Debate organizado pelo PCdoB-SP reuniu o ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina, e o médico sanitarista e epidemiologista, Eduardo Costa
Na noite de quarta-feira (26), o Comitê Municipal do PCdoB de São Paulo realizou o debate “Em defesa da Vida e da Vacina” para discutir a importância de uma campanha que enfatize a necessidade da vacinação coletiva para combater a pandemia do novo coronavírus, que já matou no Brasil quase 220 mil pessoas.
A atividade teve como debatedores o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, fundador e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina, o médico sanitarista e epidemiologista, Eduardo de Azeredo Costa, que trabalhou na Organização Mundial de Saúde (OMS) na erradicação da Varíola, e por 30 anos na Fiocruz, onde foi diretor da Farmanguinhos, e também o presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Ronald dos Santos.
O professor Vecina enfatizou a necessidade de que o país consiga se preparar para enfrentar os meses de pandemia que ainda temos pela frente. Para ele, a melhor forma é uma intensa mobilização social. “A solução vai se dar com a construção de uma ‘vontade’ da sociedade brasileira que seja imposta aos nossos governantes”, afirmou.
“O problema mais grave que temos nesse país é a desigualdade social, pois ela mata e tem matado. Então, se nós não forçarmos o Estado brasileiro a tomar algumas decisões que protejam as pessoas que hoje não têm um acesso regular à alimentação, nós vamos caminhar para um desastre sanitário e social muito maior. O fim do auxílio emergencial vai jogar as pessoas para a violência, não tem outra saída. Se eu tivesse fome não pensaria em outra saída. Temos que ter isso em conta”, continuou Vecina.
Ainda falando sobre as desigualdades sociais, Vecina apontou para a necessidade de que as aulas nas escolas possam retornar. Do contrário, os estudantes das escolas públicas são os que mais sofrerão com mais um ano de paralisação das atividades letivas.
“Eu tenho o maior respeito pela categoria dos professores, eu entendo o medo que eles têm de voltar a dar aula, porque é o medo pela vida deles, eles estão pondo suas vidas em risco. Porém, nós não podemos ter mais um ano sem aulas, eu não consigo enxergar mais um ano sem aulas, com as crianças pobres deixando de ir para a escola. Não é filho de rico que está sem aula. As escolas privadas de uma forma ou de outra se resolveram. Agora, as escolas públicas não”, afirmou o professor Vecina.
Diante do atual cenário de inércia do governo Bolsonaro, Gonzalo Vecina afirma que as perspectivas futuras não são das melhores. “O ministro da Saúde esteve em Manaus e foi avisado que faltaria oxigênio e não fez nada. Tinha que ter organizado uma ponte aérea dos estados que têm oxigênio, que são todos”, disse.
“O que aconteceu em Manaus? O governador tomou a decisão de fazer um fechamento mais uniforme da cidade, e os comerciantes foram para a rua e disseram ‘não’, e ele voltou atrás. Manaus enterrava antes da pandemia, em 2019, 35 pessoas por dia. No pico passado, chegou a enterrar 165 pessoas no pior dia. Na quinta-feira da semana passada [21], enterrou 185 pessoas, que foi o pior dia. Em Manaus não se fala mais em hospital de campanha, se fala em necrotério de campanha; não tem mais onde enterrar”, lembrou Vecina.
“Com a crise sanitária veio também a crise do oxigênio, o que é uma vergonha para o país. Um mercado grande desse, só tem um vendedor em Manaus que é a White Martins. Quatro empresas dividem o mercado no Brasil, oligopolicamente, com apenas um em Manaus. Isso não tem outro nome, isso é crime e o governo permitiu que isso acontecesse”, continuou.
Vacinar-se é um ato coletivo
Outro ponto do debate foi relacionado à segurança das vacinas disponíveis no país, bem como a necessidade de se vacinar o maior número de pessoas para que seja possível alcançar a chamada imunidade coletiva. “Nós temos que ter vacina. Sem vacina isso não acaba. Com vacina isso acaba”, enfatizou Vecina.
Também ressaltando a importância da vacinação, Eduardo Costa explicou que a eficácia das vacinas em desenvolvimento é muito próxima uma das outras. “A CoronaVac tem cerca de 50% porque incluiu pessoas que tinham sintomas que em outras não foram avaliados, como vômito e diarreia. As vacinas, tanto da Pfizer quanto da AstraZeneca, só incluíram quatro sintomas típicos da doença, portanto de fase 3 para cima que foram incluídos no estudo. Se considerarmos estes quatro sintomas, percebemos que todas estão mais ou menos com a mesma eficácia”, disse o epidemiologista.
“Do ponto de vista da imunogenicidade, elas são parecidas, já do ponto de vista da reatogenicidade [possibilidade de efeitos adversos] as que trabalham com vírus inativado são mais seguras. Tais como a CoronaVac, a CovacSim e uma outra que podíamos ter entrado e não entramos. Mas todas são praticamente iguais no quesito imunogenese”, completou Eduardo.
“Vacinar não é um ato individual, é um ato coletivo. Se só uma pessoa se vacinar, a doença não para. Todo mundo precisa se vacinar e não é todo mundo no Brasil, é todo mundo no mundo”, completou Vecina.
Eduardo Costa explicou que não temos nenhum estudo de fase 3 concluído no Brasil, nos moldes estabelecidos no período pré-pandemia. “Nem a da Moderna, nem a da AstraZeneca, nem a da Pfizer. A que chegou mais longe no estudo de fase 3 foi a CoronaVac. As outras foram apenas dois meses de observação. São dados preliminares, claro que se deduz que se desenvolverá do mesmo modo no restante do período. Ter cuidado com as reações adversas não é jogar para o lado do negacionismo. É evitar problemas no decurso das imunizações.”, disse.
Destruição da capacidade de produção de imunizantes brasileiros
Eduardo Costa destacou que a produção de vacinas no país sofreu um processo de desmonte desde o período da ditadura militar e que se agravou no governo Bolsonaro com a falta de investimentos em pesquisa.
“As vacinas todas, desde seu desenvolvimento, eram feitas no Brasil. A crise de produção dos IFAs [Insumo Farmacêutico Ativo], que hoje se popularizou, é uma crise do desenvolvimento dependente do Brasil de 1964 para cá. Para ter um marco mundial, na campanha da varíola nós usamos a nossa vacina, produzida em mais de um local no país, por mais de uma entidade”, disse Eduardo.
“Nós tínhamos outros institutos além do Vital Brazil. Nós tínhamos o do Rio Grande do Sul, o Ezequiel Dias e mesmo o laboratório das Forças Armadas. Nós tínhamos estrutura para isso. De 1964 para cá foi a destruição do nosso poder, da nossa estrutura como nação, capaz de negociar livremente com o mundo, com uma economia sem dependência de outros países. Não só paramos de fazer as vacinas que produzíamos, e produzíamos bem, como passamos a importar coisas mais antigas. Nós tivemos um processo longo de destruição da nossa capacidade inventiva, nossa capacidade inovadora”, continuou.
O professor Vecina afirmou ainda que “nós perdemos a nossa capacidade de fazer políticas industriais na área de imunobiológicos. O Instituto Vital Brazil que fazia vacinas parou, praticamente. A Fundação Ezequiel Dias, em Minas, parou; o Ataulfo de Paiva, fazia a BCG, parou e nós estamos também importando da Índia. […] Graças a Fiocruz e o Butantan nós temos duas vacinas, as outras não são nossas, estão vendidas para o resto do mundo. O governo [federal] não se preocupou com isso”.
Lídia Correa, membro da Comissão Executiva do PCdoB-SP reforçou a “necessidade de se debater um apoio social aos mais necessitados diante dessa grave crise, assim como incentivar e apoiar as campanhas de vacinação, que é a principal saída para essa crise”.