Venda para a Boeing fará o avião militar KC-390 não ter mais a marca Embraer
No aniversário de 50 anos da Embraer, a empresa mais moderna e avançada do país, o “presente” que o governo Bolsonaro/Guedes apresenta para a companhia é a transferência do projeto militar brasileiro de sucesso, a criação e fabricação do cargueiro multifunção KC-390, para os EUA. O Embraer KC-390 é um avião para transporte tático/logístico e reabastecimento em voo, desenvolvido e fabricado pela Embraer Defesa e Segurança, uma subsidiária da Embraer S.A.
O KC-390 é o maior avião jamais projetado e construído pela indústria aeronáutica brasileira e o maior avião produzido na América Latina. Ele estabelecerá um novo padrão para médias aeronaves de transporte militar, em termos de desempenho e de carga, bem como sistemas de voo. Será um cargueiro multifunção com as missões de reabastecimento aéreo, transporte de carga e tropas, assim como ser reabastecido em voo.
O cargueiro será capaz de transportar até 23 toneladas de carga, incluindo veículos blindados. O mercado potencial para o KC-390 é avaliado em cerca de 700 aeronaves, e até agora já tem cartas de intenção para 60 aeronaves assinadas por seis países diferentes.
MILITARES TRAÍDOS
Num desrespeito a tudo que a Aeronáutica e a engenharia brasileiras investiram neste projeto e aos milhões de dinheiro público, alocados na criação e construção da aeronave, com vistas aos fortalecimento da defesa nacional, a entrega da Embraer para a Boeing, permitida pelo governo, fará com que a produção e comercialização do KC-390 seja retirada da Embraer S.A. e sendo transferida para solo americano.
A aeronave, considerada o cargueiro do século XXI, que estabelece um novo padrão para o transporte militar, uma criação da engenhosidade da aeronáutica brasileira, substituto do C- 130 Hercules, terá agora sua produção concluída nos EUA. Será controlado pelos Estados Unidos.
CONTRATOS LESIVOS
O contrato de Contribuição (joint venture do KC-390) onde a Embraer ficará com 51% e a Boeing com 49% não significará o fortalecimento da Embraer. Pelo contrário, tudo será levado para os EUA. Este contrato criminoso foi celebrado entre EB Defense, LLC (constituída em 10/01/19, em Delaware/EUA) e Boeing EB Defense, LLC (constituída em 11/01/19, em Delaware/EUA).
Pelo contrato, que está, inclusive, sendo questionado na Justiça, o KC- 390 não será apenas concluído nos EUA. Ele sera também comercializado naquele país.
E, pior, além de ser concluído e comercializado fora do Brasil, o KC- 390 será vendido com marca própria, ou seja, o KC-390 não trará mais a marca Embraer. Além de perder a comercialização e a marca, a Embraer será obrigada ainda a entregar à Boeing a Licença FAB do KC-390, obtida a duras penas. Uma operação de pai para filho, onde só a Boeing ganha e o Brasil só perde.
PAULO GUEDES É O MENTOR DA ENTREGA
Outro prejuízo que a Embraer terá com esta negociata que está sendo conduzida pelos administradores da empresa, mas sob a batuta do entreguista e operador do mercado financeiro, Paulo Guedes, será na transferência de tecnologia da sueca Saab na fabricação de caças.
O processo de contratação do FX2, (Programa FX-2 é um programa de reequipamento e modernização da frota de aeronaves militares supersônicas da FAB) finalizado com a seleção e contratação da empresa sueca Saab, estabeleceu como premissa básica a transferência de tecnologia.
A venda do controle de grande parte da engenharia e da planta industrial da Embraer para a Boeing tornará sem sentido parte do objeto contratado, em especial o Acordo de Compensação.
Evidentemente, a Saab não transferirá determinadas tecnologias aeronáuticas para uma empresa controlada pela concorrente Boeing.
A venda da Embraer para a Boeing está sendo apresentada pelo governo, pelos administradores e por uma parte da mídia, través de matérias pagas, como um bom negócio para o futuro da empresa brasileira. Esta é uma grande falácia.
EMBRAER NÃO PRODUZIRÁ MAIS AVIÕES MILITARES
A Embraer ficará impossibilitada de prosseguir em seu caminho vitorioso. E a Boeing, uma empresa em crise e conhecida por engolir e destruir as empresas que compra, será salva pelo dinamismo e pela capacidade da Embraer. Nem mesmo o chamado mercado acreditou na história de que a associação com a Boeing seria um bom negócio. A queda vertiginosa das ações da empresa nas bolsas é uma demonstração evidente disso.
O preço que será pago, de US$ 4,2 bilhões em ações pela Boeing também é outra farsa. Deste valor, que já é considerado ridículo, serão descontados, US$ 1,5 bilhão que deverá ficar em caixa da nova empresa controlada pela Boeing. Ainda serão descontados outros US$ 1, 6 bilhão para serem distribuídos como dividendos aos acionistas e outros US$ 1 bilhão serão destinados a impostos e outras despesas.
Na verdade, além de perder ativos valiosíssimos, de perder a engenharia e a capacidade de produzir aviões, a Embraer que vai sobrar ficará com um caixa irrisório.
Na ação judicial da Associação Brasileira de Investidores (Abradin) questionando a cisão da Embraer e a JV do KC-390, é feita a pergunta que não quer calar. “O que restará para a Embraer S.A e, por corolário, o quê restará para o investidor?” “Como um conselho de administração pode permitir que a Embraer S.A. seja “entregue” desta forma a uma empresa estrangeira? Isto não pode estar acontecendo sem a devida ciência aos investidores, ao mercado, às autoridades competentes e sem a atuação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários)”, questiona a entidade.
PATRONOS DA AVIAÇÃO DESRESPEITADOS
Todas essas ações lesivas aos interesses nacionais, à defesa nacional e a tudo o que e Aeronáutica brasileira fez em todas essas décadas, estão sendo arranjadas por baixo dos panos, numa verdadeira traição nacional. Uma afronta à memória de figuras como o Marechal Casimiro Montenegro Filho, criador do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e de Ozires Silva, criador da Embraer.
O Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), em São José dos Campos, se transformaram num complexo tecnológico de excelência que viabilizou a criação de uma empresa que se tornou a campeã mundial de vendas de aeronaves até 150 lugares, desbancando a Boeing e outras concorrentes.
A empresa aeronáutica é hoje um das que mais investe em tecnologia no mundo. Há dez anos a Embraer investia 2,7% do faturamento em pesquisa tecnológica. Hoje ela investe 7,2% do faturamento. Uma das mais altas taxas de investimento do mundo. É por isso, inclusive, que ela tem atraído jovens engenheiros e técnicos de alto nível, enquanto a Boeing não consegue mais fazer isso.
Ao longo de todo este período, a Força Aérea Brasileira (FAB) protagonizou esse processo por meio da criação e custeio da Escola de Engenharia, o ITA; estabeleceu um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, o CTA (atual DCTA) e implantou a atividade de certificação aeronáutica, realizada no IFI – Instituto de Fomento e Coordenação Industrial.
Nenhum desses órgãos técnicos foi consultado pelo representante da Força Aérea no Conselho de Administração da Embraer. Foi uma ação sorrateira e criminosa a permissão para que a empresa aeronáutica brasileira fosse fagocitada desta forma pela Boeing.
DONOS DA BOEING FAZEM A FESTA
O governo Bolsonaro, que poderia ter usado uma ação especial que dá direito a veto (golden share) e impedir que a cisão da Embraer fosse concretizada, impedir que a parte mais lucrativa da empresa, que sustenta financeiramente os projetos da área de defesa, fosse desnacionalizada, não o fez. Pelo contrário, Paulo Guedes atropelou a cúpula militar, particularmente da Aeronáutica, para garantir que a Boeing adquirisse e destruísse a Embraer.
A autorização do fatiamento criminoso da empresa nacional e a entrega de seu setor de jatos comerciais, filé mignon da companhia, responsável por 60% do faturamento e 80% dos lucros, para a norte-americana Boeing, além de transferir para os Estados Unidos a fabricação final e a comercialização do cargueiro militar KC- 390, inviabiliza a continuidade da Embraer como criadora e produtora de aviões.
Mais do que isso. Mais de cinquenta empresas de alta tecnologia, instaladas na região de São José dos Campos, e que fazem parte da cadeia produtiva da Embraer, estão sendo obrigadas a transferirem suas sedes para os EUA. Além de agravarem a crise de emprego vivida pelo país, essas empresas não têm nem mesmo a garantia de que continuarão fornecendo componentes, já que a Boeing já tem a sua cadeia de fornecedores.
Teoricamente o setor de defesa permaneceria nas mãos da Embraer. Mas, só teoricamente, porque, além de transferir a sede da joint venture que será responsável pela fabricação e comercialização do KC-390 para os EUA, o que restará da empresa brasileira após a cisão e a passagem dos principais ativos para a Boeing Comercial Brasil, novo nome da NewCo, “joint venture” em que a Boeing detém 80% das ações, não permitirá a criação de novos projetos e nem a produção das aeronaves militares.
Isso é o que garante o engenheiro e professor do ITA, Wagner Farias. “A transferência do controle das atividades de engenharia, produção e comercialização da Embraer para organizações estrangeiras – apresentadas ao público, de forma irregular, onde essa transferência de controle se limitaria aos produtos da Aviação Comercial – resultará na perda da capacidade da Embraer de projetar e produzir novos tipos ou modelos de aeronaves, incluindo aeronaves militares e executivas”, disse ele.
Estão sendo transferidos para a Boeing os recursos centrais de engenharia aeronáutica, aplicáveis a todos os produtos. A unidade Faria Lima é a principal unidade produtiva, a unidade EDE especializada em projeto e produção de trens de pouso, incluindo aqueles aplicáveis a aeronaves executivas e militares; a unidade de Évora onde são produzidos componentes de material composto de alta tecnologia, aplicáveis a aeronaves executivas.
Como ficou esclarecido pelo memorando de intenções dos administradores, que anunciou a negociação, a Unidade Faria Lima e a Unidade EDE passarão a ser controladas pela Boeing. Como todos sabem, os projetos e produção de uma asa necessitam dos meios presentes na Unidade Faria Lima.
O projeto e produção de trens de pouso necessitam dos meios presentes na Unidade EDE. Torna-se difícil conceber uma aeronave militar, um produto aeronáutico de defesa, sem asas e sem trem de pousos. Todos esses meio serão propriedade da Boeing. Todos os investimentos financeiros, todo o empenho dos militares e toda a dedicação de décadas na formação de uma inteligência aeronáutica e na capacidade tecnológica e produtiva brasileira passarão a ser usufruídos pela empresa americana.
Diz o professor Wagner que “uma vez separadas as partes nobres e vendidas para Boeing, o que sobra se constitui numa organização defunta, sem capacidade de: desenvolver novos tipos de aeronaves; desenvolver novos modelos de aeronaves dos tipos já certificados; engenharia de base para suporte em serviço, dependendo da concorrência para conceber boletins de serviço relevantes ou acompanhar análises profundas resultantes de acidentes aeronáuticos; realizar modificações demandadas por clientes específicos; alterar o projeto certificado, visando substituir componentes que tenham sido modificados ou tenham a produção encerrada”.
A estratégia vitoriosa da Embraer baseou o desenvolvimento de seus projetos da área militar, que demandam investimentos vultosos, na capacidade de retorno financeiro da comercialização das aeronaves comerciais. Também houve os estímulos e encomendas governamentais, mas o principal eram os recursos advindos das vendas de aeronaves comerciais e executivas.
Ao longo dos últimos anos, expressivas cifras de recursos tributários não foram recolhidos devido aos incentivos fiscais dados à empresa. Parte relevante destes recursos devem ter sido aplicados nas Unidades Faria Lima e EDE. Os resultados da aplicação destes recursos serão desfrutados pela concorrente estrangeira.
Este é o duro golpe que o Brasil e a Embraer estão recebendo no aniversário de 50 anos da empresa aeronáutica.
SÉRGIO CRUZ
Leia mais
É estarrecedor a venda da Embraer, uma empresa que dá lucro, gera emprego, desenvolve tecnologias, um orgulho para nós brasileiros!!! Não consigo acreditar no que estou vendo. Com tantos militares, patriotas, no ministério e no governo, ainda assim não vemos nenhuma intervenção. Isso me assusta!