“Não existe nesse momento de crise humanitária responsabilidade fiscal sem responsabilidade social. O Auxílio Emergencial tem que ir pelo menos até dezembro”, defendeu Monica de Bolle
“Neste momento, em que tanto precisamos que o Auxílio Emergencial permaneça conosco, que continue essa política, pelo menos, durante a duração do Estado de Calamidade Pública, estamos falando em renovar esse benefício por apenas dois meses. Não faz o menor sentido! O responsável fiscalmente e o responsável socialmente é haver a renovação do benefício, pelo menos, pelo período de calamidade pública”, defendeu a economista Monica de Bolle, no seminário promovido pela Câmara dos Deputados sobre a prorrogação da renda emergencial destinada a amenizar os efeitos da crise decorrente da pandemia da Covid-19.
Monica de Bolle é pesquisadora Sênior do Peterson Institute for international Economics em Washington e é uma expoente da corrente neoliberal, que durante décadas defendeu a prioridade para as políticas de ajuste fiscal e redução Estado, e que, agora, junto com vários outros economistas desta mesma corrente, reavalia a situação e defende mudanças de rumos. Ela propõe uma ação enérgica do Estado com a elevação dos investimentos públicos e dos gastos sociais.
Bolsonaro anunciou, após reunião ministerial dia 9 de junho, que vai renovar o Auxílio Emergencial de R$ 600 por apenas dois meses, reduzido seu valor à metade. O presidente ameaçou vetar qualquer alteração que a Câmara venha a fazer neste valor. A Câmara dos Deputados, por sua vez, chamou economistas para aprofundar o debate sobre as melhores alternativas para enfrentar a crise que o país já está vivendo e que tende a piorar.
Mônica de Bolle destacou que a atual crise que o país vive “não é econômica, é uma crise de saúde pública”, disse. “E sendo uma crise de saúde pública, as medidas econômicas que vêm sendo adotadas, principalmente o Auxílio Emergencial, vêm para dar sustentação a uma crise de saúde pública que tem efeitos muito desiguais sobre a população”.
“Não tem vacina, não tem tratamento. Portanto, essa crise, do jeito que ela está se manifestando e do jeito que ela vai continuar a se manifestar, vai continuar a vitimar, precisamente, as pessoas que o governo acabou de identificar e ficou surpreso com o número, e pessoas informais que existem na economia, essa crise vai continuar a afetar justamente essas pessoas”, destacou.
“Nós temos decretado um Estado de Calamidade Pública até o dia 31 de dezembro de 2020. O que significa que o governo, pelo menos, acha que o grau de calamidade ou a situação de calamidade vai até 31 de dezembro de 2020. Por que cargas d’água, se a gente sabe que a calamidade vai até dia 31 de dezembro de 2020, por que a gente está falando em renovar o benefício por apenas dois meses?, questionou a especialista.
“Nesse contexto, a gente falar em responsabilidade fiscal sem falar em responsabilidade social é uma maneira extremamente estreita de olhar para um problema que é muito mais amplo do que essa noção estrita de responsabilidade fiscal. Não existe nesse momento de crise humanitária responsabilidade fiscal sem responsabilidade social . Responsabilidade social passa por conectar os pontos e traçar a seguinte lógica: se a calamidade vai até dezembro, o auxílio emergencial tem que ir pelo menos até dezembro também”, afirmou Monica de Bolle.
Para a economista, diante do quadro econômico anterior à pandemia e com os efeitos econômicos e sociais que o vírus provoca no País, o Brasil se encontrará em um quadro de depressão econômica profunda, e por decorrência disto, a crise continuará a vitimar os trabalhadores informais.
“Esses efeitos desiguais já poderiam há muito ter sido mapeados pelo governo, porque afinal de contas não é segredo o aumento para ninguém, que acompanha os dados divulgados do IBGE, os dados da PNAD, os dados do Censo Pop Rua, enfim, o enorme arsenal de dados microeconômicos que nós temos no País. Não é segredo para ninguém, porque a população de informais, o grau de informalidade que nós temos no país, e sempre foi alto, mais alto ficou desde a recessão de 2015 e de 2016 e, em particular, dado o crescimento extremamente lento da economia que vimos em 2017, em 2018, em 2019, e que provavelmente veríamos novamente em 2020 se não fosse a epidemia. Com a epidemia, o que nós vamos ver em 2020 é uma profunda recessão, muito além das contas que o governo hoje nos apresenta para retração do PIB”, enfatizou Monica.
“Em todos esses indicadores já está evidente a desigualdade tal qual ela se manifesta em termos do impacto da epidemia e da crise econômica dela decorrente sobre a população vulnerável, que inclui pobres e pessoas que hoje não têm acesso ou não tinham acesso, pelo menos antes do auxílio emergencial, a políticas de proteção social, porque são essas pessoas, e quem acompanha esses dados sabe disso, que entram e saem a todo tempo da informalidade”.
“Diante desse quadro e diante do quadro que essa crise apresenta, essa crise provoca, pela própria natureza dela, por ser uma crise de saúde pública, um quadro de depressão econômica, não à toa acabamos de ver revisões do PIB brasileiro, projeções para 2020, feitas pelo próprio Banco Mundial, pelo OCDE, que já falam numa retração muito severa do PIB, um quadro de depressão mesmo, principalmente porque o país está com uma epidemia descontrolada. Então, isso é um fator de extrema relevância, porque o que determina o andar da economia hoje é o vírus. Isso eu tenho dito já há vários meses, que deveria ter ficado mais evidente e muito mais celeridade do que ficou para o governo brasileiro”, analisou.
O evento promovido pela Câmara, na quarta-feira (10), com a presença do presidente da Casa, Rodrigo Maia, debateu a importância da renda emergencial e os desafios da seguridade social no contexto da pandemia de Covid-19.
Participaram do debate, além da economista Mônica de Bolle, Marcelo Reis Garcia, ex-secretário Nacional de Assistência Social no governo Fernando Henrique Cardoso; Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma Rousseff; o pesquisador Rogério Barbosa do Centro de Estudos da Metrópole e membro da Rede Políticas Públicas & Sociedade; Paola Carvalho, assistente social e especialista em gestão de políticas públicas, e Martim Cavalcanti, secretário Executivo Adjunto do Ministério da Cidadania.
O representante do governo de Bolsonaro, Martim Cavalcanti, tentou justificar as várias falhas que ocorreram no pagamento do auxílio, que geraram, filas enormes, atrasos e exigências desnecessárias. para o período emergencial. No entanto, para a economista Mônica de Bolle, as justificativas “não colaram”. Ela rebateu o representante do governo que disse estar preocupado um novo surto inflacionário no país com a renovação da ajuda emergencial.
“Ora, nós estamos enfrentando um cenário deflacionário. Nós nunca enfrentamos esse tipo de cenário no Brasil. Isso é novo para nós. Nós temos esse apego e esse temor a respeito da inflação: qualquer medida que façamos vai resvalar com inflação, o que é curioso, porque, afinal de contas, temos um pouco mais, ou estamos chegando a quase 3 décadas, de estabilidade monetária. Por que achamos que de repente vamos recair nos anos 80, em termos de desequilíbrio monetário por simplesmente estar respondendo a uma crise inédita e extraordinária de magnitude que nunca vimos? Eu não entendo essa linha de raciocínio”, questionou Monica de Bolle.
“Também seria muito útil se alguém me explicasse por que achamos que são inflacionárias medidas como auxílio emergencial que visam dar sustentação às pessoas, que visam, sobretudo, dar condições de subsistência a pessoas que não mais teriam em outras circunstâncias. Por que isso é inflacionário? É inflacionário por que vai aumentar a dívida? Esse argumento não cola”, criticou.
Mônica de Bolle rebateu também a tentativa do representante do governo de justificar as falhas no auxílio emergencial pelo “curto espaço de tempo”.
“Vocês tiveram tempo para se preparar. E, num País onde a gente tem programas sociais já com capilaridade como o Bolsa Família, vocês tinham uma ampla rede sobre a qual se calcar para poderem justamente fazer a execução correta desse benefício. Portanto, as suas explicações não atendem às perguntas que foram feitas. E, por último, o decreto de calamidade saiu no dia 20 de março. Então, esta conversa de que não podíamos pagar o auxílio porque estaríamos infringindo a Lei de Responsabilidade Fiscal também não cola. O decreto foi do dia 20 de março. A Lei do Auxílio Emergencial entrou em vigor no dia 2 de abril. Portanto, sinto muito, mas as suas explicações aqui, hoje, não deram conta das perguntas que foram feitas”, disse a economista.
“Diminuir o valor para 300 reais, neste momento, é um sacrifício enorme para a população pobre e desempregada”
Para o assistente social Marcelo Reis Garcia, ex-secretário Nacional de Assistência Social no governo FHC, “o auxílio emergencial foi uma conquista importantíssima do país e cabe ao Congresso Nacional decidir se vai diminuir o auxílio, não o ministro da Economia”.
“Diminuir o valor para 300 reais, neste momento, é um sacrifício enorme para a população pobre e desempregada. Nós não estamos precisando apenas de um programa de segurança de renda, como é o Bolsa Família. Nós estamos precisando, neste momento, de um programa que garanta sobrevivência e esperança para as pessoas”, defendeu.
“O Bolsa Família cumpre um papel fundamental. Mas, ao se elevar o valor para 600 reais, garantiu-se às pessoas um pouco mais. E tirar esse pouco mais neste momento, para mim é absurdo, é não conhecer a vida diária da pobreza brasileira. Aliás, quem está fazendo a gestão social no país não conhece a vida diária da pobreza no País”, criticou.
O ex-secretário Nacional de Assistência Social denunciou que a assistência social está sendo completamente esfacelada neste momento pelo governo Bolsonaro. Segundo Marcelo Reis Garcia, há pelo menos dois meses que os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social para o funcionamento dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência (CREAS) Social não estão sendo repassados aos CRAS e CREAS.
“A correria no aplicativo bancário deu no que deu porque se esvaziou o trabalho social. É evidente que não podemos esvaziar o trabalho social na construção de igualdade de direito. Se acharmos que aplicativo resolve problema social, estamos num caminho erradíssimo neste país, porque as desproteções são de renda, mas elas são também de convivência familiar, elas são também de vínculo social, e elas são de inércia”, afirmou Reis Garcia.
“Somente um benefício de 600 reais conseguiria compensar as perdas na renda domiciliar per capita”
O sociólogo Rogério Barbosa defendeu a prorrogação do auxílio emergencial e que se mantenha no patamar de R$ 600, como foi aprovado pelo Congresso Nacional.
“Nós fizemos simulações sobre diversos cenários com o desemprego: tal como ele seria em abril; tal como ele seria em maio, caso a tendência de abril continuasse; tal como ele seria em junho, caso a tendência de abril continuasse por mais um mês ainda. Em todos os casos, somente um benefício de 600 reais conseguiria compensar as perdas na renda domiciliar per capita. Isso é muito importante de enfatizar. Os benefícios de 200 reais e de 300 reais, que já foram ventilados na opinião pública, só conseguiriam conter as perdas na renda domiciliar per capita sob estimativas muito conservadoras de desemprego, que provavelmente já ultrapassamos”, disse Barbosa.
A ex-ministra do governo Dilma, Tereza Campello, lembrou que o governo agiu tardiamente para criar medidas de proteção tanto dos trabalhadores com carteira assinada quanto os informais, e quando decidiu agir as medidas que foram apresentadas se demostraram insuficientes.
Paola Carvalho defendeu que a renda é um direito de cidadania. “O estado mínimo que este governo defende há muito tempo é exatamente para quem? Não me parece que o TCU e os órgãos de controle têm os mesmos critérios quando a liberação é feita para os grandes bancos. Me parece que aperta o garrote sempre que é para as populações mais pobres”, criticou.
Queria saber se um deputado conseguiria comer se ele recebesse 600,00 mensais, tendo que pagar 75,00 do gás, 80,00 de energia 78,00 de agua 230,00 remedio, e aí vocês acham que o restante da pra comer durante um mês