Patrícia Pelatieri, diretora do Dieese, aponta as mudanças no novo Caged que subestima o fechamento de vagas das empresas que estão falindo
“Quando se olha o saldo do novo Caged, ele não cola com a realidade que nós estamos vivendo”, afirmou a diretora adjunta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, alertando que há uma “subnotificação no registro das demissões”.
Segundo informações divulgadas na quarta-feira (28) pelo Ministério da Economia, com base no novo Caged, o Brasil gerou 184.140 postos de trabalho em março deste ano, resultado de 1.608.007 admissões e de 1.423.867 desligamentos de empregos com carteira assinada. Segundo a pasta, no acumulado de 2021 até março, foi registrado um saldo positivo de 837.074 empregos. Ao comentar estes números, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mais uma vez, se aproveita desse resultado para dizer que a economia está crescendo, quando todas as previsões apontam para mais um recuo na atividade econômica no primeiro trimestre deste ano.
Em 2020, quando o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou uma queda de 4,1%, o Caged apurou a criação de 280 mil vagas, o que nos faz perguntar, como poderia haver crescimento de empregos com carteira assinada se o país continua se aprofundando na crise e a fome continua batendo na porta de milhões de brasileiros? Outra questão que vem sendo levantada, é como pode haver geração de empregos, em um período que a crise sanitária demonstrou a sua pior face? Diante destas questões, especialistas em mercado de trabalho vêm denunciando que o governo tem superestimado a geração de vagas no mercado formal ao comparar os dados do novo Caged com o antigo.
De acordo com Patrícia Pelatieri, desde janeiro do ano passado, por determinação da pasta da Economia, as empresas deixaram de responder o antigo Caged e passaram a responder o eSocial, sistema em que os empregadores têm que prestar informações, como vínculos temporários, por exemplo, que não eram obrigados a prestar no antigo registro do Caged, criado na década de 60 com o fim de registar todas as admissões e demissões de todos os trabalhadores sob o regime da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). No eSocial quem deve ser declarado são empregados sob o regime CLT; trabalhadores temporários; trabalhadores avulsos; agentes públicos; trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais; contribuintes individuais; e bolsistas.
“As séries (do antigo Caged com o novo) não são comparáveis, e o que está dando confusão é o próprio ministério estar fazendo comparação entre coisas que não são comparáveis. No caso das admissões existe o vínculo de trabalho que não era obrigatório registrar no Caged e no eSocial tem que declarar, que é o trabalho temporário, que tem peso nas contratações, e isto dá uma diferença muito grande entre as admissões” do novo Caged com o Caged histórico, declarou Patrícia Pelatieri ao HP.
Outra diferença entre os registros, é que no caso do eSocial as empresas devem declarar obrigações trabalhistas, previdenciárias ou tributárias, em função dessa relação jurídica de trabalho, o que faz com que os empregadores tomem um certo cuidado na hora de registrar estas informações, pois poderiam sofrer penalidades administrativas, medidas que não tinham no antigo Caged. Diante disso, parte das empresas estavam informando as admissões, mas não informava os desligamentos no eSocial. “O próprio Ministério já admitiu que as empresas não estavam registrando demissões no eSocial”, apontou Patrícia Pelatieri.
“Ele tentou buscar estas informações no Empregador Web (sistema no qual são registrados pedidos de seguro-desemprego) para fazer esse ajuste no novo Caged e também buscou fazer uma incursão nos escritórios de contabilidade para melhorar essa informação. Só que o próprio ministério já admitiu que não conseguiu melhorar essa situação, porque sempre quando há um sistema novo ele leva um tempo para que as empresas se adaptem e consigam responder com qualidade. Ao longo do tempo essas informações poderão melhorar, mais um ano só e muito pouco tempo para as empresas se adaptarem. Então tem inconsistência”, disse a diretora do Dieese.
“Nós temos uma ampliação no registro de admissões e uma subnotificação no registro das demissões. Isto já foi detectado pelos técnicos do Ministério”. Essa informação consta na Nota Técnica Substituição da captação dos dados do Caged pelo eSocial, de 27 de maio de 2020, do próprio ministério da Economia.
Pelatieri também destacou que os dados sobre demissões podem estar sendo represados por empresas que já fecharam suas portas e entraram na Justiça com pedido de falência.
“Nós detectamos um aumento no número de pedidos de falência, e há também um aumento enorme no número de processos judiciais, por parte dos trabalhadores, de não recebimento das rescisões trabalhistas. O que nos leva a crer que há subnotificações por conta das empresas que estão falindo, ou nem pediram falência, mas acabaram fechando, não estão registrando demissões”, ressaltou.
Outra questão que atrapalha a análise dos dados do novo Caged é a rotatividade no mercado de trabalho, situação que se agravou por conta da pandemia. O mesmo trabalhador que roda nos postos de trabalho pode estar registrado nas duas tabelas, de admissões e de desligamentos, e quando você faz o saldo das admissões x demissões, o dado fica prejudicado por causa da subnotificação das demissões.
Covid-19 também interfere nos dados do novo Caged
A pandemia de Covid-19 modificou muito o quadro do emprego no país, pois ao mesmo tempo que ela agravou o desemprego no país, ela também gerou empregos temporários, principalmente nas áreas de Saúde e Seguridade ligadas à administração pública. “O segmento da Saúde foi a maior parte das vagas do setor de serviço que o CAGED apontou” para o saldo de março, lembrou Pelatieri.
Com o coronavírus também nasceu a necessidade da abertura de postos de trabalho temporários na indústria, que produz insumos para a área da Saúde, e em outros setores ligados diretamente ao teletrabalho. “São vagas em segmentos muitos circunscritos e com uma remuneração menor”, ponderou Pelatieri.
“Têm segmentos de determinados setores, por exemplo, os setores de E-commerce e TI (Tecnologia da Informação), que são setores que estão gerando vagas neste período da pandemia”. É importante ressaltar que, mesmo nestes setores em que os postos estão crescendo, o salário de admissão tem sido menor que o salário anterior”. “Foram demitidas pessoas que ganhavam mais e admitidas pessoas que ganhavam menos, na área da saúde, por exemplo. Nós estamos falando de uma queda entre 15% a 20% no salário de admissão”, denunciou.
“As pessoas estão aflitas por não encontrar um posto de trabalho e estão aceitando condições que não aceitariam em uma situação de economia melhor”, sublinhou Pelatieri, destacando que mesmo que os dados do novo Caged fossem exatos não há nada para comemorar.
“O Brasil é muito grande e populoso. Mesmo que a gente considerasse este saldo de 184.140 do Caged – que eu já expliquei que ele não é um bom indicador por conta da subnotificação no registro dos desligamentos – o que que significa isto neste universo de desempregados, subocupados e desalentados que nós temos hoje no país? Nós estamos falando de mais de 20 milhões de pessoas que estão nestas condições. Refresca muito pouco estes 184 mil. Neste ritmo, se não entrar mais ninguém na força de trabalhos, vai demorar mais de 20 anos para superar. Não há nada para comemorar”, criticou a diretora do Dieese.
ANTONIO ROSA