Com o registro de “agente estrangeiro” a consequência é a chantagem contra quem trabalhe ou apareça na RT, sob a alegação de “colaboração com um poder externo hostil”
Num “tapa na cara no direito de livre expressão” – como descreveu um analista -, o governo norte-americano forçou esta semana a RT América, a subsidiária do site de notícias e canal de tevê RT (antes conhecido como Russia Today) a se registrar como “agente estrangeiro” nos EUA, sob pena de prisão de seus dirigentes e confisco de bens.
O que leva para um novo patamar a caça às bruxas desencadeada pelo Macartismo 2.0 pós-derrota eleitoral da desonesta Hillary para o desclassificado Trump, e que recebeu o beneplácito da CIA, CNN, New York Times, Washington Post, da cúpula democrata e até de próceres republicanos para atribuir o resultado eleitoral de 2016 “à intervenção da Rússia e de Putin”, o que rapidamente vem substituindo na Matrix a “guerra ao Terror” como a “suprema ameaça” ao império.
Com menos de 1% das postagens nas redes sociais, sendo metade disso depois do resultado, a RT não teria como ter influído nas eleições como tentam lhe imputar mentirosamente, mas o problema da RT é que, como assinalou o ex-prefeito de Londres, Ken Livingstone, “transmite notícias que são verdades que o governo americano não quer que as pessoas ouçam”. O objetivo é deslegitimar a RT como fonte de notícias, intimidar seus jornalistas e convidados, censurar notícias e estabelecer o precedente para perseguição daqueles que não comungam com a versão oficial da dita “grande mídia”. Quando o rei – isto é, o império – está nu, o mínimo registro da verdade ameaça por tudo abaixo.
É impressionante a histeria que toma conta dos círculos imperiais. O relatório da CIA sobre a “ingerência russa” acusa a RT até de ter entrevistado os candidatos a presidente dos partidos que foram excluídos do debate presidencial pela grande mídia, Verdes e Libertários. Também atribui à RT ter insuflado o Occupy Wall Street, por ter registrado sua ocorrência. A tese é de que a Rússia quer manipular e dividir a América, como se fosse preciso alguém vir de fora para trazer racismo, crise dos opiáceos, desemprego, especulação e desindustrialização aos Estados Unidos.
Uma “ong” de endereço na República Checa e financiada pela Fundação Soros divulgou este mês uma lista de 2300 “idiotas úteis do Kremlin”, por darem entrevistas ou escreverem na RT. Entre os nomes citados, estão os renomados jornalistas Seymour Hersh, Julian Assange, Jeremy Scahill, Ed Schultz e Matt Taibbi, assim como os acadêmicos Noam Chomsky e Stephen Cohen, e ainda o cineasta Oliver Stone e o ator Russel Brand. Esta semana, o Daily Mail londrino estampou estrepitosamente em manchete o “endereço da RT em Londres”, como se tratasse de antro criminoso.
Contra a RT foi aplicada uma lei de 1938 criada para impedir a propaganda nazista – de que a RT tem sido uma das plataformas mais críticas, como visto na denúncia dos nazis ucranianos -, sendo que a alegação de que recebe financiamento governamental também se aplica, por exemplo, à BBC, Deustche Welle, ou Al Jazeera. Sem falar que o governo dos EUA opera internacionalmente a Voz da América, que complementa o serviço pesado levado a cabo pelo “Departamento de Estado no ar”, isto é, a CNN.
Antes, o macartismo havia avançado por meio da imposição de um regime de censura na internet. A Google mudou seu algoritmo de busca para censurar os sites progressistas e anti-guerra e tirou a RT da sua lista de canais preferidos no YouTube. O Twitter bloqueou todas as propagandas da RT. O Facebook, em depoimento no Senado, endossou a paranóia. Ninguém apresentou prova de nada.
Com o registro de “agente estrangeiro”, a conseqüência é a chantagem contra quem quer que trabalhe ou se apresente na RT, sob a alegação de “colaboração com um poder estrangeiro hostil”. Imagine-se a situação, com o veterano entrevistador Larry King, ex-âncora da CNN, ou o jornalista premiado com o Pulitzer, Chris Hedge, submetidos a tal coação. Vão chamar Oliver Stone ao Departamento de Justiça para que registre a papelada sobre o “vídeo com o Putin”?
Os federais vão bater na porta dos entrevistados da RT? Entre as exigências decorrentes da lei de 1938, está a de que a RT terá de arquivar no Departamento de Justiça dos EUA uma cópia de tudo o que publica dentro de 48 horas após a transmissão, inclusive nas redes sociais.
“VIOLAÇÃO DA PRIMEIRA EMENDA”
Várias personalidades participaram de vídeo da RT refutando o relatório dos “idiotas úteis” – como a líder feminista e anti-guerra, Medea Benjamin, da Codepink, que esteve recentemente na Coréia contra a guerra de Trump. O ex-agente da CIA John Kiriakou, que denunciou a tortura do “Waterboarding”. E personalidades européias, como o deputado alemão Hansjorg Mueller, o ex-secretário adjunto do ministério de Defesa alemão, Willy Simmer, e o deputado suíço Luzi Stamm.
Para William Binney, um dos maiores denunciantes dos grampos do NSA, trata-se de “uma violação direta da nossa Primeira Emenda à Constituição”. O ex-agente da CIA, Ray McGovern, afirmou que o distingue a RT “é que nunca me pediu uma entrevista pré-estrevista”, o que é a norma na CBS, NBC, Al Jazeera, que sempre pedem para saber o que irá dizer e, às vezes, após saber, o dispensam. “A RT nunca me perguntou: qual é sua visão sobre isso? Tudo o que eles fazem é dizer: aqui está o link, Mr. McGovern. Nós sabemos que você pode dizer algo sobre isso. Por favor, venha”.
O apresentador e ex-deputado inglês George Galloway advertiu sobre o “perigoso e escuro” caminho de “marcar jornalistas como agentes”. “Se pusermos um grupo de jornalistas e emissoras como agentes estrangeiros, inevitavelmente, todos os jornalistas serão marcados por alguém como agentes estrangeiros”.
Galloway comparou a situação da RT à daquele livro que tentam proibir e sempre vai para o topo da lista dos mais vendidos. “Quanto mais difícil eles tentam tornar, mais popular a RT está se ficando – as pessoas a usam como uma espécie de emblema”. “Pode ficar na moda, pode muito bem se voltar contra os caçadores de bruxas – aqueles que estão fazendo tudo que podem para destruir a própria liberdade de expressão, que eles dizem defender”.
ANTONIO PIMENTA