O Tratado de Proibição de Mísseis Intermediários (INF) permitiu eliminar 2.600 mísseis com bombas nucleares dos EUA e da URSS, com capacidade de destruir as principais capitais europeias durante a chamada Guerra Fria
Um dia após o governo Trump suspender o Tratado de Proibição de Mísseis Intermediários (INF) em vigor desde 1987, o presidente russo Vladimir Putin anunciou no sábado (2) que, simetricamente e em resposta, Moscou está suspendendo sua adesão ao acordo, que há três décadas tem sido o pilar da prevenção de guerra nuclear na Europa.
Na época, o INF permitiu a eliminação de 2.600 mísseis terrestres com bombas nucleares, dos dois lados, que poderiam em minutos vaporizar as principais capitais europeias, situação dramática que levou a gigantescas manifestações pela paz. O acordo foi assinado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev e proibiu mísseis terrestres, nucleares ou convencionais, de alcance entre 500 km e 5500 km.
“Nossa resposta será recíproca”, afirmou Putin. “Nossos parceiros dos EUA anunciaram que estavam suspendendo sua participação no Tratado [INF], e nós também estamos suspendendo. Eles anunciaram que estão envolvidos em pesquisa e desenvolvimento, e faremos a mesma coisa”, assinalou na reunião com o chanceler, Sergei Lavrov, e com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, que foi televisada para todo o país.
O presidente russo acrescentou que todas as iniciativas de Moscou para preservar o acordo não obtiveram resposta de Washington. “Temos repetida e constantemente por muitos anos levantado a questão de conduzir negociações significativas de desarmamento e em quase todos os seus aspectos. E nos últimos anos, vemos que nossas iniciativas não são apoiadas pelos parceiros”, disse Putin.
SAÍDA ANUNCIADA
Desde outubro Trump vem trombeteando sua decisão de se retirar do Tratado INF. A saída e consequente cancelamento do Tratado INF irá se completar, nos termos do acordo, em 180 dias após a declaração de Washington. Não é o primeiro tratado de grande alcance internacional do qual o governo Trump se retira, havendo ocorrido antes o abandono do Tratado do Clima de Paris e do Acordo Nuclear com o Irã.
Seu conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, é o mesmo que encabeçou o processo, no governo de W. Bush, de saída dos EUA do Tratado Antimíssil de 1972, elemento-chave da arquitetura de prevenção da hecatombe nuclear e da chamada ‘Destruição Mutuamente Assegurada’, mecanismo que impedia a guerra nuclear, dada a certeza de que o próprio atacante seria também destruído na guerra nuclear que se seguisse.
Diante da indisfarçável disposição do regime Trump de rasgar o tratado INF e das tentativas de Washington de jogar o ônus de sua própria decisão sobre a Rússia, com falsas acusações de violações do tratado, Putin assinalou que a bola agora está com os norte-americanos, embora as propostas já feitas sigam sobre a mesa.
A Rússia irá esperar “até que nossos parceiros tenham amadurecido o suficiente para ter um diálogo de igual para igual e substancial sobre este assunto importantíssimo, tanto para nós, como para os nossos parceiros, como para o mundo inteiro”, acrescentou o presidente russo.
Os EUA jamais apresentaram qualquer prova de que um recente míssil russo violasse o tratado. Como revelado pela Rússia, que publicou os principais parâmetros, o alcance é de 480 km, e cumpre com o Tratado. Moscou teve ainda a iniciativa de chamar os adidos militares creditados para uma apresentação do míssil, mas Washington e seus pares da Otan se recusaram a comparecer.
Putin ressaltou as violações do INF cometidas pelos EUA, especialmente os lançadores MK 41 implantados na Europa desde 2014, supostamente para antimísseis, mas que podem usar mísseis Tomahawk terrestres, proibidos pelo tratado. Lavrov assinalou que as violações norte-americanas vêm desde 1999, quando os EUA começaram a testar drones, que objetivamente se enquadram nas proibições.
No sábado, o Ministério da Defesa da Rússia disse que Washington iniciou os preparativos para a produção de mísseis de médio e curto alcance proibidos pelo Tratado INF dois anos antes de acusar Moscou de violar o acordo e mostrou fotos de satélite de uma fábrica da Raytheon em Tucson, no Arizona, que desde junho de 2017 está em ampliação para produzir os mísseis proibidos. Em novembro do mesmo ano, o Congresso alocou no orçamento do Pentágono US$ 58 milhões explicitamente para “desenvolvimento de um míssil lançado no solo de médio alcance”. São “provas irrefutáveis” de que o governo dos EUA decidiu se retirar do Tratado INF “anos ante de tornar públicas acusações infundadas contra a Rússia”.
Como já assinalou a chefe da diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, a Europa foi a mais beneficiada pelo Tratado INF e, portanto, tem mais a perder. “Os tempos em que éramos considerados um campo de batalha, o terreno no qual as superpotências se enfrentavam, são história. Não queremos nem pensar que a coisa possa regredir”.
Na reunião no Kremlin, Putin afirmou que a Rússia não implantará mísseis terrestres de médio alcance “nem na Europa, nem em qualquer outra região do mundo, desde que uma arma similar feita pelos EUA não apareça lá”.
Também alvo das ameaças de Trump de outubro sobre o INF – do qual não é signatária – a China instou os EUA e a Rússia “a resolverem as diferenças adequadamente por meio de um diálogo construtivo”. O porta-voz da chancelaria chinesa, Geng Shuan, reiterou que o tratado “desempenha um papel significativo na facilitação das relações entre os países, promovendo a paz internacional e regional e salvaguardando o equilíbrio estratégico global e estabilidade”. Ele acrescentou que Pequim “se opõe à multilateralização” do INF e o que é imperativo no momento “é defender e implementar o tratado existente em vez de criar um novo”.
A morte do Tratado INF levanta questões sobre o futuro do New Start, o tratado que limita ogivas nucleares estratégicas implantadas por russos e americanos e que expira em dois anos. O vice-chanceler russo, Sergei Ryabkov, disse temer que o New Start tenha “o mesmo destino que o Tratado INF”. “Pode expirar em 5 de fevereiro de 2021 e não ser prolongado”, advertiu.
Na reunião com Lavrov e Shoigu, Putin também pediu esforços para conter a loucura da guerra no espaço. “Estamos cientes dos planos de alguns países de implantar armas no espaço. Quero saber como essa possível ameaça será combatida”. Entre as proposições iniciais destinadas a conter o colapso do INF, Putin aceitou o desenvolvimento de um míssil hipersônico terrestre de médio alcance, apresentada por Shoigu.
ANTONIO PIMENTA