O Conselho Nacional de Relações Trabalhistas denunciou que exigir que os trabalhadores renunciem a seu direito de ação coletiva está em conflito com as leis trabalhistas nacionais em vigor
Em uma decisão que lembra os seus piores momentos – que não foram poucos -, a Suprema Corte de Justiça dos EUA cassou o direito dos trabalhadores norte-americanos de promoverem processos trabalhistas coletivos em defesa de seus direitos contra as corporações, decisão iníqua aprovada por cinco votos a quatro. Conforme a sentença do caso Epic Systems Corp v. Lewis desta segunda-feira (21), os contratos de trabalho podem legalmente obrigar que os trabalhadores fiquem obrigados à “arbitragem” privada em caso de litígio com o empregador e proibir processar as empresas.
A partir de agora, na prática o trabalhador cujo contrato incluir tal cláusula somente poderá recorrer a ações individuais. Em seu voto, a juíza Ruth Bader Ginsburg, classificou a decisão de “flagrantemente injusta”. Para ela, o resultado inevitável da decisão “será o subemprego das legislações federais e estaduais destinadas a promover o bem-estar dos trabalhadores mais vulneráveis”.
A decisão pode até mesmo vir a minar a proteção à discriminação por raça, cor ou gênero no ambiente de trabalho, advertiu Ginsburg. “Seria completamente estranho ver a Lei de Arbitragem Federal dos EUA devastar o Título VII do Ato dos Direitos Civis de 1964 e outras leis promulgadas para eliminar a discriminação no trabalho”.
Ao resumir o resultado da votação, Ginsburg disse que “a corte distorceu os contratos de trabalho ao permitir a inclusão das cláusulas de arbitragem, de maneira que exigem que os empregados litiguem seus salários e outras reivindicações de forma exclusivamente individual”. Para ela, “o direito trabalhista federal não admite esse isolamento dos trabalhadores”.
Caso a decisão se mantenha, cerca de 60 milhões de trabalhadores não sindicalizados do setor privado perderão o acesso aos tribunais, conforme indica um estudo do Economic Policy Institute. O prejuízo recairia especialmente sobre os trabalhadores das minas de carvão e da construção civil, frequentemente acometidos por doenças como pulmão negro e diversos tipos de câncer, como a mesotelioma. Também os trabalhadores das grandes redes de fast food, que de forma massiva, não recebem horas extras, e os empregados nas granjas, que dificilmente sequer são pagos pelo defasado salário mínimo.
O Conselho Nacional de Relações Trabalhistas – órgão criado pelo presidente Roosevelt e que fiscaliza o cumprimento da legislação trabalhista nos EUA – denunciou que exigir que os empregados renunciem a seu direito de ação coletiva está em conflito com as leis trabalhistas nacionais em vigor.
Em nome dos movimentos sociais, a presidente do Centro Nacional do Direito da Mulher, Fatima Goss Graves, afirmou que a decisão da justiça “pode forçar os trabalhadores a se submeterem a um processo de arbitragem secreto e realizado a portas fechadas”. Segundo ela, o esperado seriam medidas visando o “fortalecimento da união dos trabalhadores para reprimir de forma coletiva o assédio sexual, a discriminação de salários, a discriminação contra a gravidez e raça, ou mesmo contra o roubo dos salários e horas extras”.
“Impedir a união dos trabalhadores serve aos interesses das grandes corporações, mas não serve aqueles que enfrentam as injustiças diariamente”, declarou o senador democrata Patrick Leahy, que condenou a decisão. “De modo geral, a arbitragem dá vantagem aos interesses das grandes empresas e corporações nas disputas judiciais”, assinalou.
O prejuízo da arbitragem contra os trabalhadores foi mostrado em estudo de 2015. Entre todos os processos trabalhistas enviados à arbitragem, apenas 20% tiveram resultados favoráveis aos trabalhadores, com valor médio de US$ 23.548. Percentual que sobe para 57% nos tribunais e valor médio de US$ 328.008. Disparidade que pode ser explicada ao se verificar que 60% dos árbitros costumavam advogar para grandes corporações.
O voto de maioria pela cassação do direito de ação coletiva foi redigido por Neil Gorsuch, o juiz conhecido pelo seu extremismo de direita, que foi nomeado para a Suprema Corte por Trump, numa das primeiras medidas como presidente.
A sentença não chega própriamente a destoar da trajetória da Suprema Corte. No chamado período das Leis Jim Crow, foi a Suprema Corte que “legalizou” o apartheid nos estados do sul, até que fosse forçada, nos anos 1960, a derrubá-lo, graças à presença de juristas eminentes e dignos e à mobilização pelos direitos civis que Martin Luther King encabeçou. Foi ainda a Suprema Corte que, em 1905, derrubou uma lei estadual que limitava a jornada de trabalho diária a 10 horas, alegando que tal regulação “violentava” o direito dos trabalhadores de trabalharem “tanto tempo quanto quisessem”.
GABRIEL CRUZ