Telegramas enviados por Araújo aos embaixadores brasileiros, obtidos pela reportagem da Folha, mostram que o chanceler se movimentou intensamente para garantir o fornecimento de cloroquina
O ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fez grandes esforços diplomáticos, não para a aquisição de vacinas, como era esperado, mas sim para a garantia de insumos necessários à fabricação de cloroquina, droga comprovadamente ineficaz contra a Covid-19.
A denúncia foi feita pelo jornal Folha de S. Paulo do último final de semana. Ao mesmo tempo em que se esforçava para adquirir cloroquina, Araújo não se empenhou da mesma forma para a aquisição das vacinas contra a Covid-19. Ernesto Araújo será um dos próximos ouvidos na CPI da Covid, no Senado.
Os telegramas enviados por Araújo aos embaixadores brasileiros, obtidos pela reportagem da Folha, mostram que o chanceler se movimentou intensamente para garantir o fornecimento de cloroquina. Em 4 de abril, um dos telegramas mostram que Jair Bolsonaro chegou a conversar pessoalmente com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, sobre o assunto da cloroquina. Bolsonaro tentou convencer o presidente da Índia que o Brasil teve resultados animadores com o uso da droga contra malária.
Além de não se empenhar na compra das vacinas e gastar um esforço diplomático enorme em prol da cloroquina, Ernesto Araújo fez o movimento inverso em relação às vacinas. Ele atacou diversas vezes a China, maior fabricante mundial e maior fornecedora de vacinas e de insumos para a sua fabricação no Brasil. Em um dos episódios de agressões à China, Araújo se aliou ao filho “03” de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, que havia insinuado que o vírus tinha sido fabricado pelos chineses, que a pandemia beneficiava os chineses e que as vacinas do país asiático não tinham eficácia comprovada.
Bolsonaro passou a defender com unhas e dentes o uso da cloroquina na Covid-19 depois de receber os fluidos inspiradores de seu guru negacionista, Donald Trump, que foi apeado do governo dos EUA exatamente por conta de suas ideias malucas adotadas durante a pandemia. O presidente americano chegou a defender até mesmo a injestão de água sanitária contra a Covid-19 mas, com a morte de alguns dos incautos que seguiram suas orientações, o guru de Bolsonaro abandonou essas ideias, inclusive a da cloroquina. Trump as abandonou, mas Bolsonaro não.
Ate hoje Bolsonaro usa suas lives e outras aparições para fazer apologia da cloroquina e outras charlatanices no tratamento da Covid-19. Especialistas afirmam que essa é a forma que ele encontrou para manter sua ideia negacionista original de deixar a população à mercê do vírus. Desde o início da pandemia Bolsonaro já defendia que a população devia ser exposta frontalmente ao coronavírus para, segundo ele, pegar logo essa “gripezinha” e adquirir naturalmente a imunização.
Esta estratégia, chamada de imunidade de rebanho, passou a ser caracterizada como uma estratégia genocida, já que vários centros de pesquisa do mundo alertaram para o fato de que ela provocaria a morte de centenas de milhares de pessoas. Mesmo assim, Bolsonaro manteve esta posição e continuou agarrado à cloroquina e outras crendices. Manteve-se aferrado a essas ideias mesmo elas tendo sido abandonadas por governantes que as defenderam no início, como foi ocaso do primeiro-ministro inglês, Boris Johnson e do próprio presidente dos EUA, Donald Trump.
Segundo ainda a reportagem da Folha, durante todo o mês de abril do ano passado Ernesto Araújo tentou a obtenção da cloroquina para o Ministério da Saúde e os pedidos continuaram em junho. Nesta altura a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira já haviam desaconselhado o uso da cloroquina em pacientes da Covid-19. São desta época também os estudos publicados em revistas científicas internacionais selando a posição de que a droga é ineficaz contra a Covid. Vários deles chamavam a atenção para os efeitos colaterais cardíacos, muitos deles fatais.
De nada adiantaram os alertas. Bolsonaro seguiu, e segue até hoje, receitando a cloroquina e outros medicamentos ineficazes contra a Covid-19. Ele não só tem ideia fixa na cloroquina como segue desrespeitando as normas sanitárias contra a Covid-19.
Neste último fim de semana promoveu mais aglomerações na capital federal ao reunir motoqueiros sem máscara num passeio pela cidade. Bolsonaro não usa máscara, critica quem usa e promove aglomerações quase toda a semana. E, por outro lado, não se vê da parte dele nenhum esforço para a aquisição de vacinas. A CPI poderá questionar Araújo sobre todo esse esforço pela cloroquina e também sobre sua total inação para a compra de vacinas.