As sanções anunciadas recaem sobre a procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional que comanda investigações sobre crimes perpetrados pelos Estados Unidos durante a ocupação do Afeganistão
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, anunciou na quarta-feira sanções contra a procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, pelas investigações sobre crimes de guerra e contra a humanidade perpetrados pelas tropas norte-americanas no Afeganistão entre 2003 e 2014
Também foi sancionado um auxiliar de Bensouda, Phakiso Mochochoko.
O TPI condenou, em comunicado, as sanções impostas por Washington. “Esses atos coercitivos, dirigidos a uma instituição judiciária internacional e seus funcionários públicos, são sem precedentes e constituem graves ataques contra o Tribunal, o sistema do Estatuto de Roma de justiça criminal internacional e o Estado de Direito em geral”, enfatizou o TPI.
De acordo com um relatório da ONU do ano passado, o número de vítimas civis da guerra do Afeganistão, entre mortos e mutilados, chega a 100 mil.
O-Gon Kwon, presidente da Assembleia dos Estados Partes do TPI, também condenou as sanções, dizendo que rejeita veementemente “tais medidas sem precedentes e inaceitáveis contra uma organização internacional baseada em tratados.” “Elas só servem para enfraquecer nosso esforço comum em combater a impunidade por atrocidades em massa”, acrescentou.
As sanções contra a procuradora-geral Bensouda incluem o congelamento de bens dela nos EUA ou que estejam ao alcance da lei norte-americana, além não emissão de vistos de entrada. É a primeira vez que o TPI abriu uma investigação formal centrada nas forças norte-americanas.
A investigação vem ocorrendo desde março, quando o TPI reviu resolução anterior e considerou que, como o Afeganistão é signatário do tratado que criou o tribunal, a investigação dos crimes de guerra cometidos ali pelas tropas invasoras, tropas colaboracionistas e guerrilha do Talibã está sob sua jurisdição.
Apesar de ter participado das articulações para a criação do TPI no governo de Bill Clinton, os EUA jamais ratificaram o Tratado de Roma, que lhe deu origem. O TPI foi criado em 1998.
Bensouda e sua equipe têm se dedicado a investigar as denúncias de que soldados norte-americanos e agentes da CIA “cometeram atos de tortura, tratamento cruel, ofensas à dignidade pessoal, estupro e violência sexual” no Afeganistão.
Diante da declaração, pelo TPI, de jurisdição sobre os acontecimentos no Afeganistão desde a ocupação norte-americana, que já dura 18 anos, a mais longa guerra dos EUA, Pompeo passou a chamar o TPI de “tribunal renegado”, prometendo “proteger todos os nossos cidadãos”.
Ele classificou o TPI ainda de “instituição política irresponsável, disfarçada de órgão legal” e a investigação, de “vingança política”.
Entre os crimes sob apuração estão as torturas sofridas por 61 prisioneiros nas mãos das tropas americanas. Os mesmos relatórios apontam ainda “para membros da CIA, por crimes semelhantes no Afeganistão e em outros Estados (Polônia, Romênia e Lituânia) contra réus de terrorismo; em particular contra 27 pessoas”.
Em março, a advogada de um grupo de vítimas da ocupação, Katherine Gallagher, do Centro de Direitos Constitucionais, afirmou que a decisão do TPI dava “nova vida ao mantra de que ninguém está acima da lei” e restaurava a esperança “de que a justiça possa estar disponível a todos”.
Se o TPI levar o trabalho até às últimas conseqüências, serão muitas as atrocidades a serem punidas – coisas como invadir aldeias, metralhar civis, inclusive crianças, e depois queimar os corpos, ataques de drones a casamentos e funerais e assassinato a queima roupa de garotos catando lenha – estes, alguns dos casos mais notórios, registrados por agências de notícias como a Reuters ou a AFP.
Até aqui, o TPI só vinha levando a julgamento dirigentes africanos, a ponto de ser ironizado como “Tribunal de Preto Internacional”, o que chegou a causar o afastamento de países do continente do órgão.
No final de fevereiro, o governo Trump e a guerrilha do Talibã assinaram em Doha, no Catar, um acordo para retirada completa, em 14 meses, das tropas americanas e da Otan do território do Afeganistão. A libertação mútua interafegã de 5 mil prisioneiros já foi completada, abre caminho para negociações entre o Talibã e o regime instalado pelos EUA.