
Contra a lei 13.415 de 2017 que instituiu o “Novo Ensino Médio”, sem qualquer tipo de diálogo com a sociedade, as entidades estudantis União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES) convocam um ato na próxima quarta-feira, 15, no MASP, na Avenida Paulista, em São Paulo exigindo a revogação da lei.
Segundo as entidades, no manifesto de convocação do ato, o “aumento do Ensino à Distância, falta de professores para os chamados itinerários, professores sem requisição de formação adequada, falsa liberdade de escolha dos itinerários para os alunos, redução e cortes de disciplinas fundamentais para o desenvolvimento dos estudantes e redução da carga horária de português e matemática, são alguns dos exemplos de como o “NEM” agrava ainda mais a situação da nossa educação”.
“Essa mudança tem aprofundado ainda mais a desigualdade do ensino, colocando um falso ‘empreendedorismo’ como um dos focos principais dos itinerários, formando os jovens para o mercado de serviços e os distanciando dos seus sonhos”, denuncia o presidente da UMES-SP, Lucca Gidra.
As entidades estudantis defendem “a revogação imediata dessa deforma do ensino e a formação de uma nova lei elaborada através de um amplo diálogo com a sociedade, voltada para as necessidades da juventude e do Brasil! A formação de uma comissão tripartite envolvendo governo, sociedade civil e os estudantes é essencial”.
Os estudantes, que realizaram uma plenária de mobilização no último sábado (11), ainda exigem uma forte política de investimento na educação e de permanência estudantil. “Não adianta mudar o modelo educacional e os estudantes continuarem sofrendo com evasão escolar, com escolas que chovem mais dentro do que fora, com falta de estruturas, sem laboratórios de ciências, sem teatros, sem quadras, sem formação e valorização adequada dos professores e com aula vaga”, ressalta Lucca.

“Queremos um Ensino Médio com formação e tempo integral de qualidade! Com direito a ensino técnico voltado à indústria e demais áreas necessárias para a reconstrução nacional, respeitando a formação crítica e cultural dos jovens, para que assim possamos realmente ser donos de nossos destinos e ter uma educação do tamanho dos nossos sonhos”, finalizam as entidades.
A presidenta da UBES, Jade Beatriz, aponta que além da grade curricular ruim, o novo ensino médio desconsidera as diversas realidades estruturais do país e agrava as desigualdades sociais. “Enquanto estudantes de escolas particulares estão nos laboratórios de robótica, química e física, temos aula de como fazer brigadeiro na grade curricular da escola pública. Isso é muito injusto! Nesse modelo não há um incentivo e capacitação para querer adentrar a universidade”, argumentou.
“Nossas escolas não têm estrutura. É só fazer um recorte e ver a fotografia da escola pública hoje: teto desabando, salas alagadas quando chove, banheiro sem pia, escola sem banheiro, muitos sem saneamento e sem merenda. […] Como aumentamos tanto a grade curricular para escolas que não tem o mínimo de estrutura pra executar?”, questionou.
“Muitos estudantes precisam frequentar mais de uma escola pra poder conseguir cumprir toda grade. Isso envolve muito, envolve passagem de ônibus, envolve alimentação, envolve um pequeno recurso que pode vir a ser muito para os estudantes, que por consequência, acabam desistindo”, finalizou.
PROFESSORES E PESQUISADORES TAMBÉM DEFENDEM REGOVAÇÃO
Além dos estudantes, professores e pesquisadores da área da educação afirmam a necessidade de revogação do Novo Ensino Médio.
Mesmo na última semana, o Ministério da Educação (MEC) tendo aberto consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio, os especialistas defendem que antes do diálogo, é urgente a revogação da medida.
Para o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, a abertura de diálogo é sempre positiva, mas a consulta do MEC não deixa a agenda completamente aberta para discussão.
“Ela restringe a participação a um cronograma muito apertado e, simplesmente, a questões de implementação da reforma, sendo que a demanda dos estudantes e dos professores é a revogação”, disse. “O que a reforma tem gerado de desorganização das redes, de desestruturação curricular e de baixíssima formação dos estudantes é algo que precisa ser, de fato, denunciado”, completou.
A consulta tem prazo de 90 dias para as manifestações, com possibilidade de prorrogação. Ela será implementada por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação do novo ensino médio nos 26 estados e Distrito Federal.
Segundo Daniel Cara, pelo que se tem visto nas escolas e nos trabalhos relacionados a projeto de vida e empreendedorismo, o Brasil será “uma fábrica de coachings de Instagram” se houver insistência na atual reforma. “É um conteúdo completamente absurdo nas escolas, é tratar questões sérias como filosofia, sociologia, história e geografia como autoajuda. Isso não pode prevalecer”, disse.

LEIS PODEM SER MUDADAS
Para a professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva, a estratégia da consulta pública mostra que não há a disposição do governo para uma mudança mais estrutural, de revogação, mas sim de fazer ajustes naquilo que já existe na reforma do ensino médio.
“Esperávamos um ministério que, de fato, pusesse um fim àquela lei que nasceu do golpe de 2016, pelo governo [Michel] Temer, por medida provisória, no debate apressado no Congresso Nacional e que acabou sendo regulamentada em cada rede estadual de um jeito. Nós temos, hoje, 27 ensinos médios pelo Brasil. Nós temos currículos com 200 páginas e currículos com 900 páginas, todos eles com assessoria privada. Este novo ensino médio é um enorme mercado que existe apenas para atender as fundações empresariais”, apontou a professora da UFPR.
A professora Mônica Ribeiro afirma que o novo ensino médio fragiliza a formação dos estudantes e aumenta a evasão e abandono escolar. Ela cita a redução de carga horária de disciplinas como sociologia, filosofia e biologia, “que os estudantes precisam, inclusive se quiserem cursar a universidade”, e critica a substituição dessas por “coisas” como: “fazer brigadeiro, como cuidar dos pets, como fazer sabonete”.
“O que significa para um jovem de escola pública, que é 85% das matrículas no Brasil do ensino médio, cursar essas quinquilharias? Será que nós já não temos elementos suficientes para uma intervenção mais séria? Enquanto se realiza essa famigerada consulta pública, os estudantes continuarão a ter essas ‘coisas’ que eu me recuso a chamar de disciplinas. Isso é que eu chamo de uma violência”, disse.
MEC AFIRMA QUE HÁ NECESSIDADE DE CORREÇÕES
O ministro da Educação, Camilo Santana, se manifestou por meio de nota pública. “Já identificamos que há necessidade de correções, necessidade de um bom debate. Porém, acho que é do processo democrático, até porque o ensino médio já está em andamento na sua implementação, [acho que] é importante ouvir as entidades, os especialistas da área, os estudantes, professores, para que a gente possa, com muita responsabilidade, tomar decisões. Nosso grande objetivo é garantir qualidade, um bom ensino médio para os estudantes jovens do Brasil”, disse.
Segundo o ministro, as decisões precisam ser tomadas brevemente, pois as diretrizes da política servirão de base para a elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024.
Porém, de acordo com pesquisa recente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Social da Indústria (Sesi) sobre as mudanças que estão sendo realizadas apontam o desconhecimento da população sobre a reforma. “Infelizmente, não houve uma articulação estruturada sobre as mudanças trazidas entre a aprovação da nova legislação, em 2017, e o início da obrigatoriedade de sua implementação, no início de 2022”, disse o diretor-geral do Senai e diretor-superintendente do Sesi, Rafael Lucchesi.