Estados Unidos, uma República de Bananas

Estátua de Trump e Epstein, intitulada "Amigos Para Sempre", colocada em protesto diante da Casa Branca e removida dias depois pelo Departamento de Parques dos EUA (John Flood)

Referindo-se ao regime ditatorial que Trump implanta nos Estados Unidas, a partir de sua atual estadia na Casa Branca, o articulista Chris Hedges traz uma pertinente definição: “O presidente — como em todas as ditaduras — segue o mesmo roteiro. Toda ditadura é uma grotesca ópera bufa. Nenhum elogio é ultrajante demais. Nenhum suborno é insignificante demais. Nenhuma violação das liberdades civis é extrema demais. Nenhuma estupidez é absurda demais. Toda dissidência, por mais tímida que seja, é traição”.

Para Chris Hedges, em seu artigo originalmente publicado no site Sheerpost, “Trump se encaixa perfeitamente no perfil de todos os déspotas latino-americanos de quinta categoria que aterrorizam suas populações, se cercam de bajuladores, capangas e vigaristas, e enriquecem”.

“Trump e sua família acumularam mais de US$ 1,8 bilhão em dinheiro e presentes por meio do uso da Presidência como moeda de troca enquanto erguem monumentos de mau gosto em sua própria homenagem”, denuncia Hedges.

“’Trujillo na Terra, Deus no Céu’ —  Trujillo en la tierra, Dios en el cielo — foi afixado por ordem do Estado em igrejas durante os 31 anos de governo de Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana. Seus apoiadores, assim como os de Trump, o indicaram ao Prêmio Nobel da Paz. A pastora Paula White-Cain, uma vigarista ligada a Trump, ofereceu uma versão atualizada da autodeificação de Trujillo ao alertar: ‘Dizer não ao presidente Trump seria dizer não a Deus’”, prossegue Chis Hedges estabelecendo um gritante paralelo entre o ditador da América Central e o atual chefe da Casa Branca.

Chris Hedges escancara a atrocidade praticada pelos agentes da imigração (ICE) sob seu governo: “Os agentes do ICE são como o pesadelo dos temidos Tonton Macoute, a polícia secreta de Papa Doc [ditador vitalício do Haiti], com seus 15.000 homens, que detinha, espancava, torturava, prendia ou matava indiscriminadamente entre 30.000 e 60.000 oponentes (…) e que, juntamente com a Guarda Presidencial, consumia metade do orçamento do Estado”.

Após denunciar as manipulações grosseiras, onde “ordens executivas, cortes orçamentários, manipulação de distritos eleitorais, apreensão de seções eleitorais e urnas eletrônicas, abolição do voto por correspondência, supervisão da contagem de votos e expurgo do cadastro eleitoral garantem   resultados eleitorais fraudulentos”, para leva-lo ao poder, Chris condena a submissão até da Academia aos desmandos trompistas: “Das instituições, da imprensa às universidades, ajoelham-se diante da idiotice do Presidente. Os parlamentos são câmaras de eco subservientes aos caprichos e delírios do Presidente. É um mundo de realismo mágico, onde a fantasia substitui a realidade, a mitologia substitui a história, o imoral é moral, a tirania é democracia e as mentiras são verdadeiras”.

“A psicologia distorcida do presidente Trump é retratada por Miguel Ángel Asturias em seu romance “El Señor Presidente”, inspirado na ditadura de Manuel Estrada Cabrera, que governou a Guatemala por 22 anos”, diz ainda o articulista.

Em mais uma comparação, desta vez referente ao escândalo Epstein que o assola, Chris estabelece mais um paralelo revelador: “Trujillo estuprou as esposas de seus associados, ministros e generais, além de cortesãs e jovens garotas. Trump, que era amigo próximo do pedófilo Jeffrey Epstein, foi acusado de estupro, agressão e assédio sexual por pelo menos duas dezenas de mulheres”.

Segue o esclarecedor artigo de Chris Hedges na íntegra:

Estados Unidos, uma República de Bananas

Chris Hedges

Toda ditadura é uma grotesca ópera bufa. Nenhum elogio é ultrajante demais. Nenhum suborno é insignificante demais. Nenhuma violação das liberdades civis é extrema demais. Nenhuma estupidez é absurda demais. Toda dissidência, por mais tímida que seja, é traição

O presidente Trump se encaixa perfeitamente no perfil de todos os déspotas latino-americanos de quinta categoria que aterrorizam suas populações, se cercam de bajuladores, capangas e vigaristas, e enriquecem —Trump e sua família acumularam mais de US$ 1,8 bilhão em dinheiro e presentes por meio do uso da presidência como moeda de troca — enquanto erguem monumentos de mau gosto em sua própria homenagem.

“Trujillo na Terra, Deus no Céu” —  Trujillo en la tierra, Dios en el cielo  — foi afixado por ordem do Estado em igrejas durante os 31 anos de governo de Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana. Seus apoiadores, assim como os de Trump, o indicaram ao Prêmio Nobel da Paz. A pastora Paula White-Cain, uma vigarista ligada a Trump, ofereceu uma versão atualizada da autodeificação de Trujillo ao alertar: “Dizer não ao presidente Trump seria dizer não a Deus”.

Trump é a versão americana de Anastasio “Tachito” Somoza na Nicarágua ou de François “Papa Doc” Duvalier, no Haiti, que emendou a constituição para se autoproclamar “Presidente Vitalício”. Uma das imagens mais célebres do longo regime do ditador haitiano mostra Jesus Cristo com a mão no ombro de Papa Doc, que está sentado, com a legenda: “Eu o escolhi”.

Os agentes do ICE são o pesadelo dos temidos Tonton Macoute, a polícia secreta de Papa Doc, com seus 15.000 homens, que detinha, espancava, torturava, prendia ou matava indiscriminadamente entre 30.000 e 60.000 oponentes de Duvalier e que, juntamente com a Guarda Presidencial, consumia metade do orçamento do Estado.

O presidente Trump é o Juan Vicente Gómez da Venezuela, que saqueou a nação para se tornar o homem mais rico do país e desprezou a educação pública para —  nas palavras da acadêmica Paloma Griffero Pedemonte — “manter o povo ignorante e dócil”.

O presidente — em todas as ditaduras — segue o mesmo roteiro. É uma ópera bufa grotesca. Nenhum elogio é ultrajante demais. Nenhum suborno é pequeno demais. Nenhuma violação das liberdades civis é extrema demais. Nenhuma estupidez é absurda demais. Toda dissidência, por mais tímida que seja, é traição.

Ordens executivas, cortes orçamentários, manipulação de distritos eleitorais, apreensão de seções eleitorais e urnas eletrônicas, abolição do voto por correspondência, supervisão da contagem de votos e expurgo do cadastro eleitoral garantem resultados eleitorais fraudulentos.

Instituições, da imprensa às universidades, ajoelham-se diante da idiotice do Presidente. Os parlamentos são câmaras de eco subservientes aos caprichos e delírios do Presidente. É um mundo de realismo mágico, onde a fantasia substitui a realidade, a mitologia substitui a história, o imoral é moral, a tirania é democracia e as mentiras são verdadeiras.

Não são apenas a violência e a intimidação que mantêm El Presidente no poder. É a inversão estupefaciente da realidade, a negação diária do que percebemos e sua substituição por ficções desorientadoras que nos mantêm em desequilíbrio. Isso, combinado com o medo induzido pelo Estado, transforma os países em prisões a céu aberto. A consciência humana é bombardeada até se quebrar e se tornar uma engrenagem bem lubrificada na vasta máquina carcerária.

A psicologia distorcida do presidente Trump é retratada por Miguel Ángel Asturias em seu romance “El Señor Presidente”, inspirado na ditadura de Manuel Estrada Cabrera, que governou a Guatemala por 22 anos; em “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez; em “No Tempo das Borboletas”, de Julia Alvarez; e em “A Festa do Bode e Conversa na Catedral”, de Mario Vargas Llosa.

Esses romances oferecem uma visão melhor de para onde estamos caminhando do que a maioria dos livros sobre política americana.

‘TUDO À VENDA AQUI’ 

“Aqui tudo está à venda”, escreve Julia Alvarez em seu romance, “tudo, menos a sua liberdade”.

Ditadores — hermeticamente isolados na adulação sufocante da vida na corte — perdem rapidamente o contato com a realidade. Teorias da conspiração, pseudociência, crenças bizarras e superstições tomam o lugar de evidências e fatos.

Sociopatas, incapazes de empatia ou remorso e propensos a descrever o mundo em vulgaridades e sentimentalismo infantil, os ditadores não conseguem distinguir entre o bem e o mal. Eles exercem o poder unicamente pela forma como se sentem. Se se sentem bem, é bom. Se se sentem mal, é ruim.  O Estado sou eu.

“A principal qualificação de um líder de massas tornou-se a infalibilidade absoluta”, escreve Hannah Arendt em “As Origens do Totalitarismo”, “ele jamais pode admitir um erro. Os líderes de massas no poder têm uma preocupação que se sobrepõe a todas as considerações utilitaristas: fazer com que suas previsões se tornem realidade”.

O ditador de El Salvador na década de 1930, o general Maximiliano Hernández Martínez, que promulgou uma série de leis que restringiam a imigração de asiáticos, árabes e negros e que ordenou o massacre de cerca de 30.000 camponeses após uma revolta fracassada em janeiro de 1932, estava convencido de que a luz do sol filtrada por garrafas coloridas curava doenças.

Em meio a uma epidemia de varíola, ele ordenou que luzes coloridas fossem penduradas por toda a capital, San Salvador. Quando seu filho mais novo teve apendicite, ele ignorou os médicos para tentar sua cura com luzes coloridas, o que resultou na morte do filho. Ele recusou uma doação de sandálias de borracha para os estudantes do país, anunciando:

“É bom que as crianças andem descalças. Assim, elas recebem melhor os benefícios do planeta, as vibrações da Terra. Plantas e animais não usam sapatos”.

O presidente Trump é talhado nessa veia. Ele não se exercita porque insiste que o corpo humano se assemelha a uma bateria com uma quantidade finita de energia. Ele incentivou o público — durante a crise da Covid-19 — a injetar desinfetante em si mesmos e a se irradiar com luz ultravioleta.

Durante uma coletiva de imprensa em que falou de forma incoerente, ele alertou mulheres grávidas para não tomarem Tylenol, sugerindo que a substância causa autismo.

Ele descartou a crise climática, tuitando: “O conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses e para os chineses, a fim de tornar a indústria manufatureira dos EUA não competitiva”, para depois dizer que estava brincando, afirmando que “tudo voltará ao normal”.

O ruído das turbinas eólicas, sugeriu ele, causa câncer. O ex-primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, ponderou, pode ser o filho secreto de Fidel Castro.

MERGULHANDO NO KITSCH

Ditadores se deleitam no kitsch. O kitsch não exige nenhum esforço intelectual. Ele glorifica o Estado e o líder cultuado. Celebra um mundo de fantasia com governantes virtuosos, uma população feliz e adoradora e retratos idealizados dos cidadãos.

No caso de Trump, isso significa cidadãos brancos. É algo que brilha e reluz, como os troféus e vasos dourados extravagantes enfileirados na lareira do Salão Oval, combinados com porta-copos dourados igualmente de mau gosto com o nome de Trump. É algo que sufoca a cultura.

A Orquestra Sinfônica Nacional do Kennedy Center agora abre todas as suas apresentações com o hino nacional. Trump, que se autoproclamou o novo presidente do centro, publicou: “CHEGA DE SHOWS DE DRAG ARTÍSTICA OU OUTRAS PROPAGANDAS ANTI-AMERICANAS”.

A temporada deste ano no Kennedy Center, onde o nome de Donald J. Trump foi gravado no mármore do Hall dos Estados, foi inaugurada com “A Noviça Rebelde”. O presidente interino do Kennedy Center, Richard Grenell, nomeado por Trump, espera tornar a programação do centro mais “parecida com a de Paula Abdul”.

Milan Kundera descreveu o kitsch como uma estética “na qual a merda é negada e todos agem como se ela não existisse”, acrescentando que é “um biombo erguido para ocultar a morte”.

EPSTEIN E TRUMP

Trujillo estuprou as esposas de seus associados, ministros e generais, além de cortesãs e jovens garotas. Trump, que era amigo próximo do pedófilo Jeffrey Epstein, foi acusado  de  estupro, agressão sexual e assédio sexual por pelo menos duas dezenas de mulheres.

Julie Brown, em seu livro “Perversion of Justice: The Jeffrey Epstein Story”, escreve que uma mulher anônima, usando o pseudônimo “Kate Johnson”, entrou com uma ação civil em um tribunal federal na Califórnia em 2016, alegando ter sido estuprada por Trump e Epstein — quando tinha 13 anos — durante um período de quatro meses, de junho a setembro de 1994.

“Implorei em voz alta ao réu Trump que parasse”, disse ela no processo. “Trump respondeu aos meus apelos me atingindo violentamente no rosto com a mão aberta e gritando que podia fazer o que quisesse”.

Johnson disse que conheceu Trump em uma das “festas sexuais com menores” de Epstein em sua mansão em Nova York. Ela afirma ter sido forçada a fazer sexo com Trump diversas vezes, incluindo uma vez com outra menina — de 12 anos — a quem ela chamou de “Marie Doe”.

Trump exigiu sexo oral e, em seguida, “empurrou as duas menores enquanto as repreendia com raiva pela ‘má’ qualidade de seu desempenho sexual”, de acordo com o processo, apresentado em 26 de abril de 2016, no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Central da Califórnia.

Quando Epstein soube que Trump havia tirado a virgindade de Johnson, ele supostamente “tentou golpeá-la na cabeça com os punhos fechados”, furioso por ter perdido a oportunidade.

Ela disse que Trump não participava das orgias de Epstein. Ele gostava de assistir enquanto “Kate Johnson”, de 13 anos, lhe masturbava.

Johnson afirmou que Epstein e Trump a ameaçaram, assim como sua família, caso ela falasse sobre seus encontros.

O processo foi arquivado, muito provavelmente devido a um acordo vantajoso. Desde então, ela desapareceu.

Os ditadores não se contentam em silenciar seus críticos e oponentes. Eles sentem um prazer sádico em humilhá-los, ridicularizá-los e destruí-los.

“Para os meus amigos, tudo; para os meus inimigos, a lei”, disse Óscar R. Benavides, o presidente autoritário do Peru, resumindo o credo de todos os ditadores. A lei é usada como arma, como instrumento de vingança. Inocência e culpa são irrelevantes.

A acusação formal do Departamento de Justiça dos EUA contra o ex-conselheiro de Trump, John Bolton, a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, e o ex-diretor do FBI, James Comey, bem como as intimações emitidas contra o ex-diretor da CIA, John Brennan, o ex-agente especial do FBI, Peter Strzok, e a ex-advogada do FBI, Lisa Page, transmitem a mensagem central de todas as ditaduras: colabore ou seja perseguido.

Essa cultura de vingança cristaliza a vida cívica e política.

Os ditadores buscam em vão o que não podem alcançar: a imortalidade. Inundam seus países com imagens de si mesmos para afastar a morte. Trujillo teve a capital Santo Domingo renomeada Ciudad Trujillo e a montanha mais alta da ilha — Pico Duarte — renomeada Pico Trujillo.

Trump quer que o estádio de futebol americano Washington Commanders, orçado em US$ 3,7 bilhões, seja batizado em sua homenagem. O Departamento do Tesouro dos EUA divulgou os projetos preliminares para uma moeda comemorativa de um dólar — com o rosto de Trump em ambos os lados — para celebrar o 250º aniversário da nação.

Há planos para nomear a casa de ópera do Kennedy Center em homenagem à primeira-dama. Os 40 milhões de dólares que a Amazon pagou pelos direitos de filmagem de um documentário sobre Melania Trump, sem dúvida, replicarão a cobertura bajuladora dada a Elena Ceausescu — conhecida como “a Mãe da Nação” — na televisão estatal romena durante o regime de seu marido, Nicolae Ceausescu.

Enormes e dispendiosas faixas com o rosto do Presidente Trump adornam o exterior de edifícios federais na capital. Isto, juntamente com as várias Trump Towers espalhadas pelo mundo, é apenas o começo. Inundar o mundo com retratos de Trump, estampar o seu nome em edifícios e praças públicas, prestar homenagem incessante à sua divindade e genialidade, e a morte é mantida à distância.

Em “A Festa do Bode”, Mario Vargas Llosa escreve sobre como as ditaduras transformam todos em cúmplices:

“Até os ricos, se quisessem continuar ricos, tinham que se aliar ao Chefe, vender-lhe parte dos seus negócios ou comprar parte dos dele, contribuindo assim para a sua grandeza e poder. Com os olhos semicerrados, embalado pelo som suave do mar, ele pensou no sistema perverso que Trujillo criara, um sistema do qual todos os dominicanos, mais cedo ou mais tarde, participavam como cúmplices, um sistema do qual apenas os exilados (nem sempre) e os mortos podiam escapar”.

Neste país, de uma forma ou de outra, todos tinham sido, eram ou seriam parte do regime. “A pior coisa que pode acontecer a um dominicano é ser inteligente ou competente”, ouvira certa vez Agustín Cabral dizer (“Um dominicano muito inteligente e competente”, pensou ele), e as palavras ficaram gravadas em sua mente: “Porque, mais cedo ou mais tarde, Trujillo o convocará para servir ao regime, ou a si próprio, e quando ele convoca, não se pode dizer não”. Ele era a prova dessa verdade. Nunca lhe ocorreu oferecer a menor resistência às suas nomeações. Como Estrella Sadhalá sempre dizia, o Bode havia tirado das pessoas o atributo sagrado que Deus lhes dera: o livre-arbítrio.

Chris Hedges é um jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer que foi correspondente internacional do The New York Times por 15 anos, onde atuou como chefe da sucursal do Oriente Médio e chefe da sucursal dos Bálcãs. Anteriormente, trabalhou no exterior para o The Dallas Morning News, o The Christian Science Monitor e a NPR. Ele apresenta o programa de televisão The Chris Hedges Report

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