Eunice Paiva, que faleceu na quinta-feira (13/12), aos 86 anos, será lembrada por sua grandeza, por sua coragem – e por sua pertinácia, na luta pela justiça.
Alguns, ao falar dela, compararam-na a outra mulher, Zuzu Angel, mãe de Stuart Angel Jones, assassinado sob tortura – assim como o marido de Eunice, Rubens Paiva – pela ditadura em 1971.
A comparação é justa.
No dia 20 de janeiro de 1971, feriado de São Sebastião no Rio de Janeiro, o empresário, e deputado cassado pela ditadura, Rubens Paiva – vice-líder do PTB na Câmara em 1964 -, ao voltar da praia com duas filhas, teve sua residência, no Leblon, tomada pelos órgãos de repressão da ditadura.
Nas palavras de Eunice, em uma das inúmeras cartas em que contou como seis homens armados invadiram a sua casa, sem se identificar, dizendo que queriam conduzir Rubens Paiva “para a Aeronáutica”:
“Os invasores da casa estavam nervosíssimos, como se fossem tomar um aparelho ou uma fortaleza, não sei. Rubens conseguiu acalmá-los, pediu que guardassem as armas para não assustarem as crianças e os empregados e se dispôs, prontamente, a acompanhá-los. Subiu tranquilamente para o nosso quarto, vestiu-se, chamou os policiais (ou militares), apresentou-se a cada um deles, disse-lhes que eram nossos hóspedes e que a casa estava à disposição deles.
“A casa ficou ocupada durante 24 horas, até às 11 horas da manhã do dia 21. Durante todo esse tempo ninguém podia usar o telefone nem sair. Quem entrasse na casa seria detido imediatamente. Foi assim que prenderam três rapazes, amigos da família, que vieram visitar minha filha, um deles com apenas 15 anos de idade.”
Rubens Paiva saiu de casa dirigindo o próprio carro, até a 3ª Zona Aérea, ao lado do Aeroporto Santos Dumont.
A família nunca mais o viu.
No dia seguinte, sua esposa, Eunice, e sua filha de 15 anos, Eliane, foram presas e levadas para o DOI-CODI.
Eliane saiu desse centro de torturas logo em seguida.
Eunice Paiva ficou presa durante 12 dias. Quando saiu, enxergou o carro do marido no estacionamento interno. O carro foi-lhe devolvido depois.
Rubens Paiva, eleito pelo PTB de São Paulo, fora o deputado mais atuante na CPI do IBAD, que investigara, em 1963, o despejo de milhões de dólares da CIA para eleger parlamentares e governadores no Brasil, contra o governo constitucional do presidente João Goulart [v. Figuras e figurinhas em 1964: antes e depois do golpe contra o Brasil (parte 1)].
Era engenheiro, empresário – e nacionalista desde a época em que Getúlio fundara a Petrobrás.
Depois de assassiná-lo sob tortura, os algozes desapareceram com o corpo de Rubens Paiva – e divulgaram uma nota, segundo a qual Rubens Paiva fora sequestrado, dois dias após a sua prisão, por um grupo “possivelmente terrorista”, no Alto da Boa Vista, quando era transportado por agentes do DOI-CODI. Segundo essa nota, ele não teria chegado ao DOI-CODI.
“Gordo, cardíaco, diabético, de 41 anos, Rubens teria fugido em meio a intenso tiroteio de armas automáticas entre três militares e ‘seis a oito elementos’. Apesar de suas limitações físicas, Rubens, pelo relato oficial, atravessou duas vezes as pistas de nove metros da Av. Edson Passos, saindo do banco traseiro de um Volkswagen em chamas, varado por 24 tiros” (cf. Fritz Utzeri e Heraldo Dias, Quem Matou Rubens Paiva?, JB 22/10/1978, Caderno Especial).
Eunice Paiva, a partir desse momento, e durante mais de 40 anos, buscou o esclarecimento da morte do marido.
Recorreu – ainda durante a ditadura – ao Superior Tribunal Militar (STM). Levou o caso ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), cujo presidente, Alfredo Buzaid, integralista – e ministro da Justiça do governo Médici –, com um voto de desempate, impediu a abertura de investigação sobre o desaparecimento de Rubens Paiva.
Somente em 2012 foi encontrada uma prova – a ficha de registro – de que Rubens Paiva dera entrada no DOI-CODI, em 1971.
Nessa altura, Eunice tinha se tornado uma combatente na luta dos familiares dos desaparecidos durante a ditadura. Para isso, inclusive, formou-se em Direito, após os 40 anos.
Seu funeral ocorreu na sexta-feira, no Cemitério do Araçá, em São Paulo.
Para ela, vale também a lembrança de Ulysses Guimarães sobre seu marido, ao promulgar a Constituição de 1988:
“O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou (palmas).
“A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram” (Muito bem! Palmas prolongadas).
C.L.