Biden assina reforma cosmética que só atinge 12% das forças policiais norte-americanas
“Não consigo respirar”: há dois anos, o mundo ficou chocado ao ver o assassinato, por asfixia, no meio da rua, nos Estados Unidos, do negro George Floyd, desarmado e algemado, com o pescoço sob o joelho de um policial branco racista em Minneapolis. Flagrada por um celular, uma agonia ao vivo de 9 minutos, e milhões de norte-americanos foram às ruas exigindo “sem justiça, sem paz” e clamando que “vidas negras importam”.
Na terça-feira, com as eleições intermediárias se aproximando, o presidente Joe Biden assinou uma ‘reforma policial’ cosmética por ordem executiva e recepcionou na Casa Branca familiares de Floyd, para não deixar passar em branco a oportunidade.
A ordem executiva só tem efeito sobre os 100 mil policiais federais, não atua sobre as polícias estaduais e municipais, cujo contingente é sete vezes maior, e são quem em geral se envolve nas ações policiais que viram tristes manchetes no país inteiro.
Na quarta-feira, o cruzamento onde Floyd foi morto foi renomeado em sua homenagem, entre uma série de eventos para lembrar o homem cujo assassinato forçou os Estados Unidos a ter de encarar a prevalência das injustiças raciais e da impunidade. No sábado, haverá um show no cruzamento.
CAPENGA
Para analistas, a capenga reforma policial de Biden descarta muitos dos limitados aspectos da “Lei George Floyd de Justiça na Ação Policial”, que foi aprovada na Câmara federal em março de 2021 em linhas partidárias, mas encalhou no Senado no final daquele ano.
Inclusive não proíbe os “estrangulamentos” nem abole a “exclusão de ilicitude” – expediente através do qual o policial diz que atirou porque se sentiu ameaçado, na prática uma licença para matar e ficar impune -, limitando-se, quanto a mata-leão e joelho no pescoço, a aconselhar uso só em “último caso”. Um cadastro nacional de policiais violentos será criado, visando evitar que um policial mude de município ou Estado, e continue na truculência.
A ordem também determina ao Departamento de Justiça que “promova o bem-estar dos policiais” e exija uma “abordagem atualizada” para “recrutamento, contratação, promoção e retenção de policiais”.
Coerente com o conteúdo, a ‘reforma’ foi apoiada pelas associações de policiais no país inteiro, muitas delas encabeçadas por notórios supremacistas brancos ou adeptos do trumpismo.
Para a população negra de Minnesota – ou de qualquer outro Estado -, conforme relatos dos principais jornais norte-americanos sobre a data, pouco mudou nos EUA em relação ao respeito aos direitos civis dos negros e ao fim da violência racial e da impunidade de policiais assassinos, dois anos após a agonia de 9 minutos de Floyd.
Segundo monitoramento da mappingpoliceviolence.org, desde o assassinato de Floyd a polícia nos EUA não parou de matar: 1132 em 2020 e 1.144 pessoas em 2021. No ano passado, apenas em 15 dos 365 dias do ano a polícia não matou alguém. Em 2020, apenas em 18. O que dá uma média de 3 por dia.
APENAS 1% DE 1%
Tamanha é a impunidade que, dos assassinatos cometidos pela polícia, que apenas 1% resultou em acusações judiciais. Desses, menos de 1% resultaram em condenação.
Se, como herança da escravidão e do apartheid – este, só encerrado na década de 1960 -, a polícia norte-americana segue perseguindo negros desproporcionalmente, contudo não dispensa humilhar um pobre ou um doente mental.
Um banco de dados compilado pelo Washington Post descobriu que, entre 2015 e 2021, mais de 20% dos mortos pela polícia, mais de 1.400, sofriam de uma doença mental ou uma crise aguda de saúde mental.
Ainda segundo um estudo de 2019 publicado na American Public Health Association, de autoria de Justin Feldman, Sofia Ruskin, Brent Coull e Nancy, “[no] geral, as taxas de mortalidade relacionadas à polícia eram mais altas nos bairros com as maiores concentrações de moradores de baixa renda”.
Assim – como registrou a agência de notícias Xinhua – apesar dos crescentes pedidos por justiça racial e revisões policiais, a tragédia de Floyd continua inabalável nos Estados Unidos, onde a visão supremacista branca continua generalizada.
PATRICK LYOYA
A matéria acrescenta que o assassinato de Floyd não era nada de novo, apenas veio à tona enquanto muitos mais desconhecidos “Floyds” permanecem lá fora.
O mais recente deles, Patrick Lyoya, um homem negro de 26 anos morto a tiros na nuca enquanto estava de bruços por um policial de Michigan durante uma batida de trânsito, por causa de uma placa.
No mês passado, uma reportagem do New York Times citou uma investigação divulgada pelo Departamento de Direitos Humanos dos EUA no Estado de Minnesota mostrando que o Departamento de Polícia local rotineiramente se envolveu em várias formas de policiamento racialmente discriminatório, não puniu policiais por má conduta e usou contas falsas de mídia social para atingir pessoas e organizações negras.