Eleito apoiado em pauta transfóbica, o deputado agora nega “categoricamente” ter sido Drag Queen
“São categoricamente falsas as alegações de que sou uma drag queen ou ‘atuei’ como uma drag queen”, assinalou no Twitter o deputado republicano recém-empossado, George Santos, filho de brasileiros, e que vem sendo motivo de enorme polêmica nos EUA após ser forçado a confessar ter mentido em seu currículo sobre quase tudo, desde a universidade que não cursou, empregos que não teve no Goldman Sachs, 13 imóveis inexistentes e quanto a ser “judeu”. “Não vou me distrair nem me perturbar com isso”, asseverou.
Na véspera, como registrou a Reuters, uma artista brasileira de 58 anos, que usa o nome de Eula Rochard, afirmou ter feito amizade com o agora congressista “no primeiro desfile do orgulho gay em Niterói, no Rio de Janeiro”. “Era uma ‘drag pobre’ em 2005, com um simples vestido preto, mas em 2008 ele voltou para Niterói com bastante dinheiro”, e um vestido rosa flamboyant para mostrar.
Santos competiu em um concurso de beleza de drag queens naquele ano, mas perdeu, relatou Rochard. “Mudou muito, mas sempre foi mentiroso. Sempre muito sonhador”, acrescentou.
Naturalmente, o problema não é o “vestido preto” ou o “vestido rosa flamboyant”, mas a quase inacreditável carreira de mentiras, manipulações e fraudes do recém-empossado deputado federal, que a cada momento traz novas ‘revelações’.
Nas eleições de novembro passado, com o apoio de Donald Trump e de muitas mentiras, George Santos, que tem dupla cidadania, suplantou o democrata Robert Zimmerman no distrito NY-3 (Queens e Nassau) obtendo 142 mil votos, no que foi considerada a primeira disputa entre dois candidatos assumidamente gays para a Câmara federal. Não se sabe muito bem de onde surgiu a meteórica ascensão de Santos.
Após o New York Times ter investigado suas alegações e antecedentes antes da posse, desmascarando as fraudes e mentiras, George Santos em entrevista ao New York Post admitiu ter forjado seu currículo, de alegações sobre trabalhar para o Goldman Sachs ao diploma universitário no Baruch College de Nova York.
Acabou por confessar que “nunca trabalhou diretamente” com nenhuma das empresas e não se formou em “nenhuma instituição de ensino superior”. “Envergonhado e arrependido por ter enfeitado meu currículo. Eu admito isso … Fazemos coisas estúpidas na vida”, encenou.
FALSO JUDEU
Outra mentira cabeluda de Santos foi sobre sua “ascendência judia ucraniana”, contando histórias na campanha sobre seus avós maternos fugindo da perseguição aos judeus na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Ao Post, ele alegou que, como havia descoberto que a família materna tinha origem judaica, se dissera “judeu”, acrescentando agora se “identificar religiosamente como católico”.
Além de dizer que seus avós eram sobreviventes do nazismo, na campanha Santos também buscou tirar proveito do 11 de Setembro, mentindo que a mãe estava entre as vítimas do atentado às Torres Gêmeas, em 2001, quando, na verdade, ela morreu 15 anos depois, de câncer.
Também depõe contra o caráter de Santos o fato de, sendo filho de imigrantes, fazer apologia da repressão aos imigrantes, que é um aspecto fundamental do trumpismo. E que, alardeando na campanha sua identidade gay, ao mesmo tempo haja manifestado apoio explícito a uma lei discriminatória apresentada pelo governador republicano da Flórida. Ainda, segundo o ex-deputado Zimmerman, Santos estava no comício de Trump de 6 de janeiro de 2021, que desencadeou o assalto ao Capitólio.
“FRAUDE COMPLETA E ABSOLUTA”
O novo líder democrata da Câmara, Hakeem Jeffries chamou Santos de “fraude completa e absoluta – toda a história de sua vida inventada”. “Vimos pessoas falsificarem seus currículos, mas isso é uma invenção total”, espantou-se o deputado democrata Joaquin Castro.
Para o farmacêutico Yasser Rabelo, que o Fantástico (TV Globo) entrevistou e que relatou ter em certa época dividido um apartamento em Nova York com o agora deputado e a mãe, Santos não passa de “um mentiroso patológico” e precisa ser detido.
Outro deputado de Nova York, Dan Goldman, execrou o falsário pelo Twitter: “Ele não se formou na faculdade, não trabalhou em Wall Street e não é judeu – tudo o que ele afirmou para enganar os eleitores em Queens e Nassau. Ele deve renunciar”.
Contra Santos pesam também denúncias sobre violação das normas legais de financiamento, entre elas um suposto empréstimo pessoal de US$ 700.000 que ele fez para sua campanha. De acordo com um grupo que fiscaliza o financiamento de campanhas para evitar o abuso do poder econômico, “o dinheiro veio de uma empresa de fachada ou foi uma contribuição corporativa proibida”.
“George Santos admite que a história de sua vida é uma invenção completa. Sua lamentável confissão não deve nos distrair das preocupações sobre possível criminalidade e corrupção. O Comitê de Ética DEVE investigar como ele ganhou seu dinheiro. Onde há fumaça, há fogo”, afirmou o deputado democrata Richie Torres.
“DÉLIO” E SEUS ANTECEDENTES
Com a visibilidade com que Santos passou a ter, vieram à tona podres cometidos por ele antes de virar deputado e notório. Como apurou o Fantástico, quando ele morou no Brasil em 2008, com a mãe e a irmã em Niterói, ele foi acusado de fazer compras em uma loja de rua, usando cheques roubados e nome falso, “Délio”. Coisa de R$ 2.144. O caso de estelionato foi suspenso pela Justiça porque ele não foi localizado. Com a informação de que ele foi eleito deputado nos EUA, o Ministério Público pediu a reabertura do caso.
Não é o único trambique de que se teve notícia. Segundo o Fantástico, o norte-americano Greg Morey, que afirma ter vivido por dois meses com George – então “Anthony” –, relatou ter levado um golpe de US$ 30 mil.
A dona de casa Adriana Damasceno revelou que ao viajar junto com Santos aos EUA em 2011, foi lesada por ele, que usou o nome dela para fazer compras, sacou todo dinheiro que ela tinha no banco e ainda empenhou joias. Ela o havia conhecido em bingo em Niterói frequentado por ele e a mãe, e o considerava um amigo. Nunca conseguiu se recuperar do golpe e hoje mora em uma favela.
DIFERENTES NOMES E NACIONALIDADES
Ainda segundo o programa dominical da TV Globo, o futuro deputado se apresentava em aplicativos de encontros “com diferentes nomes e nacionalidades: para uns ele era o russo Anthony Zabrovski. Para outros, George Devolder, ou Anthony Devolder. Ou George Santos”.
Mas talvez a história mais escabrosa talvez seja a da vaquinha online feita para pagar o enterro da mãe, Fátima Devolder. Os amigos da família conseguiram todo o valor – cerca de US$ 6 mil. Uma brasileira que mora nos EUA e que pediu para não ser identificada, afirmou que o pagamento para a funerária não foi feito.
O que não impede George Santos de dizer que “não é um criminoso” e que “tem feito um trabalho “muito bom” ao longo de sua “carreira”.
APOSTA NA IMPUNIDADE
Embora a cassação seja prevista na Constituição norte-americana, é muito rara: até hoje apenas cinco deputados foram expulsos. A cassação exige voto favorável de dois terços dos congressistas.
Mesmo entre republicanos já há quem considere a presença de Santos um fardo para o partido. Pelo menos sete parlamentares republicanos pediram sua destituição. “Se fosse eu, renunciaria. Eu não seria capaz de enfrentar meus eleitores depois de ter passado por isso”, ponderou o congressista republicano Don Bacon, à emissora ABC.
O comitê republicano do distrito que o elegeu exigiu sua “renúncia imediata” por causa de seu histórico de “engano, mentiras [e] fabricação”. “Ele desgraçou a Câmara dos Deputados e não o consideramos um de nossos congressistas”, disse o presidente do comitê, Joseph G. Cairo Jr.
George Santos aparenta estar firme na impunidade, asseverando que “não renuncia” e que continua “empenhado fornecer resultados para manter nossa comunidade segura e reduzir o custo de vida”.
No quadro de uma maioria republicana apertada na Câmara, joga a favor da impunidade a atuação de George Santos no recente impasse da eleição da presidência da Casa, em que cravou em todas as rodadas de votação – 15 vezes – o nome de Kevin McCarthy.
Há quem diga que McCarthy não pode prescindir de Santos, e vice-versa, ainda mais que na disputa interna republicana o Freedom Caucus [Bancada da Liberdade] segue com 20 cadeiras. Se Santos renunciar, não há – segundo essa avaliação – a garantia de que a cadeira volte a ser ocupada por um republicano alinhado a McCarthy.
Esta semana, inclusive, o presidente da Câmara admitiu que Santos poderá ter assentos em comitês da Casa. “Eu tento seguir a Constituição. Os eleitores o elegeram para servir”, ele disse. “Se houver uma preocupação e ele tiver que passar pelo Comitê de Ética, deixe-o passar por isso”.
Por sua vez, os democratas mantêm a pressão contra o falsário. “Quando os republicanos da Câmara decidirão que é hora do desgraçado congressista George Santos ir embora?”, instou o líder da minoria na Câmara Hakeem Jeffries na quarta-feira.