Alexandre Giordano é suplente de senador do PSL de São Paulo
“Sou o Dr. Joselo Rodríguez, assessor jurídico da Vice-Presidência, lhe escrevo em nome do vice-presidente da República, Hugo Velázquez”, se apresentou o advogado paraguaio que intercedeu em favor de uma empresa denunciada como ligada a Bolsonaro, na primeira das mensagens enviadas por ele, via WhatsApp, a Pedro Ferreira, então presidente da ANDE, estatal de energia elétrica do Paraguai, datada de 9 de maio.
Segundo matéria do jornal paraguaio ‘ABC Color’, publicada no dia 3, o então presidente da ANDE e agora demissionário Ferreira relatou esta semana que foi o próprio vice-presidente Velázquez quem o apresentou ao advogado Joselo ‘como seu representante e homem de sua confiança’.
Além disso, o vice-presidente lhe disse que era ele [o advogado] que estaria ‘em sua representação em todas as conversações relativas à venda de energia à empresa brasileira (Grupo Léros) com a qual ele contatou’”.
Tanto a matéria baseada nas mensagens, cujas fotos publica e aqui reproduzimos, como outros artigos publicados por este mesmo jornal e também pelo Ultima Hora ( UH, periódico também paraguaio) traçam o roteiro da trama que visava locupletar a empresa Léros, cujo representante junto aos diretores da estatal de energia do Paraguai – o suplente de senador Alexandre Giordano, do PSL, mesmo partido de Bolsonaro – dizia, segundo as mensagens, falar em nome do presidente brasileiro.
A matéria do dia 2 de agosto, do UH, intitulada “Nuevos mensajes de WhatsApp comprometen más a Hugo Velázquez”, faz referência a uma outra mensagem, esta do dia 5 de junho e afirma:
“Já no dia 5 de junho, Rodriguez, filho da ex-ministra da Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro e Bens, María Epifanía Gonzalez, avisa a Ferreira que o representante da empresa Léros, do Brasil, se encontra no país para dar seguimento ao acordo de compra e venda do excedente de energia ao mercado brasileiro:
‘Vêm em representação da família presidencial do país vizinho’, diz a mensagem, ao assinalar que “os empresários tinham vínculo com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro” (grifo nosso).
Sugerimos aos leitores que assistam ao breve vídeo produzido pelo jornal UH, reunindo o conjunto das mensagens e a carta de intenções enviada ao empresário Giordano. O vídeo pode ser visto no corpo da matéria que está no link: https://www.ultimahora.com/nuevos-mensajes-whatsapp-comprometen-mas-hugo-velazquez-n2835592.html
Como mostra o jornal UH, o acordo era tão claramente lesivo ao Paraguai que, mesmo com toda a pressão aqui descrita, os técnicos da ANDE não concordaram com seus termos:
“O acordo de Itaipu, que estabelecia uma nova forma da compra de potência, foi firmado pelo Paraguai e Brasil no dia 24 de maio. As negociações foram levadas a cabo pela via diplomática, já que no âmbito técnico não se chegou a um acordo”.
A que “acordo” os técnicos da ANDE não conseguiam chegar?
Os dois itens mais rechaçados pelos paraguaios (ao ponto do próprio presidente da ANDE, Ferreira, destinatário das mensagens de Joselo, pedir demissão declarando que consistiam em “traição à pátria” e “extorsão financeira”) eram:
- o primeiro obrigava o Paraguai a comprar mais energia – ainda que não a utilizasse – levando o país a um dispêndio aquilatado em 200 milhões de dólares ao ano entre 2019 e 2022;
- o segundo era a retirada do ‘item 6’ que estabelecia critérios para a venda do excedente de energia a empresas brasileiras interessadas.
Para conhecer em detalhe os prejuízos denunciados pelo Paraguai e as renúncias em série dos envolvidos, leia a matéria: Escândalo faz Paraguai anular acordo de Itaipu com Bolsonaro.
Uma vez removido o “item 6”, seguiam-se as tratativas para que a Léros tivesse o privilégio na venda dessa potência de energia no Brasil, seguindo o previsto nas mensagens agora tornadas públicas.
O último passo nas evidências que agora começam a ser investigadas e desvendadas, são as imagens da correspondência enviada por um certo Nicolás Martín Kac Pinto a Giordano, que atesta o seu recebimento. Ali estava uma cópia do protocolo firmado entre o Brasil e o Paraguai para análise do representante da Léros.
No Paraguai cresce a pressão pelo afastamento do presidente Abdo Benitez, que assinou com Bolsonaro o protocolo agora anulado, e do vice-presidente, Hugo Velázquez, que surge à testa dos negócios escusos nas mensagens divulgadas. A Procuradoria do Paraguai já designou a equipe que vai ouvir os envolvidos e examinar as provas e o Senado já indicou os integrantes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o escândalo.
Ao chegar à Procuradoria, às dez horas da manhã de sábado, Joselo disse à imprensa que “pretende contar tudo”. Ele foi recebido pelo procurador Marcelo Pecci, que informou da tomada do celular do advogado para “periciá-lo” e que pretende solicitar “informes internacionais sobre a empresa Léros”.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Giordano disse que não se recorda da carta e voltou a negar qualquer relação da sua ida ao Paraguai com a retirada de uma cláusula do acordo bilateral, que permitiria a venda de energia a pessoas jurídicas sem autorização da Eletrobrás.
“Isso deve ser uma briga política deles. Não tenho nenhuma relação com esse acordo. A Léros me chamou e eu fui lá escutar a proposta da Ande sobre venda de energia. Existe uma licitação aberta, que é pública. Eu não comprei nada. A própria Léros não assinou nada”, afirmou.
Giordano também negou ter se apresentado como senador e usado o nome do presidente Jair Bolsonaro na reunião com diretores da ANDE. Ele é dono de empresas de mineração, terraplenagem e instalação de materiais metálicos usados em torres de energia e se diz fornecedor da Léros, que é geradora e comercializadora de energia no Brasil.
O vice-presidente do Paraguai, Hugo Velázquez, insistentemente mencionado nas mensagens e nos depoimentos, nega que Joselo seja seu assessor e qualquer envolvimento com o caso.
NATHANIEL BRAIA
Matéria relacionada:
Correção: o nome da companhia de energia paraguaia é ANDE
Certamente, leitor. Obrigado pela correção.