O cineasta Michael Moore diz que ‘há as armas, mas não só’. Ele lembra: ‘há muitas armas no Canadá mas o número de homicídios é muito menor que nos EUA’
Dezenas de estudantes se manifestaram diante da Casa Branca na segunda-feira (19), para denunciar os massacres que não cessam nas escolas públicas norte-americanas por atiradores ensandecidos – o mais recente deles na Flórida, na semana passada, na escola secundária Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, com 17 mortos – e para repudiar a falta de controle na aquisição de armas.
Desde janeiro, já são 18 morticínios em escolas nos EUA, em 13 estados. No protesto de Washington, diferentes grupos de estudantes se revezaram deitando-se na Avenida Pensilvânia, por três minutos cada, para representar as vítimas e simbolizar o reduzido tempo que o alucinado autor do tiroteio da Flórida, Nikolas Cruz, demorou para comprar o fuzil AR-15 com o qual cometeu a matança aleatoriamente.
Embora seja compreensível que os estudantes protestem contra a facilidade com que se compra uma arma semi-automática, de guerra, nos EUA, seria simplificação achar que isso explica tudo. Como assinalou o cineasta Michael Moore, de “Tiros em Columbine”, há as armas, mas não é só as armas. “Há um montão de armas no Canadá e, no entanto, a conta de homicídios é de uns 200 ao ano. Pela sua proximidade, a cultura canadense é muito similar à nossa: as crianças têm os mesmos videojogos, vêem os mesmos filmes e programas de TV e no entanto não crescem com o desejo de matar uns aos outros. A Suíça ocupa o terceiro lugar mundial em posse de armas por pessoa, porém, sua taxa de criminalidade é baixa”.
Assim, já faz mais de duas décadas, fervilha a epidemia americana de massacres nas escolas. São os ‘Mi Lai’ e os ‘No Gun Ri’ – as chacinas cometidas por tropas americanas contra civis nas guerras no exterior – voltando para casa, depois de dezenas de anos de genocídio contra outros povos, invasões, ocupações, tortura, sempre glorificados pelo establishment ao mesmo tempo em que os monopólios e a mídia fazem apologia do egocentrismo e da revanche. Sinais indisfarçáveis de decadência do império, que se somam à miséria espiritual, à pornografia, às mortes por overdose de opiáceos, em meio à metástase da especulação em Wall Street e da carreira armamentista.
Diante da Casa Branca, os estudantes cantaram uma adaptação do brado que está nas ruas desde a guerra do Vietnã: “hey hey NRA how many kids do you kill today?” (Ei, Ei NRA quantos garotos você matou hoje?” – então, era Nixon.
A NRA é a Associação Nacional do Rifle, cujas propinas garantem que nos EUA se possa comprar ARs-15 até em supermercados. Trump não estava na Casa Branca para ouvir os protestos, por se encontrar em seu clube privativo, em Mar-a-Lago, aproveitando o feriado prolongado e jogando golfe. Os estudantes exigiram, ainda, “segurança nas escolas”. Outra manifestação, convocada pelos sobreviventes da escola Marjory, irá ocorrer em Washington no dia 24 de março, a “Marcha pelas nossas vidas”.
No sábado, centenas de pessoas se manifestaram diante da corte federal de Fort Lauderdale, na Flórida, e ocorreram vigílias com velas em dezenas de cidades.
Já os organizadores do feirão de armas conhecido como “Gun Show da Flórida” decidiram manter a realização do “evento”.
Pela lei americana, o atirador Cruz, já preso, de 19 anos, não podia comprar ou consumir uma garrafa de cerveja (idade mínima, 21 anos), mas não sofria qualquer impedimento para comprar um AR-15. Também não houve qualquer verificação de sua sanidade mental.
SAÚDE MENTAL
Documento do Departamento de Crianças e Famílias (DCF) da Flórida revelou que Cruz recebia tratamento psiquiátrico e tomava medicamentos controlados em 2016 e, segundo sua mãe adotiva – que morreu no ano passado -, sofria de depressão, déficit de atenção e autismo. Essa análise foi realizada depois que surgiram vídeos no Snapchat em que ele aparecia se cortando e em que dizia querer comprar uma arma.
O secretário do departamento, Mike Carroll, disse que os registros mostraram que Cruz estava recebendo serviços de saúde mental antes, durante e após a avaliação. Segundo a ABC News, durante os interrogatórios após o massacre Cruz relatou à polícia que escutou vozes na sua cabeça que lhe indicaram como cometer o ataque. Ele poderá ser condenado à prisão perpétua ou a pena de morte.
ANTONIO PIMENTA