Os Estados Unidos iniciaram nesta sexta-feira (2) a retirada das suas tropas da base aérea de Bagram, no Afeganistão, com a transferência para as Forças Armadas locais, que se comprometeram a “dar continuidade à luta contra os talibãs”.
Mundialmente conhecida por ser um centro de estupros e torturas, a chamada “Guantánamo afegã” tem um histórico de crimes desde a invasão do país pelos norte-americanos, no final de 2001. Localizado a apenas 70 quilômetros de Cabul, o complexo tem inúmeras e reiteradas violações dos direitos humanos e de lesa-Humanidade denunciadas, investigadas inclusive pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Estampando o terrorismo de Estado praticado pelos EUA desde o governo de George W. Bush, o presidente Joe Biden começa a despedida dos últimos dos seus 3.500 soldados que, oficialmente, ainda permaneciam no país.
Conforme o jornalista e colunista Ahmed Rashid, “a prisão de Bagram era um caldeirão de inocentes e culpados de toda a região”. Ali, relembrou o jornalista no El País, depois do 11 de setembro de 2001, dia do ataque às Torres Gêmeas, milhares foram detidos – já que os talibãs foram responsabilizados por Bush, servindo como pretexto para a intervenção. “Muitos deles eram totalmente inocentes”, apontou Rashid, condenando as péssimas condições impostas aos prisioneiros.
NOVO ADIAMENTO
Apesar do governo estadunidense ter anunciado recentemente que uma retirada total do Afeganistão era “iminente” ou “questão de dias”, o presidente Biden postergou uma vez mais a decisão. Questionado por repórteres na Casa Branca, Biden adiou outra vez a retirada total, sem determinar um prazo específico. O ex-presidente Donald Trump já havia feito um acordo para deixar o Afeganistão em maio e Biden havia informado que a data limite seria, agora, setembro e, apesar da retirada atual, ainda permanecem tropas norte-americanas no país.
Diante da insistência da imprensa, o presidente alegou o “fim de semana de feriado” [do 4 de julho, dia da Independência dos EUA] como razão para não querer se concentrar em histórias “negativas”. “Não vou responder a mais nenhuma pergunta sobre o Afeganistão”, disse Biden aos repórteres, erguendo as mãos. “Olha, é 4 de julho.. Estou preocupado que vocês estejam me fazendo perguntas que responderei na próxima semana”, escamoteou.
Em relação às preocupações expressas por ativistas e oficiais militares de que a saída dos EUA poderia criar um vácuo que seria rapidamente preenchido pelos insurgentes, Biden disse estar confiante de que o governo de Cabul “tem a capacidade de sustentar o governo no futuro”.
MILHARES DE MORTES
A guerra causou mais de 2.300 mortes de soldados americanos e outras 1.000 de países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e que enviaram tropas para participar da invasão, totalizando mais de 20.000 feridos. No mesmo período, foram assassinados e mutilados mais de 100 mil afegãos.
Um relatório de 2020 do Departamento de Defesa dos EUA estimou que os custos do combate na guerra chegaram a US$ 815 bilhões. O projeto Costs of War da Brown University estima que os EUA gastaram bem mais: US$ 2,2 trilhões.
Questionado sobre sua capacidade de controlar o Talibã, o Ministério da Defesa afegão, que herda as instalações, prometeu em um comunicado “proteger a base e usá-la para combater o terrorismo”.
Em um comunicado, o porta-voz do Talibã rebateu e assinalou que os fantoches dos EUA estão com dias contados, pois os reiterados e hediondos abusos cometidos pelos ocupantes só fizeram crescer a aversão ao atual governo. “Aplaudimos a saída de forças estrangeiras da base aérea de Bagram. A ocupação trouxe destruição e derramamento de sangue para nosso povo e para o país e nos privou de nossa independência”, declarou.
CRIMES DE GUERRA E CONTRA A HUMANIDADE
Diante das denúncias do Tribunal Penal Internacional sobre os crimes de guerra e contra a Humanidade cometidos pelas tropas de ocupação entre 2003 e 2014, a única medida tomada pelos EUA até agora havia sido a adoção de sanções contra a procuradora-chefe do TPI, Fatou Bensouda por investigar a conduta dos EUA.
Apesar das perseguições – e dos sucessivos obstáculos impostos por Washington, que não reconhece a legalidade do TPI – Bensouda e sua equipe vinham se dedicando a investigar os “atos de tortura, tratamento cruel, ofensas à dignidade pessoal, estupro e violência sexual” no Afeganistão.
Em 2020, o governo Trump havia imposto ainda um embargo financeiro e suspendido o visto para os EUA da jurista natural do Gâmbia, depois de Bensouda ter aberto inquérito sobre as violações.
Recentemente, o governo Biden suspendeu as sanções contra Bensouda, numa medida que abranda a série de medidas agressivas do governo anterior contra as instituições internacionais.