na trama golpista, defendeu Reale.
Para o jurista, não se justificaria pedido de prisão preventiva de Bolsonaro, neste momento, sob risco de acelerar a apresentação de denúncia – o que aumentaria as chances de comprometer todo o processo de investigação por conta de pontas soltas.
“A prisão preventiva exige algumas condições. A primeira dessas é a contemporaneidade. São fatos ocorridos há quase 2 anos. O que justificaria a prisão preventiva de Bolsonaro nesse instante?”, ponderou.
“Isso geraria um problema, que é a urgência na apresentação de uma denúncia. Uma prisão preventiva exige, em uma fase de inquérito, que haja a propositura de uma ação penal em tempo razoável. Se não, esgota-se o tempo e ela é revogada”, acrescentou.
DIFICILMENTE ESCAPA DE CONDENAÇÃO
“Eu creio que novas medidas podem ser adequadas e adotadas, como aquelas não restritivas à liberdade. Bolsonaro já está com o passaporte retido e não pode se ausentar do País”, disse.
“Seria o caso de se estabelecer, nessa hipótese, uma prisão domiciliar ou uma tornozeleira eletrônica para efetivamente se ter o monitoramento e o controle das relações que ele possa vir a ter com algum dos conspiradores. Deve-se prevenir que continue a haver conspiração”, frisou.
Reale Jr. frisou ainda que “Bolsonaro dificilmente escapará de condenação e de pena dura, ainda mais por ter conspirado contra a democracia e o Estado de Direito ocupando o cargo de presidente da República.”
“Consta dos elementos revelados pela imprensa e do inquérito [da PF (Polícia Federal)] conforme notícia, que ele teria feito anotações, reduzido e mexido no decreto. Temos que pensar algo muito grave. Não é um qualquer fazendo isso; é o presidente da República, junto com o ministro da Defesa e militares de alta patente. Isto afeta diretamente a segurança do sistema democrático.”
‘PROJETO DE ATAQUE À DEMOCRACIA’
“A lei de crimes contra o Estado de Direito visa exatamente proteger o sistema democrático de avanços”, explicou o jurista.
“Não existe maior avanço do que o próprio presidente da República, ao invés de defender a democracia e a Constituição, tenha se ligado em especial ao general Mario Fernandes e com conhecimento de um projeto de ataque à democracia muito bem organizado”.
Miguel Reale Júnior foi professor de Direito na USP e ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso.
Em 2021, protocolou um pedido de impeachment do então presidente Jair Bolsonaro. Ele apontou que Bolsonaro cometeu “crime contra a humanidade” por “submeter uma população ao sofrimento” na pandemia de covid-19. “Aí considerando o que aconteceu em Manaus e com a população indígena, é crime contra a humanidade, com base no artigo 7 do Estatuto de Roma”.
Protocolou na Câmara dos Deputados pedido de abertura de processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff.
Assinou posteriormente o pedido de impeachment de Fernando Collor feito pelo então presidente da OAB, Marcelo Lavenère.