A privatização da Casa da Moeda foi duramente criticada, na quarta-feira (20), durante audiência pública na comissão mista criada no Congresso Nacional, para analisar a MP 902. Os debatedores apontaram riscos à soberania monetária e aumento das falsificações.
A medida provisória, assinada por Jair Bolsonaro no início de novembro de 2019, acaba com o monopólio da empresa, fundada em 1694, na fabricação de papel-moeda, moeda metálica, passaporte e impressão de selos de controle fiscal sobre a fabricação de cigarros.
O texto da MP 902/2019 estabelece que a exclusividade para a prestação desses serviços acabará em 31 de dezembro de 2023. De acordo com a nova regra, a Casa da Moeda prestará serviços de integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos dos fabricantes de cigarro e fornecerá o selo fiscal para esses produtos. Essa integração ocorrerá em caráter provisório até 31 de dezembro de 2021.
Carlos Roberto de Oliveira, ex-diretor técnico da instituição que em 8 de março completará 326 anos, destacou que a Casa da Moeda não é apenas uma gráfica, mas um complexo industrial com função histórica e precípua de atender demandas do Estado por produtos seguros, em sua quase totalidade composto por matérias primas, processos e matrizes inacessíveis ordinariamente pelo mercado.
Ele explicou que a instituição contempla diversas disciplinas, funções e profissões, algumas das quais sequer encontradas no mercado do trabalho, e desenvolvidas pelos próprios mestres e artífices da instituição, que repassam sutilezas de suas atividades, como forma de agregar as tecnologias possíveis para manter a empresa à frente do processo industrial.
Oliveira ressaltou ainda que a Casa da Moeda atende as demandas com qualidade, tempestividade e segurança em todos os produtos e serviços, sempre tendo em conta o respeito pelo “triangulo da segurança”, que inclui matérias primas seguras, processo de fabricação complexo e projetos e matrizes exclusivas.
Segundo o ex-diretor, a empresa – fundada há mais de três séculos – vem cumprindo sua missão institucional, sendo respeitada em todo o mundo pela seriedade, qualidade e segurança em seus produtos e processos.
“Somos detentores de conhecimento que poucos países têm. Temos tecnologia e capital intelectual para fabricar e exportar cédulas e moedas para qualquer país, como Argentina, Peru, Venezuela, Bolívia, Costa Rica, República do Congo, Paraguai e outros. Somos premiados em diversas modalidades de arte e técnica. Estamos ainda adequadamente equipados tecnologicamente para continuar cumprindo a nossa missão”, afirmou.
“Será que o Brasil está disposto a correr o risco de importar dinheiro com base em possível custo de oportunidade?”, questionou Oliveira.
Bruno Henrique Miniuchi Pellizzari, diretor da Sociedade Numismática Brasileira, destacou que uma das principais razões que levaram à criação da Casa da Moeda foi a necessidade de existir uma instituição nacional que conseguisse suprir a demanda de meio circulante para um país de dimensão continental.
Ele lembrou que a demanda por dinheiro no Brasil não parou de crescer com o passar dos anos, tendo atingido picos altíssimos durante os períodos de descontrole econômico, como foi no caso das trocas sucessivas de planos monetários durante a época inflacionaria.
A partir de 1984, a Casa da Moeda passou a funcionar no complexo fabril de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, considerado um dos maiores do gênero no mundo e o maior da América Latina, com capacidade para produzir três bilhões de cédulas e quatro bilhões de moedas por ano.
“Uma descentralização da produção de dinheiro pode levar à fragilização do meio circulante, no caso de tentativa de sabotagem à nossa economia. Outro risco diz respeito a instabilidades no país produtor do dinheiro. Fatores como esses podem levar a desabastecimento”, alertou.
Pellizzari observou que as dez maiores economias globais possuem Casas da Moeda estatais, como é o caso dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Índia, Reino Unido, França, Itália e Canadá, possuindo essas, em quase a sua totalidade, exclusividade para a confecção das moedas e cédulas do meio circulante de seus respectivos países.
“Os trabalhadores da Casa da Moeda estão todos tensos. Esse processo vai além da nossa questão corporativa, o que estamos discutindo é o Estado brasileiro e o papel que a empresa teve nos últimos 300 anos e aquilo que poderá acontecer se a gente não tiver o cuidado de preservar esse patrimônio e essa empresa que cuida da segurança nacional, que até dá lucro, mas que poderia não dar pela importância de seu trabalho”, afirmou Aluízio Firmiano da Silva Júnior, presidente do Sindicato Nacional dos Moedeiros.
O sindicalista disse que os funcionários jamais pensaram que a empresa estaria hoje correndo o risco de privatização ou descontinuidade na prestação de serviços essenciais ao Estado.
“Soberania não se vende, soberania você preserva, o mundo preserva e o Brasil não pode andar na contramão do mundo”, enfatizou Aluízio Firmiano.
Advogado da Casa da Moeda, Rodrigo da Silva Ferreira advertiu que “importar moeda não é confiar no mercado privado, é basicamente confiar em governo estrangeiro”. “Soberania monetária envolve direito e um poder de fato. Ela abrange o direito de emitir, o direito de definir o valor e mudar o valor do dinheiro, e o direito de definir como se dará o uso do dinheiro no território e fora do território”, assinalou.
Rodolfo Ramazini, diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, que congrega 70 indústrias nacionais, destacou que o Brasil perdeu R$ 160 bilhões com contrabando e falsificação de produtos industrializados em 2019, sobretudo no setor de cigarros e bebidas.
A comissão mista é presidida pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), tendo como relator o senador Nelsinho Trad (PSD-MS). O prazo de vigência da MP expira em 14 de abril.
W. F.
Com informações da Agência Senado