
Não cabe ao país anfitrião decidir quem pode ou não entrar nas dependências das Nações Unidas, alertam lideranças, lembrando que a Palestina já foi reconhecida como Estado soberano por 147 dos 193 Estados-membros
Ao negar o visto de entrada a autoridades palestinas para participar da Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU), o governo Trump está forçando lideranças internacionais empenhadas em construir políticas de paz baseadas no diálogo a transferir o debate para Genebra.
“Está claro que os EUA estão tentando impedir qualquer discussão sobre o genocídio em Gaza e sobre o reconhecimento do Estado Palestino ao revogar os vistos de autoridades palestinas”, denunciou Sarah Leah Whitson, diretora-executiva da Dawn, organização sem fins lucrativos que busca reformar a política dos EUA no Oriente Médio. “O mundo está farto das atrocidades brutais cometidas por Israel que estamos testemunhando diariamente, então esperamos sinceramente que a ONU aja rapidamente para transferir a reunião da Assembleia Geral para Genebra, assim como fez da última vez que os EUA aprontaram algo do tipo”, acrescentou.
REAGAN FRACASSOU QUANDO TENTOU CALAR ARAFAT
Quando o governo de Ronald Reagan tentou calar Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), para que não discursasse em 1988 nas Nações Unidas em Nova Iorque, a Assembleia Geral transferiu o mais alto órgão de formulação de políticas da organização para Genebra, amplificando sua voz. Foi esta a primeira vez na história da organização que a política arrogante e prepotente dos EUA foi confrontada abertamente, possibilitando um ambiente político mais cordial. Passados 37 anos, é o caminho novamente deixado pelo governo Trump.
Para Andreas Bummel, diretor-executivo da organização Democracia Sem Fronteiras, o Acordo de Sede é explícito: Não cabe ao país anfitrião decidir quem pode ou não entrar nas dependências da ONU.
Conforme estabelece o documento sobre a sede, há um “direito irrestrito” para autoridades entrarem nos EUA aos fins relacionados à ONU, e as disposições se aplicam “independentemente das relações existentes entre os governos” e os EUA.
“A AMÉRICA DE TRUMP SOZINHA”
Sinteticamente, explicou Martin S. Edwards, reitor associado de Assuntos Acadêmicos e Estudantis da Escola de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade Seton Hall, “em um sentido muito real, o pedido para transferir a reunião é esperado”. Afinal, se a administração Trump se orgulha de adotar políticas sem considerar as opiniões de outros países, então não é por acaso que o “America First” (América em Primeiro Lugar) está se tornando “America Alone” (América Sozinha).
Portanto, se os países que propuseram o reconhecimento da Palestina levarem isso adiante, os EUA serão o único membro permanente do Conselho de Segurança (P5) que ainda não o fez.
“Faz todo o sentido usar a ameaça de transferir a reunião para Genebra da mesma forma. E isso aponta para uma segunda lição que esta Casa Branca ainda precisa aprender: quando você pressiona o resto do mundo, ele pode – e vai – reagir”, destacou Edwards.
Desde novembro de 2012, a Palestina é “um Estado observador não-membro” da Assembleia Geral da ONU. Até agora, o Estado da Palestina foi reconhecido como um Estado soberano por 147 dos 193 Estados-membros da ONU, ou pouco mais de 76% de todos os membros.
“GENOCÍDIO DELIBERADO E FOME EM GAZA”
Mais de 40 especialistas em direitos humanos e relatores pediram na sexta-feira (5) que a Assembleia Geral das Nações Unidas realize uma reunião de emergência em resposta ao “genocídio deliberado e à fome em Gaza”, exigindo o fim da ocupação israelense da Palestina.
“Israel deve pôr fim imediatamente à obstrução à assistência humanitária segura, eficaz e digna, mas o levantamento dessas restrições não será suficiente para salvar a população devastada de Gaza. O que é urgentemente necessário é o fim do cerco israelense e a declaração de um cessar-fogo imediato”, assinalaram os especialistas em um comunicado conjunto.
De acordo com o manifesto, a política que vem sendo “deliberadamente arquitetada e perpetuada por Israel e facilitada por agentes privados e de segurança”, é “uma afronta à humanidade”. “Um Estado responsável por criar condições genocidas com o objetivo de destruir os palestinos em Gaza como um grupo, inclusive por meio da fome, não pode e não deve controlar o acesso, a distribuição ou a supervisão da ajuda humanitária”, acrescentaram.