Com o príncipe coroado MBS tendo que fazer malabarismos para ocultar as digitais no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e a ditadura saudita inteiramente isolada no mundo inteiro, o chefe do Pentágono, general ‘Cachorro Doido’ Mattis, pela primeira vez veio a público clamar por “cessar fogo no Iêmen dentro de 30 dias”, quando Riad tenta estrangular de vez a altiva, embora paupérrima, nação, após amontoar mais tropas no cerco do porto de Hodeidah, pelo qual entra toda a ajuda humanitária, remédios, alimentos e combustível de que dependem desesperadamente milhões de iemenitas.
Em suma, Mattis deu 30 dias para a ditadura saudita acelerar a agressão e completar o genocídio – repetindo o conselho do velho Kissinger aos gorilas argentinos, “apressem-se” -, quando poderia, mais simplesmente, parar de reabastecer, pelo ar, os bombardeiros que Washington vendeu a Riad.
Ou então, determinar que os militares ianques da sala de guerra na capital saudita parem de indicar aos facínoras que alvos devem bombardear. Que muito frequentemente, diga-se, acabam sendo um mercado lotado de gente, um casamento, um ônibus escolar ou um funeral. Ou aliviar o bloqueio naval ao Iêmen que, na prática, é garantido pela Quinta Frota ianque.
Com o escândalo internacional em que se tornou o assassinato, esquartejamento, dissolução do corpo em ácido – o que mais faltará nesse show de horrores? – dentro do próprio consulado em Istambul, a ditadura saudita não estava no melhor momento para regatear uma suspensão dos massacres no Iêmen, se houvesse tal disposição em Washington.
Também o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que o Iêmen está “à beira do precipício” e denunciou que “o direito internacional humanitário foi violado repetidamente”. Ele advertiu que a situação no Iêmen – em clara referência ao cerco a Hodeidah – ameaça se converter “na pior fome que vimos em décadas”.
No porto, o quadro é horrendo. O bombardeio por ar e mar é contínuo. Mais de meio milhão de pessoas está sob risco direto. Apenas no final de semana passado, a organização humanitária Save The Children relatou que sua equipe em Hodeidah contou cerca de 100 ataques aéreos, cinco vezes mais do que na primeira semana de outubro, quando foi fechado o cerco ao porto. As hordas atacantes, 30 mil, incluem soldados sauditas, dos Emirados e sudaneses, mercenários até milicianos da Al Qaeda.
Conforme as agências de notícias, ataque a área residencial matou dois civis e feriu 24. O bombardeio de uma fábrica causou a morte de um trabalhador e deixou outros cinco feridos. Nem mesquitas ou prisões escapam das bombas, com mais seis feridos. Os ataques se aproximam cada vez mais do Hospital Al Thawra, última grande unidade de atendimento médico em operação. As forças iemenitas que defendem Hodeidah já contiveram três ofensivas sauditas, e as estradas que conduzem ao porto estão juncadas de veículos e blindados calcinados.
Também o secretário de Estado Mike Pompeo precisou melhor as palavras de Mattis, convocando a resistência iemenita, que ele chama de “houthis” – que são iemenitas de fé xiita e parte das forças revolucionárias – a “pararem de atacar com mísseis a Arábia Saudita e os Emirados Árabes”, para “posteriormente” a coalizão “parar os ataques aéreos” em “todas as áreas populosas do Iêmen”. Isso não é uma conclamação ao cessar fogo, mas o fornecimento de um álibi para o massacre em Hodeidah, no momento de maior fragilidade da ditadura saudita internacionalmente, e exigência de rendição antes de qualquer negociação.
De acordo com o Projeto sobre Eventos e Conflitos Armados, o total de civis mortos desde que ditadura saudita invadiu o Iêmen é cinco vezes maior do que o até agora estimado, chegando a 56 mil pessoas – em grande parte, crianças, mulheres, idosos. Os crimes de guerra de MBS no Iêmen incluem a destruição sistemática da infra-estrutura de água potável, causando uma epidemia de cólera.
A invasão de tropas sauditas ao Iêmen, para tentar reinstalar no poder um fantoche imposto por Washington e que foi corrido por um levante popular, foi patrocinada pelo governo Obama, do reabastecimento aéreo ao bloqueio naval, passando pelas vendas massivas de armas dos EUA e cobertura na ONU, política mantida por Trump, que até participou de uma dancinha com feudais em Riad. A Rússia, que apóia os esforços da ONU para mediar uma solução política no Iêmen, conclamou a que “todos os portos e aeroportos” do país continuem “abertos e operacionais” para a chegada da ajuda humanitária, bens essenciais, combustível e remédios.
A.P.