Uma delegação de líderes religiosos evangélicos e católicos, vindos de Jerusalém, está no Brasil, com a missão de alertar aos cristãos e brasileiros em geral, para o dano que pode trazer aos esforços de paz a transferência da embaixada brasileira, de Tel Aviv para Jerusalém, como aventado pelo presidente Bolsonaro.
Os integrantes da missão eclesiástica, que permanecem no Brasil, de 25 a 29 deste mês, têm destacado que a usurpação de Jerusalém para um só povo traz imenso risco para a comunidade de cristãos palestinos, que reúne 300 mil habitantes de Jerusalém, e que em sua maioria habitam a histórica e milenar Jerusalém Oriental, de maioria árabe palestina.
A missão veio ao Brasil a convite da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, preocupada com as ameaças à paz e aos direitos humanos dos palestinos e, ao anunciar a vinda dos líderes religiosos, declarou: “Nossa esperança é que os cristãos no Brasil também estejam orando por uma paz duradoura para os nossos povos e procurem formas de se solidarizar com seus irmãos na Palestina e se preocuparem com a liberdade religiosa e os direitos humanos para os palestinos”.
Integram a delegação, o pastor evangélico, Jack Sara, presidente da Universidade Bíblica de Belém; o padre franciscano, Bruno Varriano, reitor da Igreja da Anunciação, em Nazaré; o pastor luterano, Mitri Raheb, presidente da Universidade e Faculdade de Artes e Cultura, Dar Al-Kalima, de Belém; a cristã ortodoxa, embaixadora Amira Hanania, diretora-geral do Comitê Presidencial de Assuntos das Igrejas, e o frei franciscano Ibrahim Faltas, do Monastério São Salvador, em Jerusalém.
O frei Ibrahim, que é secretário-geral da organização Custódia da Terra Santa e lidera a delegação eclesiástica, concedeu a entrevista que segue ao jornal Hora do Povo.
N.B.
Hora do Povo – Na sua opinião, qual a importância dessa missão eclesiástica que chega neste momento ao Brasil?
Frei Ibrahim Falkas – Estamos aqui para pregar e rezar pela paz, iniciamos nossa missão com uma missa na Catedral de São Paulo, estamos aqui para rezar pela paz em Jerusalém. Porque estamos convencidos de que a paz em Jerusalém será a paz no Oriente Médio e em todo o mundo.
Nossa delegação representa todas as igrejas cristãs de Jerusalém, o que inclui as igrejas católicas, a luterana e a evangélica. Nós somos da Igreja Franciscana de Jerusalém que existe há 800 anos na Terra Santa. Lá estamos ajudando todos os povos da região, sejam eles palestinos ou israelenses. Temos diversas escolas, tanto na Palestina, como em Israel, e desenvolvemos diversas atividades nos dois lados. Sempre respeitamos as duas populações e atuamos no sentido a ajudar na mediação da paz. Somos amplamente reconhecidos por tal atividade e posicionamento.
Nossa missão tem, em sua programação, encontros com lideranças religiosas as mais diversas. Aqui em São Paulo estivemos com o arcebispo da Igreja Ortodoxa Antioquina, Dom Damaskinos, no Rio vamos nos encontrar com o Cardeal do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta. Nos encontramos com mais de 20 líderes religiosos durante missa realizada na Catedral da Sé, integrantes da Igreja Católica, da Igreja Batista, da Igreja Luterana.
– Como vê a transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém?
– Esperávamos o oposto do que Trump fez. A decisão de transferir a embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém vai no sentido contrário ao dos que almejam a paz. Jerusalém é a cidade-mãe de todas as três religiões monoteístas. Neste sentido, deve ser a cidade aberta para todos. Jerusalém é importante para todas as três religiões. Não pode ser assumida como de um povo apenas.
Este é o preceito do Vaticano, o qual seguimos, porque somos uma igreja católica. E o parecer do Vaticano é de que Jerusalém tem um estatuto. Jerusalém é importante para todas as três religiões, todos devem trabalhar para criar uma convivência verdadeira nesta cidade.
Não existe uma cidade como Jerusalém, que seja referência para judeus, cristãos e muçulmanos. Os integrantes destas três vertentes religiosas devem viver em paz. Todos devem trabalhar para criar para a cidade um modelo de convivência entre os praticantes e conectados às três religiões. Porque, como traz eu seu próprio nome, é a cidade da paz.
A transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, como anunciou Trump, não ajuda nos esforços pela paz. Além disso, fere as leis internacionais. Jerusalém é uma cidade internacional – como definiu a ONU – e resolver bem seu status é decisivo para a paz. De nada ajuda apoiar a anexação de Jerusalém por uma parte. A paz virá com Jerusalém tornando-se o que seu destino e sua história prescreve: a cidade de todos. Não pode ser exclusiva de judeus. Está visão equivocada só acirra o conflito. Estamos convencidos de que enquanto não houver a paz em Jerusalém não haverá paz no mundo.
Como sempre disse o papa Paulo II, sem paz em Jerusalém não há paz no mundo. Agora todos devem trabalhar para realizar está paz, que deixou de existir há 70 anos.
Então, aquilo que fez o presidente Trump, não ajuda de forma nenhuma aos esforços pela paz, não ajuda ao avanço da paz na região.
– Como o senhor vê a posição do Brasil sobre Jerusalém?
– Nossa mensagem para os cristãos que vivem no Brasil é que nós – representantes de todas as igrejas sediadas em Jerusalém – alertamos: a mudança de embaixada de Tel Aviv para Jerusalém não ajuda aos que querem a paz.
Nós, os cristãos na palestina, temos muito apreço pelos brasileiros e entendemos que o povo brasileiro deve ajudar para que paz se realize. Dessa forma, o Brasil que é muito querido tanto por palestinos, como por israelitas, não deve tomar essa posição de seguir a ideia de Trump. Uma posição equivocada do Brasil pode atrapalhar muito, por isso pedimos a todos os brasileiros que ajudem a avançar a paz. O exemplo do Brasil, deve ser positivo e isso é muito importante.
Estamos chamando a todos os brasileiros, em especial a seus representantes, a virem à Terra Santa, para ver no local o prejuízo humano que a ocupação de Jerusalém representa e o prejuízo que isso traz para a paz. O que estamos acenando com as representações de todas as religiões de Jerusalém, ao trazermos essa posição ao Brasil, é mostrar a todos os cristãos no Brasil que devemos nos unir para criar um modelo de convivência pacífica e mostrar que estamos unidos e trabalhando para isso lá na cidade de Jerusalém.
– Como é a situação em Jerusalém hoje?
– A ocupação de Jerusalém divide a cidade. Mas não se pode dividir Jerusalém. Ela é uma cidade de todos, histórica e milenarmente una. A presença de locais sagrados lado a lado é a maior demonstração disso. Mas, o que acontece lá é o contrário do que deveria ser. O muro que foi construído por Israel, impede as pessoas de virem com tranquilidade a Jerusalém, de se deslocarem em paz, de exercerem livremente, cada qual, seu credo. Esse muro foi construído e se expande desde 2004. Os cristãos sofrem muito com essas obstruções Quando foi construído o muro, o papa Paulo II declarou: “A terra santa precisa de pontes, não de muros”.
– E a mensagem aos israelenses?
– Enquanto lideranças cristãs, dizemos às duas partes que é necessário trabalharmos pela paz. Nós da Igreja Franciscana somos reconhecidos como mediadores em favor da paz. E repetimos, para alcançarmos a paz é necessário que se resolva a questão de Jerusalém, não se deve, como temos visto acontecer, complicar a situação, como fez Trump, com a transferência da embaixada, o que não ajuda a paz. Esta atitude e atitudes iguais a esta não ajudam.
– Como os religiosos brasileiros têm recebido a mensagem trazida pela delegação?
– Os nossos contatos têm sido muito proveitosos. O encontro pessoal, conosco, com as pessoas, aqui no Brasil, ouvindo nosso testemunho de viva voz, uma vez que reconhecem o papel da Igreja em Jerusalém, está sendo muito bem recebido. O que sentimos é uma atenção e um contentamento com a nossa iniciativa de virmos até aqui para esclarecer os fatos. Existe uma sintonia entre os líderes cristãos no Brasil e a nossa mensagem, porque eles sentem a necessidade de que a paz seja alcançada na região.