
Em nota divulgada na sexta-feira (23), a COEDUC, entidade que reúne os sindicatos específicos da educação paulistana (SEDIN, SINPEEM E SINESP) repudiou o afastamento de cerca de 30 diretores de escolas da capital pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) sob um falso argumento de baixo desempenho dos alunos no Ideb.
Segundo os professores e parlamentares da capital, a intervenção nas escolas está ligada à repressão pela adesão das escolas à greve dos servidores realizada entre abril e maio e não ao desempenho das escolas em índices de educação.
Os sindicatos prometem medidas jurídicas e políticas “por meio das ações e mobilizações em defesa da educação, da escola pública democrática e pelos direitos dos profissionais da educação”, diz o texto, intitulado “Não à Terceirização da Gestão das UEs (unidades escolares) e à Privatização da Educação”.
“Durante a greve, denunciamos e lutamos pela revogação da Lei 18.221/24 aprovada na calada da noite, que além de punir professores readaptados e em licença médica superior a 30 dias, contém o artigo que autoriza o governo a afastar diretores de suas unidades de lotação e designar interventores”, continua o documento.
AFASTAMENTO
Os diretores foram informados, durante uma reunião realizada nesta quinta-feira (22), de que participarão de um programa de “requalificação” até o final do ano letivo. Durante esse período, eles serão temporariamente afastados de suas funções à frente das unidades escolares. A convocação dos diretores para o curso e o afastamento das atividades nas escolas foi publicada no Diário Oficial do Município nesta sexta-feira.
A decisão gerou indignação de servidores, da comunidade escolar, sindicalistas, parlamentares e demais envolvidos na defesa da escola pública e de qualidade. Representantes do PSOL na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa ingressaram com uma ação na Justiça para reverter esse ataque.
“Continuamos na luta […] contra mais esta política de desmonte da escola pública e de ataque aos Diretores/as de UEs. Com certeza, fica ainda mais claro estes ataques, que não deixam ninguém em dúvida quanto à necessidade da união dos gestores, docentes e quadro de apoio”, defendeu Cláudio Fonseca, presidente do SIMPEEM (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo) em entrevista ao HP.
Também ao HP, a vice-presidente do SEDIN (Sindicato dos Educadores da Infância) Claudete Alves, criticou a artimanha de Nunes e comparou a iniciativa ao PAS (Programa de Atendimento à Saúde. “É o PAS do Maluf na Educação”, comparou, referindo-se ao modelo de gestão da saúde pública que previa a privatização de serviços implantado durante o mandato do ex-prefeito Paulo Maluf nos anos 90. “Isso é só o começo”, continuou Claudete. “Começa com os gestores e vão pra cima da gente com certeza”, avalia.
AÇÕES POPULARES
Duas ações populares foram protocoladas pelo mandato da vereadora Silvia Ferraro, integrante da Bancada Feminista, em conjunto com o coletivo do vereador Celso Giannazi, além do deputado estadual Carlos Giannazi e da deputada federal Luciene Cavalcante.
Sílvia já havia denunciado a manobra em pronunciamento na Tribuna da Câmara nesta semana. “São cerca de 30 escolas municipais que terão seus diretores – concursados – que escolheram os cargos nessas escolas – afastados dos seus postos de trabalho para entrar um interventor nomeado pela Diretoria de Ensino. Isso, gente, é coisa da ditadura militar. Com a desculpa de índice de IDEB. Eu via as escolas. “[…] muitas delas com projetos premiados. Escolas exemplares”.
“A gente vai ver a lista, muito deles fizeram a greve. Diretores dedicados, que ficam de manhã, de tarde e de noite na escola. Para a parlamentar, “está se tratando de uma perseguição política. Isso é muito grave, tem que ser repudiado por todas as pessoas que prezam pela democracia”, enfatizou.
O vereador Hélio Rodrigues (PT), usou as suas redes para criticar a ação. “É lamentável que o prefeito Ricardo Nunes use agora a educação para ser privatizada. Esse foi um passo que ele deu (nessa direção) — e tudo indica que pretende continuar. O nosso mandato tá aqui muito atento”, alerta Hélio. “Desde fevereiro nós já fizemos um ofício, notificamos à Secretaria de Educação para que nos desse resposta sobre essas possíveis alterações. E pasmem! A secretaria não nos respondeu nada até hoje”.
“Eu quero dizer”, continua o parlamentar, “para cada diretor da rede municipal de educação, que o mandado do vereador Hélio Rodrigues está atento e vai atuar fortemente na defesa do interesse da educação pública, laica e de qualidade, que é o que Município de SP sempre prestou para à nossa cidade”, reiterou o vereador.
ESCOLAS PREMIADAS E PUNIDAS
Reportagem da Folha de SP, publicada na sexta-feira (23), traz relatos de diretores atingidos, cujas escolas receberam prêmios – nacionais e internacionais – por diferentes e reconhecidos projetos desenvolvidos em suas respectivas unidades, envolvendo os estudantes e suas famílias.
Localizada no bairro do Canindé, na zona norte de São Paulo, a EMEF Espaço de Bitita obteve nota 4,8 no IDEB referente aos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano). O desempenho ficou abaixo da média registrada pelas escolas da rede municipal, que foi de 5,6.
A escola, no entanto, apresenta características específicas que ajudam a contextualizar o desempenho abaixo da média. Ela atende a um número significativo de alunos recém-imigrados, muitos dos quais ainda não dominam a língua portuguesa — uma condição que afeta diretamente os resultados das avaliações externas, mas que não é considerada pelos critérios do indicador oficial.
A unidade, que já ganhou prêmios — nacionais e internacionais — pelo trabalho pedagógico que desenvolve, teve o seu diretor afastado. A EMEF Espaço Bitita foi convidada pela Unesco a se tornar uma escola parceira por desenvolver um projeto pedagógico diferenciado que se destacou pela abordagem inclusiva e pelo compromisso com a diversidade cultural.
“As crianças chegam na escola e muitas vezes precisam aprender a falar português”, explica à Folha, Cláudio Marques, diretor do estabelecimento. “Nós acolhemos esses alunos, com todas as vulnerabilidades que eles trazem”, diz. “O Ideb aponta o problema de aprendizado”, mas “ele não identifica a origem desse problema”, ressalta. “Nós, que estamos na escola, sabemos exatamente qual é”, continua Cláudio. E não se trata, avalia, “de um problema pedagógico”, mas de “um contexto muito mais desafiador”.
Ele ingressou na unidade em 2011, quando 10,5% dos cerca de 500 alunos eram filhos de imigrantes. Na ocasião, eles chegaram a 40% dos matriculados”, informa o diretor.
“O que vão me ensinar nessa formação (que não) dialoga com a realidade que eu vivo na escola?” questiona o responsável pela Espaço Bitita. “O prefeito e o secretário de educação nunca pisaram na escola Espaço Bitita. Será que eles sabem qual é o contexto em que vivem nossos alunos?”. Cláudio tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Educação pela USP.
Outra diretora afastada assinala que “nosso Ideb pode não ser alto, mas ele não é um retrato da nossa escola”. Silvia Regina Rocha, diretora da EMEF Campos Salles, explica que a unidade tem “um contexto educacional desafiador”, no qual, “as crianças vivem em grande vulnerabilidade, sem direitos sociais garantidos”. E “isso — destaca — “não foi considerado na decisão da prefeitura”.
Situada em Heliópolis, na zona sul de São Paulo — uma das áreas com maior vulnerabilidade social da capital —, a escola foi reconhecida pelo Ministério da Educação com um prêmio por seu projeto pedagógico considerado transformador.
A escola está desde o início do ano com déficit de ao menos quatro professores e de dois ATEs (assistente técnico educacional), profissionais que auxiliam às crianças. “A secretaria não garante o funcionamento pleno da escola, mas atribui os maus resultados à direção da escola”, criticou Sílvia, à Folha.
“Muitos dos nossos alunos vivem em palafitas” e “convivem de perto com a violência urbana, disse à Folha Leonardo Mannini, que também foi afastado da direção da EMEF Ibrahim Nobre, no Rio Pequeno, zona oeste paulistana. “Sem ter acesso garantido à proteção social, serviços de saúde, o que “afeta o aprendizado”, justifica Leonardo.
As críticas à falta de condições das escolas pelos diretores foram reiteradas pelo deputado estadual Antonio Donato (PT). “É um absurdo! Ele (Nunes) não dá as condições e nem vê a realidade dessas escolas. Escolas que faltam professores, faltam funcionários; escolas de regiões de alta vulnerabilidade; de alunos que têm carências enormes. Isso não é levado em conta”, observa. “São escolas que precisam de um tratamento global para melhorar seu desempenho, e não simplesmente colocar a culpa no diretor. E ele anuncia, a partir disso, a necessidade de privatizar essas escolas. Não tem o menor sentido”, completa Donato.
Todos os diretores afastados nesta sexta-feira são concursados e ocupavam cargos efetivos. Com a saída deles, as Diretorias Regionais de Ensino devem nomear assistentes de direção para assumir temporariamente a gestão das unidades.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) solicitou que a Secretaria Municipal de Educação esclareça, no prazo de cinco dias, as razões para o afastamento dos diretores. A solicitação foi formalizada em despacho assinado pela promotora Fernanda Peixoto Cassiano, do Grupo de Atuação Especial de Educação do órgão.