No domingo em que o New York Times circulou com a primeira página tomada pelos nomes de quase 100 mil norte-americanos mortos pelo coronavírus, com enorme repercussão, o governo de Donald Trump anunciou que irá barrar a entrada de pessoas vindas do Brasil para “proteger os EUA do contágio”.
Os EUA são recordistas mundiais em contágios (1.639.872 casos confirmados) e em total de mortos (97.599), de acordo com o centro de referência da Covid da Universidade Johns Hopkins. Nos próximos três ou quatro dias, deverá bater a marca fatídica, que é quase duas Guerras do Vietnã em número de norte-americanos mortos.
Com Bolsonaro se espelhando em Trump, para sabotar o distanciamento social e fazer apologia da cloroquina, e dois ministros da Saúde demitidos, o Brasil tristemente se tornou na sexta-feira (22) o segundo do mundo em número de contaminados. Registrou no domingo 363.211 casos. O total de mortos é de 22.666.
Comunicado da secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, disse que “hoje [domingo] o presidente tomou a ação decisiva para proteger nosso país, ao suspender a entrada de estrangeiros que estiveram no Brasil durante um período de 14 dias antes de buscar a admissão nos Estados Unidos”.
Acrescenta o comunicado que “a ação de hoje irá garantir que estrangeiros que estiveram no Brasil não se tornem uma fonte adicional de infecções em nosso país”.
Questão na qual os brasileiros pouco poderiam aportar, que o próprio Trump já não tenha feito em escala industrial com seu obscurantismo e incompetência, além de ter garantido em comícios em fevereiro que a Covid-19 era como “uma gripe comum” que “desapareceria com o calor da primavera”.
“Quase 100.000 mortes; uma perda incalculável”, afirma a manchete do New York Times.
O nome de cada uma das milhares de mortes na primeira página do jornal é acompanhado por sua idade e uma breve descrição. “Eles não eram apenas nomes em uma lista; eles eram nossos”, alerta o Times.
Horas antes de circular formalmente no domingo, a histórica capa já viralizara nas redes sociais desde sábado à tarde.
Trump até foi jogar golfe em um dos seus resorts na Flórida para esfriar a cabeça. Na terça-feira, quando o Brasil ultrapassou a marca de mil mortes diárias por Covid-19, Trump havia afirmado não querer os brasileiros “entrando e infectando nosso povo”.
Proporcionalmente ao tamanho da população, os números dos EUA são respectivamente 5.094 casos por milhão e 300 mortos por milhão. O Brasil, 1.710 casos por milhão e 107 mortos por milhão, conforme o worldometer.info.
Números que, no tocante ao Brasil, expressam a enorme resistência de parte de governadores, prefeitos e dirigentes do Ministério da Saúde à política obscurantista e genocida de Bolsonaro.
A entrada de brasileiros ou viajantes oriundos do Brasil passa a ser proibida a partir do dia 29 de maio. Estão isentas pessoas que residam nos EUA ou sejam casadas com um cidadão americano ou que tenha residência permanente no país. Filhos ou irmãos de americanos ou residentes permanentes também poderão entrar, desde que tenham menos de 21 anos. Membros de tripulações de companhias aéreas também estão excluidos da proibição.
Como já são muito poucos os voos atualmente entre o Brasil e Miami (o outro destino de voo ainda possível é o Texas), a medida parece ser mais voltada para agradar certa faixa de eleitorado na Flórida, que é um dos estados-pêndulo, que oscila entre republicanos e democratas.
Também mostra que Trump está se lixando para Bolsonaro e seus mínions, que vão sentir muita saudade de Miami. Foi na Flórida que o Messias bateu continência para a bandeira norte-americana.
Na sexta-feira, a OMS alertou que o epicentro da pandemia estava em deslocamento para a América do Sul. Em poucos dias, em número de casos o Brasil superou a Rússia (344 mil), a Grã Bretanha (260 mil), a Espanha (235 mil), Itália (229 mil) e França (182 mil).
Em número de mortos, o Brasil está atrás, além dos EUA, da Grã Bretanha (36,8 mil), da Espanha (28,7 mil) e da Itália (32,7 mil). A Rússia teve apenas 3,5 mil mortos. A China, onde primeiro foi detectada a pandemia, teve 4.634 mortos e quase 83 mil casos. Nas últimas 24 horas, não registrou qualquer novo caso.
Trump falou em banir a entrada de viajantes do Brasil pela primeira vez em 28 de abril, quando disse que acompanhava “de perto” o que chamou de “surto sério” de novo coronavírus no Brasil.
“O Brasil tem um surto sério, como vocês sabem. Eles também foram em outra direção que outros países da América do Sul, se você olhar os dados, vai ver o que aconteceu infelizmente com o Brasil”, disse Trump naquele dia.
Nos EUA, onde Trump forçou uma reabertura da economia apelando para fanáticos de bandeiras confederadas, armas de grosso calibre, bonés “America First” e até suásticas, tuitando coisas como “libertem Michigan”, é grande o temor de uma segunda onda, que teria um resultado ainda mais nefasto sobre a economia.
O principal infectologista dos EUA, Dr. Anthony Fauci tem advertido repetidamente sobre o açodamento na hora de reabrir. Os governadores e prefeitos resistiram bravamente, conseguindo em Nova Iorque conter a pandemia, mas fora dali os contágios estão sem controle.
Agora, quase todos os estados norte-americanos reabriram em algum nível, com casos tão folclóricos, se não fossem trágicos, quanto liberar estúdios de tatuagem e boliches.
As próprias normas mínimas estabelecidas pela força-tarefa da Casa Branca, de que os novos casos estivessem em queda por 14 dias, foram varridas para baixo do tapete, enquanto “Reabrir a América de Novo” virou o slogan de campanha da reeleição de Trump.