“A União Europeia está determinada a agir de acordo com seus interesses e a proteger seus investimentos econômicos”, afirmou a chefe da diplomacia europeia, a italiana Federica Mogherini
O ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, afirmou nesta sexta-feira (11) que a União Europeia não pode agir como “vassalo dos EUA” no caso do Acordo com o Irã – rompido por Donald Trump unilateralmente – e rechaçou que Washington seja “o gendarme econômico do mundo”. Na próxima terça-feira, o chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif irá a Bruxelas para discutir com a União Europeia a preservação do Acordo Nuclear, após viagem a Moscou e Pequim. Trump anunciou “o mais alto nível de sanções” contra o Irã – e quem faça negócios com Teerã.
Em vigor desde 2016, pelo Acordo – assinado conjuntamente pelos EUA, Rússia, China, Irã, Grã Bretanha, França e Alemanha, mais adesão da União Europeia – Teerã submeteu seu programa nuclear à fiscalização da AIEA, a mais rígida até hoje implementada, em troca do fim das sanções.
Conforme relato da agência Reuters, Le Maire disse aos repórteres: “Nós aceitamos sanções extraterritoriais? A resposta é não”. O ministro da Economia francês continuou: “nós aceitamos que os Estados Unidos são o gendarme econômico do planeta? A resposta é não”. Finalmente: “nós aceitamos a vassalização da Europa em assuntos comerciais? A resposta é não”.
As declarações refletem o repúdio europeu ao aviso de Trump de que as empresas estrangeiras terão de se submeter às sanções americanas contra o Irã ou também serão punidas. Pelo twitter, Le Maire assinalou que “a resposta à decisão americana sobre o Irã é clara: a soberania econômica europeia”.
Frente ao ilegal alcance além fronteiras norte-americanas dessas sanções do governo Trump, o ministro francês anunciou que irá se reunir até o final do mês com seus colegas de pasta inglês e alemão, para ver “o que podemos fazer em resposta a essas decisões dos EUA sobre extraterritorialidade”. “É urgente passar das palavras para os atos”.
Ele disse também que nas próximas semanas e meses Paris irá discutir com os parceiros do Velho Continente e com a Comissão Europeia sobre “como dotar a Europa com instrumentos financeiros que a tornem independente dos EUA”.
Entre as propostas em estudo, Le Maire sugeriu que seja atualizado e ampliado o mecanismo europeu estabelecido na década de 1990 para viabilizar as relações comerciais com Cuba apesar das sanções norte-americanas.
Ele propôs, também, a criação de uma linha de crédito em euros às empresas que comercializam com o Irã, para escapar de processos impostos sob alegação de que, como houve “transação com dólar”, que é a moeda dos EUA, constituiria violação das sanções norte-americanas.
Le Maire também aventou que os europeus apliquem contra os norte-americanos seu próprio veneno. O que seria feito através de um novo organismo europeu com poder para sancionar empresas estrangeiras por práticas comerciais – que é o que o Departamento de Justiça costuma fazer (o caso mais escandaloso foi a multa de US$ 9 bilhões ao maior banco francês, o BNP Paribas, por negócios com Cuba e Irã, inteiramente legais sob as leis francesa e europeia).
No mesmo sentido, o chanceler francês Jean-Yves Le Drien denunciou como “inaceitável” a “extraterritorialidade das sanções americanas”. Ele acrescentou que os europeus “não deveriam ter de pagar” pela saída dos EUA de um acordo “para o qual eles mesmos contribuíram”.
Chega a ser curioso que, depois daquela performance – “bromance”, segundo a mídia do ‘Primeiro Mundo’ – de Macron na Casa Branca, seja agora a França que esteja se manifestando mais frontalmente contra as sanções norte-americanas.
Mas não é só a França. “A União Europeia está determinada a agir de acordo com seus interesses de segurança e a proteger seus investimentos econômicos”, afirmou a chefe da diplomacia europeia, a italiana Federica Mogherini. “Como sempre dissemos, o acordo nuclear não é um acordo bilateral e não cabe a nenhum país terminá-lo unilateralmente”. E ainda: “o levantamento das sanções é uma parte essencial do acordo”.
A preservação do Acordo Nuclear com o Irã foi pedida pela Grã-Bretanha, França e Alemanha (em declaração conjunta de Theresa May, Emmanuel Macron e Angela Merkel), pela Rússia e China, e pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. “Nosso compromisso continua com o JCPOA [sigla em inglês que designa o acordo nuclear]”, ressaltaram May, Macron e Merkel, reiterando sua disposição de cumprir o tratado enquanto o Irã continuar a respeitá-lo.
Na quinta-feira, na entrega a Macron do ‘Prêmio Carlos Magno”, Merkel chegou a repetir uma frase do ano passado, de que “a Europa tem de agarrar seu destino com as próprias mãos”, por já não poder esperar que os EUA “simplesmente nos protejam” – a segunda parte da declaração uma forma cínica de se referir à ocupação, especialmente da Alemanha, pelas tropas e bases dos EUA.
Quanto ao Acordo com o Irã, deu uma no cravo e outra na ferradura, comentando que “é incerto saber em que medida podemos manter vivo este acordo se uma grande potência econômica não é parte dele”. Mas o ministro da Economia alemão, Peter Altmaier, afiançou que seu governo está pronto para ajudar as empresas alemãs a continuarem comercializando com o Irã, embora não ache já ser necessário mudar o sistema de garantia de exportações em vigência. Trata-se, apontou, de “limitar os danos”, inclusive oferecendo às empresas “assistência jurídica”.
Conforme as agências internacionais, o francês Le Maire quer que Washington isente as empresas europeias das suas sanções ou, no mínimo, alargue os prazos para que estas atendam os contratos já firmados. O Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, John Bolton, já avisou que “não são permitidos novos contratos” e que as empresas europeias têm entre 90 a 180 dias para deixarem os negócios com o Irã em áreas como petróleo, energia, aviões, transporte automotivo e marítimo.
O jornal francês Le Monde dimensionou o que está em jogo para as grandes corporações europeias, caso prevaleça o veto de Washington. Um contrato de 10 bilhões de euros para fornecimento de aviões de passageiros da Airbus a Teerã. Um contrato de 5 bilhões de euros da petroleira francesa Total, para explorar gás no campo de South Pars. Peugeot-Citroen e Renault detêm 30% do mercado iraniano. Também podem sofrer perdas Sanofi e Danone. 120 corporações alemãs mantêm unidades de produção no Irã, inclusive a Siemmens.
A.P.