Vital do Rêgo, ministro do TCU, pede vista de 60 dias para analisar o processo da privatização da estatal pelo governo Bolsonaro
“É minha obrigação não deixar que o patrimônio público seja liquidado. Estão fazendo liquidação”, criticou o ministro Vital do Rêgo do Tribunal de Contas da União (TCU), em entrevista ao Estadão/Broadcast, nesta quarta-feira (20), onde confirmou que irá pedir vista de 60 dias para analisar o processo da privatização da Eletrobrás, no julgamento que vai começar hoje na Corte de Contas, a partir das 14h30.
Ao destacar que não cabe a ele a análise do mérito da venda da empresa, Vital do Rêgo disse que, como ministro do TCU, cabe a ele, sim, “fiscalizar cada centavo” da privatização da estatal. “Da forma como está, não estão privatizando, estão liquidando, e caberá ao TCU atestar ou não”, repetiu o ministro do TCU.
O pedido de vista de Vital será submetido a julgamento. Jorge Oliveira, indicado de Bolsonaro ao órgão, votará para reduzir o prazo para sete dias, mas não deve ser acompanhado pela maioria do órgão. Segundo fontes do TCU ouvidas pela reportagem, o pedido pode ficar entre 28 e 15 dias, levando o leilão para o mês de julho.
O governo Bolsonaro propõe vender a “estatal na bacia das almas” – abaixo do valor que a companhia realmente vale. Segundo a reportagem, um grupo de ministros da Corte recebeu informações de que por trás da pressão do governo para acelerar a análise da operação há um movimento para baratear o preço da ação.
O governo corre contra o tempo para realizar todos os trâmites da operação de oferta das ações da estatal até 27 deste mês – para liquidar a privatização em 13 de maio – usando os resultados financeiros da Eletrobrás referentes ao quarto trimestre de 2021. Depois dessa data, o governo é obrigado a usar o demonstrativo do primeiro trimestre deste ano, que seria fechado em 31 de março de 2022. Um cenário em que o preço da ação poderia ficar maior, segundo informações que circulam no TCU.
No julgamento anterior, o ministro Rêgo questionou a fórmula de cálculo do valor da estatal, avaliando que a maior companhia de energia da América Latina, valeria R$ 130 bilhões e não os R$ 67 bilhões definidos.
“Estamos falando de subavaliações que superam facilmente a casa das várias dezenas de bilhões de reais. Estamos falando de obscuridades no impacto tarifário para o consumidor de energia elétrica, ou seja, a quase totalidade da população brasileira”, disse Vital do Rêgo na época, ao apresentar o voto revisor. E destacou que “nenhum país cuja matriz elétrica possua hidroeletricidade como parte significativa [caso do Brasil] privatizou seu setor elétrico. Estados Unidos, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia, Rússia. Nenhum deles”.
A Eletrobrás é dona ou sócia das mais importantes hidrelétricas do Brasil, como Belo Monte e Furnas, e ainda é responsável por quase 44% do sistema de transmissão do país.
Com base em dados do site Statista, sobre “as mais valoradas” empresas do setor elétrico do mundo, o especialista e diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araújo, afirmou que “a Eletrobrás não pode valer um quarto de uma empresa inglesa, que tem muito menos transmissão do que Eletrobrás e nenhuma usina”. A décima colocada é a inglesa National Grid, “uma empresa que só tem transmissão, não tem nenhuma usina e vale US$ 44 bilhões”.
“Se uma empresa que só tem transmissão – e muito menos transmissão do que a Eletrobrás – e não tem nenhuma usina vale 44 bilhões de dólares, como é que a Eletrobrás vai valer 10 bilhões de dólares?”, questionou o engenheiro eletricista. “É doar de graça uma empresa com um potencial impressionante”, criticou D’Araújo.